Editorial Estadão
A adoção de medidas para conter o problema é uma das mais prementes questões a preocupar nações democráticas
Em outubro do ano passado, Google, Twitter e Facebook, em conjunto com órgãos que representam os segmentos de comércio e publicidade, assinaram um código de conduta com a Comissão Europeia, assumindo o compromisso de adotar uma série de medidas para combater a escalada de desinformação na internet. De lá para cá, não houve qualquer avanço, como atestado pelo Parlamento Europeu no dia 28 do mês passado.
A preocupação com as fake news e as distorções de dados que circulam abundantemente pelas redes sociais não é nova. Em 2016, o dicionário Oxford elegeu “pós-verdade” como a expressão daquele ano. Em suma, a expressão designa a situação em que elementos objetivos têm menos apelo na formação da opinião pública do que a emoção e as crenças pessoais dos indivíduos. E não há, no processo comunicativo atual, meio mais propício para a manipulação de ambas do que as redes sociais.
As empresas de tecnologia firmaram o compromisso de enviar ao Parlamento Europeu relatórios mensais, a partir de janeiro deste ano, contendo as medidas que adotaram para impedir a disseminação das fake news ou para remover rapidamente as que passaram por seus controles internos – pressupondo-se que existem tais controles – e ainda assim foram publicadas.
A análise do primeiro relatório, feita por comissários da União Europeia (UE), indicou um trabalho insatisfatório. Para os comissários, faltou “progresso nos compromissos assumidos pelas plataformas online para combater a desinformação”, já que os documentos enviados pelas empresas “não trazem detalhes suficientes mostrando que novas políticas e ferramentas estão sendo implementadas em tempo hábil e com recursos suficientes nos Estados-membros” da UE.
Ou seja, o envio dos relatórios ao Parlamento Europeu, até o momento, não passou de mera formalidade com o objetivo de descaracterizar o eventual descumprimento do código de conduta assinado no ano passado por Google, Twitter e Facebook, na medida em que não constam dos documentos enviados ações concretas adotadas por aquelas empresas para combater a desinformação, de acordo com o parecer dos comissários da UE. “Elas (as empresas) ficaram para trás. Elas precisam viver de acordo com os padrões que lhes pedimos, e com os quais concordaram ao assinar o código de conduta”, disse Julian King, comissário europeu de Segurança.
A adoção de medidas para conter o avanço de campanhas de desinformação nas redes sociais e outras plataformas digitais é uma das mais prementes questões a preocupar nações democráticas hoje. É grave o bastante em sua dimensão privada por contribuir para a formação de uma massa de cidadãos pouco capacitados para compreender a realidade tal como ela é – e assim construir a opinião com base em fatos, não em crenças ou filiações de qualquer natureza. Tanto mais perigoso é o problema do descontrole factual da informação porque esse expediente espúrio tem sido largamente adotado por governantes e agentes públicos em vários países para, por meio das redes sociais, criar discórdia entre cidadãos, privilegiar grupos sociais em detrimento de outros, impor interesses eleitorais sobre o interesse nacional, entre outros ataques à democracia.
Embora a pressão sobre empresas de tecnologia como Google, Twitter e Facebook esteja muito mais concentrada na União Europeia e nos Estados Unidos, o Brasil não está alheio ao debate. De acordo o IBGE, aproximadamente 116 milhões de brasileiros estão conectados às redes sociais. É mais da metade da população do País.
A Nação haverá de debater temas importantíssimos para o desenvolvimento do Brasil, a reforma da Previdência à frente, e esse debate não pode estar poluído pela desinformação, menos ainda quando é fruto de uma ação deliberada de grupos que se aproveitam da vulnerabilidade dos controles de segurança das empresas de tecnologia. O impacto que Google, Twitter e Facebook causaram na vida moderna das sociedades vem acompanhado de enorme responsabilidade.
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