A divulgação criminosa, pela internet, de fotografias íntimas da atriz Carolina Dieckmann fez com que a Câmara dos Deputados acelerasse o processo de votação do PL 2.793/2011, do deputado federal Paulo Teixeira (PT/SP), em conjunto com outros autores, que visa estabelecer tipos penais próprios para os crimes realizados por meio da internet.
Essa não era a intenção de Teixeira. Ele preferia que a votação no Congresso começasse pelo PL federal 2.126/2011, que trata do marco regulatório da internet no âmbito do direito civil. Juntamente com os deputados federais Alessandro Molon (PT/RS), relator do PL 2.126/2011, João Arruda (PMDB/PR), presidente da comissão especial, e Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), Paulo Teixeira esteve nesta sexta-feira, 1º/6, para conduzir conferência regional para debater o projeto, que conta com a participação da sociedade desde sua elaboração pelo Ministério da Cultura.A conferência foi aberta pelo deputado estadual Simão Pedro (PT), presidente da Comissão de Educação e Cultura da Assembleia. Ele ressaltou que o assunto é de extrema relevância, já que hoje a internet permeia as relações sociais e políticas.
Referindo-se ao PL 84/1999, na forma do substitutivo proposto pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), Simão Pedro explicou que o projeto em debate é um ato de resistência ao “AI-5 digital”, proposta que provocou um debate nacional que levou o Congresso a apresentar projetos. “Agora é o momento das contribuições de São Paulo aos deputados que vão debater o projeto em âmbito nacional.
“O próprio marco civil surgiu como resistêcia ao PL de Azeredo, projeto impreciso e amplo que poderia criminalizar práticas que são corriqueiras e trazia embutidos interesses da indústria fonográfica e cinematográfica. Apenas o invólucro era de luta contra pedofilia. Mas a população teve receio e impediu que esse projeto prosperasse”, explicou Paulo Teixeira.
Segundo Arnaldo Faria de Sá, após o caso que vitimou Carolina Dieckmann, a Câmara tomou providências parciais, aprovando o PL 2.793/2011, que tipifica os crimes virtuais. “Mas o projeto mais importante é este, que trata o tema de forma global”.
Para o relator Alessando Molon, o objetivo das conferências realizadas pelo país é aperfeiçoar o projeto para que ele defenda a liberdade de expressão, mas preserve o direito à privacidade, entre outros.
“O marco civil tem sido muito mais para proteção dos usuários em relação à privacidade e liberdade de expressão contra projetos que colocam esses direitos em risco”, afirmou, ressaltando que em momentos de comoção social poderá haver apoio popular para que se vote uma legislação mais restritiva. Essa foi a quinta audiência pública realizada sobre o assunto. Ainda serão realizadas mais três, no Rio de Janeiro, em João Pessoa (PB) e em Brasília.
Responsabilidade civil – Para Fabiana Siviero, diretora jurídica da Google Brasil, a atual redação do PL 2.126/2011 é moderna e enxuta, mantendo a internet como um espaço de liberdade, buscando-se um marco regulatório mínimo, com princípios bastante sólidos.
Quanto à responsabilidade civil dos sites pelo conteúdo publicado pelos usuários, a advogada lembrou que há desde sites de porte internacional, como o para o qual trabalha, até pequenos blogs e comunidades virtuais com moderador, e que todos eles exercem um importante papel econômico e social, que gera empregos e recolhe tributos.
“Os intermediários devem ter salvaguardas. Se eles forem punidos pelo mau uso de terceiros, seria inibida a inovação. No mundo inteiro, se persegue apenas o responsável direto, que é aquele que criou ou divulgou o conteúdo impróprio.” Fabiana lembrou que salvaguardas desse tipo já foram incluídas na reforma eleitoral, já que a responsabilização do provedor por propaganda indevida somente pode ocorrer após ordem judicial.
Para a advogada da Google, o artigo 15 do PL é preciso: o provedor só se torna solidariamente responsável se houver descumprimento de ordem judicial. “Isso não quer dizer que o provedor não possa remover. Um exemplo á a pornografia. Alguns sites, por política interna, admitem. Outros não”
Fabiana ainda explica que a atuação do Poder Judiciário garantirá que medidas de responsabilização sejam proporcionais. Caso contrário, os provedores vão acabar removendo conteúdos demais, com medo da punição, o que prejudicaria a população. “Não podemos inverter a lógica. A internet é uma conquista tecnológica da humanidade e as ocorrências criminais são minoria. Punições desproporcionais iriam afugentar investimentos.”
Direito digital – Renato Opice Blum, advogado especialista em direito digital, falou da dificuldade de se legislar quando o assunto é tecnologia. Sugeriu inclusive um processo legislativo mais célere para essas matérias.
“Nessas áreas, costumes mudam em tempo muito mais curto”, explicou, ressaltando que, por falta de normas específicas, os tribunais estão criando jurisprudência por analogia, suprindo uma função que seria do Legislativo.
Para a responsabilização dos sites, ele defendeu um modelo que vinha sendo adotado nos Estados Unidos, que obriga o site a tirar do ar o conteúdo suspeito desde a comunicação da suposta vítima.
Quanto à guarda de registros (logs), o advogado explicou que há consenso de que os provedores de acesso têm a obrigação de manter, por um período de 1 a 3 anos, os registros das conexões.
Para a aplicação do mecanismo de rastreamento de criminosos virtuais, Blum explicou que os provedores de conteúdo devem ser também obrigados a guardar o IP dos usuários, já que este é o ponto inicial do rastreamento. Para isso, ele sugere alteração no artigo 13 do PL, que proíbe a guarda de dados sem a anuência do usuário.
Propriedade intelectualCristiano Lopes, especialista em direitos autorais do Ministário da Cultutra, explicou que o projeto apresentado pelo Executivo optou pela intervenção judicial antes de qualquer retirada de conteúdo. Entretanto, para a questão dos direitos à propriedade imaterial, deverá ser criada legislação específica.
“No caso de obra intelectual, não haverá necessidade de se recorrer ao Judiciário, será uma forma de autotutela, como no caso do dono de hotel que tem o direito de reter a bagagem do hóspede até que seja feito o pagamento.”
Defendeu o modelo adotado no Canadá, quando há notificação da suposta vítima, mas o usuário que publicou o material tem a possibilidade de contranotificar. Se o site não retira o conteúdo notificado e não contestado, torna-se corresponsável. Mas com a contranotificação, o site fica isento de responsabilidade, e a questão se resolverá na Justiça.
Até lá, o material ficará na rede. Padrões e formatosLeonardo Palhares, da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Camara-e), fez um relado das atividades da entidade. Ele contesta, no projeto a diretriz do inciso IV do artigo 19, que determina a adoção preferencial de tecnologias, padrões e formatos abertos e livres.
Para Palhares, a intenção da norma é que o país não se torne dependente de tecnologia estrangeira, mas essa visão pode ser equivocada: “Hoje o Brasil é exportador de tecnologia, e corremos o risco de matar aqui uma indústria incipiente. A orientação legislativa do padrão aberto tolhe desse setor”.
Para ele, malfeitores existem e problemas vão sempre existir, mas devem ser tratados como excepcionalidade. “Deve-se manter o ambiente de liberdade e neutralidade de padrões”.
Felipe Juliano, músico e criador do software de distribuição de conteúdo musical Bagagem, disponibiliza obras de sua autoria licenciadas como de livre uso para fins não comerciais. Apesar disso, reclamou que muitas pessoas que utilizam suas músicas em filmes caseiros, por exemplo, recebem um aviso, da empresa licenciadora, de que poderão estar cometendo ato de pirataria.
Com relação ao caso, recebeu de Cristiano Lopes a orientação de que seus direitos autorais estão sendo violados da pela empresa que dificulta a divulgação da obre. E que também nesse caso a atual Lei de Direitos Autorais prevê indenização.
Tiago Cardieri, da ONG Transparência Hacker, também se mostrou contra a responsabilização dos sites pelo conteúdo inserido por usuários.
“A tecnologia criou novas possibilidades. Não podemos responsabilizar quem cria liberdades pelo mau uso que alguns venham a fazer dela. Se formos por esse caminho, vamos criminalizar a inovação”, explicou.
Neutralidade da rede Este foi o tema abordado por representantes do Procon, Maíra Feltrin; da Telefônica/Vivo, Edilson Martinez; e do Comitê Gestor da Internet, Antonio Moreiras.
De modo geral, os participantes afirmaram que o artigo 3º, que trata do assunto no Projeto de Lei 2.126/11 está bem redigido e necessitaria de pequena alteração. Como ajuste no texto, Maíra Feltrin observou que a expressão “conforme regulamentação”, constante do inciso IV do artigo 3º, é no entendimento do órgão desnecessário, já que a neutralidade como princípio está garantida em sua amplitude e generalidade pelo mesmo inciso.
As afirmações dela foram corroboradas tanto por Edilson Martinez como por Antonio Moreiras. Martinez argumentou que para manter a possibilidade das empresas que operam as vias de tráfego de dados em condições de continuarem investindo e operando conforme os avanços tecnológicos cada vez mais rápidos na área, a neutralidade é sinônimo de liberdade.
“Sem liberdade que nos permita manter modelos viáveis de negócios não há garantia de podermos manter os investimentos necessários”, disse.
Para Moreiras, a questão que se coloca é quem terá autoridade para regulamentar a neutralidade, como previsto pelo inciso IV do artigo 3º. “Não é a Anatel”, declarou, enfatizando que não há clareza sobre quem recairia tal responsabilidade.
A reportagem é de Fabiano Ciambra e Blanca Camargo e foi extraída so site da Assembleia Legislativa de São Paulo
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