Ter só 9% dos alunos com aprendizagem adequada em Matemática fala por si
Olavo Nogueira Filho e João Marcelo Borges*, O Estado de S.Paulo
“Muitos países começaram as mudanças educacionais mais transformadoras durante crises econômicas.” A frase é de Andreas Schleicher, da OCDE , a organização dos países mais desenvolvidos, à jornalista Érica Fraga, da Folha de S.Paulo. Idealizador do Pisa, principal programa internacional de avaliação de estudantes, ele também aponta que avanços na educação básica estão altamente associados à capacidade dos líderes políticos de convencerem os cidadãos a valorizar o futuro. Em tempos de grave crise fiscal e de um debate nacional sobre reformas estruturais, essas considerações sugerem que pode haver uma janela de oportunidade para fincar pilares que sustentem um desenvolvimento duradouro – entre eles, educação de qualidade.
A despeito de avanços importantes nas últimas décadas – como o acesso praticamente universalizado, um amplo sistema de avaliação, o piso salarial docente e o aumento expressivo de recursos para a área –, é notório que o cenário da educação básica ainda é crítico. Ter apenas 9% dos alunos com aprendizagem adequada em Matemática ao final do ensino médio, por exemplo, fala por si.
Diante de dados como esse, o debate normalmente transita entre dois polos. De um lado, dirão que o problema é exclusivamente de gestão. De outro, que ainda falta dinheiro. Entretanto, na raiz da nossa incapacidade de promover mudanças em escala está a ausência de uma agenda nacional para a educação que combine gestão e financiamento, entendendo as relações intrincadas desses dois campos.
Foi exatamente esse diagnóstico que motivou a iniciativa suprapartidária Educação Já!, articulada ao longo de 2018 pelo Todos Pela Educação em parceria com diversas instituições da sociedade civil. Fruto de um ano de construção envolvendo mais de 80 especialistas, gestores públicos e profissionais da educação com diferentes trajetórias e posições políticas, ela produziu um conjunto de propostas informadas pelas evidências e ancoradas no marco legal brasileiro para subsidiar o poder público, especialmente no âmbito federal.
A primeira fase do esforço, concretizada por meio de dezenas de reuniões de trabalho e pela circulação dessa produção para análises de diferentes atores, culminou num documento que enumera 12 diretrizes até 2030 e, a partir delas, estabelece sete prioridades para o período 2019-2022 nos temas governança, financiamento, base nacional comum curricular, professores, primeira infância, alfabetização e ensino médio. Posteriormente, uma segunda etapa foi desencadeada para aprofundar cada um desses temas resultando em 24 medidas concretas. São mais de 700 páginas, incluindo minutas de lei e orçamentos para programas nacionais, que servirão ao longo dos próximos anos como base do nosso trabalho de monitoramento público das ações dos governos nacional e subnacionais. Tudo disponível na íntegra no site do Todos Pela Educação, para que a sociedade possa acompanhar.
Nesse trabalho se acordou, entre outras medidas, que o novo Fundeb, o fundo de financiamento da educação básica, há de ser muito mais redistributivo, em benefício dos municípios e alunos mais pobres. Atentou-se para a urgência da criação de um Sistema Nacional de Educação que estabeleça normas operacionais básicas para induzir melhor colaboração entres os entes federados na oferta educacional (à luz do que o SUS conseguiu fazer na saúde). Concluiu-se que o caminho para melhorar a questão da alfabetização no País é o Estado atuar junto a seus municípios e lançar mão de políticas de apoio técnico às prefeituras, combinando-as com mecanismos de indução que atrelem resultados à distribuição de tributos (caso do Ceará). E chegou-se ao entendimento de que para uma carreira docente mais atrativa precisamos, simultaneamente, de definição clara sobre o que significa uma boa prática pedagógica, de políticas para atrair os alunos com melhor desempenho no ensino médio para a docência, de forte regulação dos cursos de formação inicial de professores e de parâmetros nacionais de carreira que garantam remuneração e condições de trabalho adequadas a todos os professores, além de critérios de progressão que, de fato, incentivem a melhoria contínua da prática em sala de aula.
Desde o início de 2019, e junto às organizações parceiras da iniciativa, esse conhecimento produzido tem sido levado a diferentes atores estatais, em particular ao Congresso Nacional, ao Conselho Nacional de Educação e o MEC. Seguindo uma atuação característica do Todos: ser propositivo, contribuindo com recomendações tecnicamente robustas, operacionalmente exequíveis e fiscalmente responsáveis.
No Congresso, as perspectivas são promissoras: enquanto as discussões sobre a PEC do novo Fundeb caminham para um desenho mais redistributivo, que poderá resultar numa elevação significativa do patamar mínimo de investimento (ainda muito baixo), diversas outras propostas do Educação Já! estão sendo encabeçadas pela nova Frente Parlamentar Mista de Educação, lançada em abril.
Quanto ao MEC, há uma tentativa em curso de recuperar o valioso tempo perdido nos seis primeiros meses de governo. A atual Secretaria da Educação Básica tem dialogado próxima e constantemente com as organizações de representação dos gestores estaduais e municipais de educação (Consed e Undime), com vista a definir prioridades de forma conjunta, além de sinalizar querer aproveitar alguns dos insumos gerados pelo Educação Já! em sua tomada de decisão. Vamos continuar atentos a essa movimentação, que esperamos se conclua com políticas públicas efetivas, bem desenhadas e implementadas, sem uso do ministério para fins ideológicos. O resultado a ser buscado não pode ser outro senão a melhoria da qualidade da educação, refletida, principalmente, nos indicadores de aprendizagem dos alunos.
*DIRETOR DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS E DIRETOR DE ESTRATÉGIA POLÍTICA DO ‘TODOS PELA EDUCAÇÃO
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