Cidade escolhida por ele em 1976 para abrigar seu hospital espiritual lembra
uma vila abandonada.
De cerca de 80 pousadas em Abadiânia (GO), a reportagem encontrou apenas
sete abertas e em funcionamento. Em algumas delas, empregados dizem que
isso ocorre só em parte da semana, ou quando há visitantes programados —
cada vez mais raros.
O valor das diárias, que antes chegava a R$ 200, oscila hoje entre R$ 50 e R$
110. Nas ruas, no lugar dos cartazes que anunciavam terapias ou traziam
mensagens a turistas, placas de “vende-se” e “aluga-se”, algumas decoradas
com símbolos religiosos ou escritas também em outros idiomas. É comum
ver espaços comerciais completamente vazios ou rodeados de mato passou de 10% para 20%.
Segundo ele, a situação só não ficou mais visível porque parte de quem
trabalhava no local se mudou para outras cidades, e a prefeitura compensou
a perda de receitas com o início da cobrança de IPTU em regiões próximas a
um lago.
“Não tivemos dificuldades financeiras, mas ainda precisamos batalhar na
questão do emprego”, afirma ele. “Aqui se ganhava muito dinheiro. Agora,
acabou a festa”, resume Norberto Kirst, dono de uma pousada na região e um
dos voluntários da Casa Dom Inácio de Loyola, espécie de hospital espiritual
mantido por João de Deus.
Ele diz acreditar que turistas e fiéis ainda devem continuar a ir ao local. “É
uma cidade abençoada.”
Nem todos pensam assim. O dono de uma pousada que não quis ser
identificado conta que chegou a esperar pela retomada do movimento.
Desistiu. Colocou uma placa de venda em português, alemão e francês.
Comerciantes que restaram estimam que o movimento caiu em torno de
70%. Antes, a avenida que levava ao centro criado por João de Deus era
tomada por lanchonetes e lojas de cristais, artesanatos e roupas brancas.
Agora, a reportagem contou mais de 12 delas fechadas. Quem resistiu faz
planos de migrar para o lado não turístico da cidade.
O receio de falar do tema é comum entre comerciantes. O volume de
denúncias abalou a imagem do médium antes venerado e temido por lá. “Não
apoio o João de Deus, mas também não sou neutro”, afirma um deles.
As primeiras denúncias surgiram no dia 7 de dezembro de 2018, no programa
Conversa com Bial, da TV Globo. Na ocasião, 13 mulheres disseram ter sido
vítimas de João de Deus durante atendimento individual pelo médium. Os
relatos levaram outras a denunciar.
O Ministério Público de Goiás diz ter recebido 350 relatos de abuso sexual
Os primeiros são de 1973, os últimos, de 2018. Houve 13 denúncias encaminhadas à Justiça.
Nesta semana, a Justiça de Goiás condenou João de Deus a 19 anos e 4 meses
de prisão, em regime fechado, por crimes sexuais —a primeira condenação
por esse motivo. Em novembro, outra condenação já havia ocorrido, mas por
posse ilegal de arma de fogo.
Nos últimos meses, o médium permaneceu no Complexo Prisional de
Aparecida de Goiânia. Ele nega as acusações. Em nota divulgada na quinta
(19), a defesa de João de Deus disse que vai recorrer e pleitear prisão em
regime domiciliar em razão do estado de saúde do médium.
A situação reforçou uma espécie de lei do silêncio que parece vigorar na
cidade. Também afugentou turistas e mudou a rotina da Casa Dom Inácio de
Loyola, onde João de Deus fazia seus atendimentos —e onde, segundo os
relatos, ocorreram os abusos.
Funcionários dizem que o número de voluntários, que já chegou a mais de
50, hoje soma apenas 15. Enquanto isso, visitantes têm sido mais raros.
Na quarta-feira (18), onde antes se viam filas, a maioria das cadeiras estava
vazia. Em uma sala decorada com quadros de santos, presentes para o
médium e cartazes de silêncio, três voluntários aguardavam fiéis para o
primeiro dia da semana marcado para os atendimentos espirituais. O relógio
marcava poucos minutos para as 8h. Mas quase não havia frequentadores
por lá.
Há pouco mais de um ano, eram esperadas para um dia como esse cerca de
2.000 pessoas. Atualmente, esse número não passa de 150, dizem. Em alguns
dias, nem isso. Na quarta, cerca de 30 pessoas aguardavam pelo
atendimentos. Não houve a necessidade de se formar fila.
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