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Bin Laden perdeu. E ninguém ganhou

Artigo instigante do jornalista Ricardo Noblat, reproduzido na íntegra a seguir:

“Deixe-me ver se entendi bem.

O mundo festeja a morte de um bárbaro terrorista assassino que foi assassinado no Paquistão por uma tropa militar de elite das forças especiais dos Estados Unidos.

Escondido em uma mansão onde não havia telefone nem internet, desarmado como admitiu a Casa Branca, o cérebro do atentado do 11 de setembro, onde morreram 2.700 pessoas, já não comandava mais sua organização.

Valia-se de um emissário para transmitir recados. A identidade do emissário foi descoberta mediante a tortura de um dos presos mantidos na base militar americana de Guantánamo, em Cuba.

E foi o monitoramento do emissário que permitiu a localização do esconderijo de Bin Laden.

A tropa que invadiu o esconderijo recebeu a ordem de matá-lo. E de em seguida jogar seu corpo no mar.

O governo paquistanês não foi consultado sobre a invasão do seu território por tropa de outro país. Só depois ficou sabendo.

Em resumo: celebra-se a tortura (crime), o assassinato de um terrorista inativo (crime) e a operação militar bem-sucedida que implicou na violação da soberania de um país (crime também).

É o mesmo que afirmar: em certos casos (e não serão poucos), a tortura se justifica. O assassinato se justifica. A invasão pontual de outro país se justifica.

Repelimos a violência quando ela nos atinge. Aceitamos a violência contra quem detestamos.

Dancemos nas ruas!

Às favas os escrúpulos, os fundamentos do modelo ocidental de democracia e os valores básicos e consensuais de todas as religiões.

Um ex-operador da CIA, a agência americana de espionagem, disse hoje no The New York Times que a manifestação de júbilo dos seus concidadãos com a morte de Bin Laden avaliza os métodos usados pela CIA em defesa dos interesses do país.

Um general brasileiro aposentado, que na época da ditadura de 64 tolerou ou estimulou a tortura e a morte de opositores do regime, seria capaz de dizer algo parecido.

O mundo não se tornará menos ou mais seguro com a morte de Bin Laden. A essa altura, a importância dele era apenas simbólica.

Com a sua morte não se fez justiça como proclamou o presidente Barack Obama.

(Na aparência, pelo menos, George Bush Jr. fez ao capturar, julgar e enforcar o ex-ditador do Iraque, Saddam Hussein.)

Em sociedades ditas civilizadas, justiça se faz de outra maneira.

Consagra-se a doutrina israelense que justifica o assassinato seletivo de inimigos do Estado.

Foi um ato de vingança. Que Bin Laden fez por merecer.

Mas nós não marecíamos que por causa dele fossem rasgados os tratados internacionais que tipificam como crimes a tortura, o assassinato e a violação de territórios por tropas estrangeiras.

Bin Laden perdeu. E ninguém ganhou.”