Diante do impasse surgido na Câmara e no Governo entre ruralistas e ambientalistas quanto à aprovação do projeto do novo Código Florestal, relatado pelo Deputado Aldo Rebelo, alguns Estados estão cogitando em adotar Códigos Florestais Estaduais. Seria possível tal medida? Quais seriam os limites constitucionais do código estadual?
Esclareça-se, inicialmente, que a palavra “código” significa simplesmente que a lei ambiental terá muitos artigos, com vocação para regular toda a matéria. Como exemplo, cite-se a Lei 10.406/02, também conhecida como Código Civil, que, mesmo sendo uma simples lei, recebeu o nome de Código por sua vocação geral.
Pela Constituição Federal (art. 24), os Estados podem legislar concorrentemente com a União sobre florestas. Sendo assim, está respondida a primeira questão: os Estados podem elaborar uma lei sobre as florestas e dar-lhes o nome de Código Florestal.
Sendo uma simples lei ambiental, embora complexa e detalhista, qualquer Código Florestal Estadual estará sujeito aos limites constitucionais da competência concorrente e da interpretação que deles faz o Supremo Tribunal Federal.
Resumidamente, diz a Constituição que cabe à União editar normas gerais e aos Estados estabelecerem normas suplementares da legislação federal.
Uma vez que existe uma norma geral sobre florestas, o antigo Código Florestal (Lei 4771/65), cabe aos Estados somente elaborar leis que suplementem a lei federal em vigor. Suplementar significa preencher claros, adicionar, esclarecer, aperfeiçoar.
Desta forma, ao Estado compete o aprimoramento regional das normas gerais ditadas pela União, otimizando sua aplicação, levando-se em conta as circunstâncias regionais.
O Supremo Tribunal Federal não tem um posicionamento claro sobre os conflitos de normas estaduais e federais no âmbito da competência concorrente em matéria ambiental.
No entanto, a partir da análise de alguns julgados, é possível fixar as seguintes balizas para se aferir a legitimidade constitucional de qualquer Código Florestal Estadual:
i) como regra, o STF admite o critério da prevalência da norma federal quando esta for marcada pela generalidade;
ii) se a norma federal descer a detalhes, considera o STF haver invasão da competência estadual;
iii) existindo norma federal, qualquer norma estadual que seja generalizante será inconstitucional;
iv) a lei estadual pode contrariar a lei federal quando existirem circunstâncias específicas que assim autorizem (ex. na ADI 1287, contra lei de Santa Catarina, entendeu o STF que o beneficiamento de lei de cabra naquele estado poderia ser feito com base em lei estadual que contrariava lei federal sobre o tema);
v) além das circunstâncias regionais, lei estadual também pode contrariar lei federal geral, no âmbito da competência concorrente, desde que mais restritivas e para assegurar valores maiores protegidos pela Constituição Federal, como a saúde e o meio ambiente (ADI 3937).
Alguns exemplos facilitarão a compreensão. O Código Florestal diz, no art. 2º, alínea b, que são de preservação permanente as florestas e demais formas de legislação natural situadas ao redor das lagoas, lagos e reservatórios de águas naturais ou artificiais.
Em tese, nenhum Código Florestal Estadual poderá contrariar ou esvaziar essa norma sob pretexto de suplementar a lei federal, porque é uma norma federal geral e dificilmente uma lei estadual que a contrarie aumentará a proteção do ambiente.
O mesmo Código Florestal, também no art. 2º, alínea a, estabelece que são de preservação permanente as florestas e vegetação na faixa de 30 metros de rios com até 10 metros de largura.
Uma lei estadual pode contrariar essa norma, mas apenas se for para aumentar o nível de proteção do meio ambiente, jamais para diminuí-lo, o que significa que pode aumentar para 40 metros a faixa de preservação.
Por outro lado, não sendo taxativo o Código Florestal sobre as espécies vegetais para serem utilizadas no reflorestamento, havendo uma lacuna, pode a lei estadual autorizar a composição de espécies vegetais que podem ser usadas para essa finalidade.
Os deputados estaduais, ao analisarem as propostas de leis ambientais, devem sempre levar em conta as premissas estabelecidas pela Constituição Federal e pelo STF. Na dúvida, devem se nortear pela premissa de que será constitucional a lei que mais proteger o meio ambiente.
Anderson Furlan, juiz federal, presidente da APAJUFE, doutorando e autor, entre outras obras, do livro Direito Ambiental (2010, Ed. Forense)
Deixe um comentário