Em números absolutos, verificaram-se problemas em 403 mil das 965 mil doações.considerando-se que, pela primeira vez, somente se permitiu o financiamento eleitoral por parte de pessoas físicas, pouco familiarizadas com a burocracia exigida pela Justiça Eleitoral, podia-se esperar até mais problemas
Editorial, Estadão
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apresentou um balanço do financiamento das recentes eleições municipais. Segundo constataram os técnicos a serviço do tribunal, houve alguma irregularidade em 41,8% das doações. Em números absolutos, verificaram-se problemas em 403 mil das 965 mil doações. Antes de mais nada, é preciso notar que a maioria das doações foi regular. Além disso, considerando-se que, pela primeira vez, somente se permitiu o financiamento eleitoral por parte de pessoas físicas, pouco familiarizadas com a burocracia exigida pela Justiça Eleitoral, podia-se esperar até mais problemas.
É preciso enfatizar esse contexto porque partidos e parlamentares viciados em dinheiro de doadores empresariais continuam a articular o fim da proibição a esse tipo de financiamento. Com esse objetivo, utilizam qualquer informação que sinalize falta de lisura em doações de pessoas físicas para construir o argumento segundo o qual esse tipo de financiamento não resolve o problema da corrupção eleitoral – uma das razões, mas não a principal, da proibição do financiamento de pessoas jurídicas.
Segundo a força-tarefa formada por TSE, Receita Federal, Polícia Federal, Tribunal de Contas da União (TCU) e Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), foram identificados doadores sem capacidade econômica para doar os valores declarados, inclusive beneficiários do Bolsa Família; doadores falecidos ou com irregularidades cadastrais junto à Receita; fornecedores ou prestadores de serviço pessoa física falecidos ou com irregularidades cadastrais; fornecedores ou prestadores de serviço pessoa física com vínculo de parentesco com o candidato; doações feitas por pessoas físicas como forma de camuflar doações de pessoas jurídicas; doações feitas por pessoas físicas como forma de camuflar doações de pessoas jurídicas que recebem recursos públicos; e doações feitas por servidores públicos acima de sua capacidade econômica.
Os episódios relacionados nessa triagem serão investigados pelo Ministério Público Eleitoral do local onde ocorreram, isto é, carecem ainda de confirmação. Ora, ainda que se constate que a totalidade dos 403 mil casos de doações irregulares foi fruto de alguma ilegalidade – o que é pouco provável –, nem assim estaria desmoralizado o financiamento exclusivo de pessoas físicas.
O financiamento empresarial de campanhas foi abolido pelo Supremo Tribunal Federal porque representava a captura do poder político pelo poder econômico. Em lugar de produzir decisões que respeitam a vontade do eleitor, esse sistema corrompe a própria ideia de democracia, pois transforma o financiador em uma espécie de credor do político eleito.
Com isso, esgarçou-se a relação entre os políticos e seus verdadeiros eleitores. Criou-se a sensação mais ou menos generalizada de que os representantes do povo nada mais eram do que despachantes a serviço de corporações privadas.
A exclusividade do financiamento por pessoas físicas mudou radicalmente essa equação. Dependente agora de doações dos eleitores de fato, os políticos, já nas últimas eleições, tiveram de começar a retomar o velho contato pessoal com aqueles de quem pretendem obter o voto. Além disso, tiveram de fazer campanhas bem menos custosas, desprovidas do marketing que tantos impostores elegeu nos últimos tempos.
É claro que essa regeneração não acontecerá da noite para o dia, especialmente porque a degradação da política eleitoral atingiu patamares inéditos na história do País. As eleições municipais foram apenas a primeira experiência, e os problemas constatados devem servir não como prova, como querem alguns, de que o sistema é necessariamente corrupto ou desvirtuado, seja ele custeado por pessoas físicas ou por empresas, mas sim como parâmetro para o aperfeiçoamento contínuo do processo eleitoral. Não se pode aceitar retrocesso em tão importante conquista do eleitor.
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