Entidades de servidores públicos não têm pudor em tornar a sociedade refém quando seus interesses são contrariados
Editorial, Estadão
As poderosas corporações de servidores públicos não têm qualquer pudor em tomar a sociedade como refém sempre que seus interesses são contrariados. Como se fossem integradas por cidadãos de classe distinta tão somente por terem sido aprovados em concurso público, creem pairar acima do bem e do mal para impor aos contribuintes as suas idiossincrasias.
O caso mais recente envolveu o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco). Na quinta-feira passada, cerca de 150 auditores fiscais realizaram uma operação-padrão no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, em protesto contra uma resolução da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). De acordo com a nova regra da agência reguladora, os auditores fiscais que trabalham nos aeroportos do País devem passar por revista física antes de ocuparem seus postos na aduana. Apenas delegados e agentes da Polícia Federal (PF) não precisam passar pela inspeção.
A Resolução 278 da Anac foi editada em 2013, mas seus efeitos estavam suspensos por força de decisão liminar da 22.ª Vara Federal do Distrito Federal concedida em ação interposta à época pelo Sindifisco e pelo Sindicato dos Analistas Tributários da Receita Federal (Sindireceita). A Anac recorreu e, em novembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1) derrubou a liminar.
Os servidores da Receita decidiram fazer recair a sua frustração sobre os cerca de 3 mil passageiros de voos internacionais que desembarcaram no Aeroporto do Galeão na quinta-feira passada. Todas as malas de todos os passageiros passaram por revista, uma a uma. A concessionária RIOGaleão teve de deslocar todos os seus funcionários em solo para organizar o desembarque internacional em um dia de caos provocado por um capricho não atendido.
A recusa dos auditores fiscais em passar por revista, tal como pode acontecer com qualquer cidadão, só se explica por mera vaidade ou receio do que este procedimento rotineiro possa revelar. Nenhuma das duas razões é forte o bastante para dar azo a uma operação-padrão que não se prestou a outra coisa além de constranger os cidadãos que foram obrigados a passar mais de 4 horas em fila após o desembarque.
A Justiça Federal determinou aplicação de multa diária de R$ 1 mil para os sindicatos de auditores da Receita que descumprirem a regra da Anac. Além do Rio, houve filas em Porto Alegre, Guarulhos e Campinas. Em Viracopos, os auditores bloquearam portões do terminal de cargas para impedir a entrada de veículos ao pátio do aeroporto, segundo denúncia da Aeroportos Brasil Viracopos, concessionária que administra o terminal. “Note-se que o referido bloqueio de acesso era realizado por meio de viatura oficial da Receita, posicionada de forma atravessada na entrada do portão, com servidores portando, ostensivamente, armamento portátil”, afirma o desembargador Daniel Paes Ribeiro, do TRF-1.
Em nota, a Anac informou que a inspeção de segurança de servidores em aeroportos é uma medida usual em diversas partes do mundo. “O objetivo da medida é assegurar os níveis de segurança dos aeroportos, que é dever de todos que ali trabalham”, diz a agência.
De fato, todos os servidores que trabalham em áreas restritas dos aeroportos são revistados. Ora, se o procedimento é adotado para os servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro) e da própria Anac, além dos tripulantes dos voos, por que apenas os auditores fiscais teriam o privilégio? A propósito, já o têm, pois a resolução da Anac prevê que a inspeção física dos servidores públicos deve ter prioridade, o que é razoável.
O descontentamento dos auditores fiscais já foi levado ao ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e ao secretário especial da Receita, Marcos Cintra. Ambas as autoridades têm assuntos mais prementes do que este sobre suas mesas de trabalho.
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