Foi longo o caminho até a admissão da acusação por crime de responsabilidade pela Câmara dos Deputados. Outra longa estrada processual se apresenta à frente.
Serão ainda mais três decisões a serem tomadas pelo plenário do Senado. A primeira de recebimento da denúncia, ao examinar relatório a ser produzido por comissão especial composta por 1/3 do Senado.
A decisão de recebimento da denúncia precisa ser adotada por maioria simples dos senadores. A partir de então, a presidente é afastada temporariamente, pelo prazo de 180 dias. Segue-se uma fase de oferecimento de alegações por escrito pelos denunciantes e pela acusada.
Novo parecer é emitido pela comissão especial pela procedência ou improcedência da acusação, submetida novamente ao plenário. Reconhecida a improcedência, o processo é arquivado. Sendo procedente, os denunciantes oferecem libelo acusatório com rol de testemunhas, podendo a defesa também as indicar.
Neste instante, o julgamento passa a ser presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. A aprovação final do pedido com condenação da presidente exige maioria de 2/3 do Senado.
Enquanto corre o processo, do outro lado da rua a vida já muda. Michel Temer, presidente temporário, deve agir como um chefe de equipe de UTI, diante de um paciente terminal, a exigir fortes doses de remédios, alguns amargos, para, com precisa transparência, impor rapidamente a redução dos gastos, tomando poucas e boas medidas econômicas que reacendam a esperança e gerem confiança na retomada paulatina da atividade industrial.
De outra parte, cabe à Câmara dos Deputados, que, com o impeachment, deu, de certo modo, voto de confiança a Temer, prestar-lhe todo o apoio.
À Polícia Federal, deve-se garantir os meios para a continuidade da apuraç
ão de corrupção, pois, pelo que se ouve, fatos de ainda maior gravidade, envolvendo lideranças políticas, estão para surgir.
Ao Supremo Tribunal Federal, por sua vez, para credibilidade da instituição, cabe se manter como Corte imparcial, sem arroubos protetivos ao governo do PT, como alguns poucos ministros tentam
ensaiar.
À sociedade civil, por seus órgãos representativos e pelos movimentos Vem Pra Rua e Brasil Livre, cumpre se manter alerta e cobrar a continuidade da luta contra a corrupção e em favor da reforma política.
Aos partidos de oposição, por seu turno, compete assumir a responsabilidade de auxiliar Michel Temer neste instante delicadíssimo, no qual se exigem coragem e determinação para salvar o doente terminal, apesar do barulho que arruaceiros farão na porta do hospital, chorosos de terem perdido as benesses do exercício do poder que usufruíram por década e meia.
É hora, também, de compreensão, pois não é de um instante para o outro que se retira o doente do estado terminal para lhe conceder alta. Toda dedicação e apoio precisará Temer, um presidente em situação limite, com a tarefa hercúlea de recriar a confiança e libertar da doença o paciente com septicemia causada pela corrupção, pela mentira, pela incompetência.
Começam, por volta de 10 de maio, os cem dias de Temer, nos quais será desafiado a impor sua autoridade e a indicar as diretrizes de dias mais seguros. Deve-se comemorar o fim de uma era nefasta, mas imensas dificuldades estarão presentes.
Enquanto se inicia a reconstrução do país, no Senado continua o processo de impeachment. A renúncia neste instante seria medida saudável, mas, se não suceder, o afastamento definitivo de Dilma será imposto por nossa Câmara Alta.
Miguel Reale Júnior, 72, é advogado, escritor, professor titular de direito penal da USP. Foi ministro da Justiça (governo FHC). É autor, com Hélio Bicudo e Janaina Paschoal, do pedido de impeachment votado na Câmara dos Deputados neste domingo (17)
Foto: Agência Câmara
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