Editorial, Estadão
Do agora extinto programa de redução de 20% das tarifas de energia elétrica, demagogicamente anunciado em grande ato político pela presidente Dilma Rousseff em setembro de 2012, restam empresas geradoras e distribuidoras financeiramente desestruturadas, investidores ainda assustados com o excesso de intervencionismo estatal e com o amadorismo do governo, crise no setor (agravada pela longa estiagem nas principais regiões produtoras) e contas, muitas contas para serem acertadas – e que serão acrescentadas a tudo que essa aventura já custou para contribuintes e consumidores.
Não admitida explicitamente pelo governo, a extinção do programa de modicidade tarifária – como a administração petista o designava – foi consumada pela autorização da presidente à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para que repasse para as contas de luz os encargos até agora assumidos pelo Tesouro Nacional. Ou seja, boa parte do custo da lambança energética será paga pelos consumidores – e não mais pelos contribuintes.
Duas outras decisões compõem o desmonte do programa para o setor elétrico. Em reunião da presidente com os ministros de Minas e Energia, Eduardo Braga, e da Fazenda, Joaquim Levy, ficou decidido que o Tesouro não fará, neste ano, o repasse de R$ 9 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) previsto no projeto de lei do Orçamento para este ano. A CDE foi criada para promover a universalização do serviço de energia elétrica e assegurar tarifas menores para a população de baixa renda, mas o governo a transformou em caixa para o pagamento de indenização a empresas prejudicadas por sua política – e não foram poucas.
Para compensar o fim dos repasses do Tesouro para a CDE, ficou acertado que bancos públicos concederão financiamento de até R$ 2,5 bilhões para as empresas distribuidoras poderem comprar energia no mercado à vista. Será, ao que se anunciou, a última operação desse gênero envolvendo instituições financeiras federais.
Nos quase 30 meses de vigência do programa, empresas geradoras que aceitaram a renovação das concessões segundo as regras do governo – especialmente a Eletrobrás e suas controladas – tiveram de arcar com pesadas perdas. As poucas que rejeitaram a renovação nessas condições foram indenizadas com valores subestimados.
Também as distribuidoras enfrentaram acentuados desequilíbrios financeiros por conta das regras para a renovação das concessões. A estiagem nas principais regiões onde estão instaladas as usinas hidrelétricas obrigou as distribuidoras a comprar no mercado à vista energia gerada a custo bem mais alto pelas usinas termoelétricas, o que agravou seus problemas financeiros. Esses problemas começam a ser resolvidos de maneira definitiva, com o repasse do custo adicional para as contas de luz. Naturalmente, elas vão subir.
Em 2013, primeiro ano do desastroso plano energético do governo, a CDE teve gastos extras de R$ 19,3 bilhões, dos quais R$ 9 bilhões cobertos pelo Tesouro – isto é, pelos contribuintes. Em 2014, a conta havia alcançado R$ 12,1 bilhões, dos quais R$ 10,5 bilhões vieram do Tesouro.
Por decisão da nova equipe econômica, que até agora mostra estar disposta a fazer os ajustes necessários nas contas do governo Dilma, não será mais usado dinheiro do Tesouro para cobrir os rombos criados pelo programa energético. Por razões políticas, o governo Dilma vinha poupando os consumidores. Passada a eleição, vencida pela situação por pequena margem de votos, e ameaçada de ter a credibilidade de seu governo ainda mais corroída já no início do segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff acabou aceitando o inevitável – ainda que parcialmente, pois forçou a equipe econômica a concordar com o financiamento das empresas elétricas por bancos federais. Pelo menos é um sinal de que, como reconheceu o diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, “não adianta viver num mundo de ilusão” e, se o custo (do sistema) “está em outro patamar, a única forma de alcançar a sustentabilidade é termos o realismo tarifário”.
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