do Correio do Litoral
Sempre acabo dizendo a mesma coisa, devo estar parecendo CD riscado: não é vergonha não saber.
É vergonha não querer aprender, pensar que a gente sabe tudo e no fundo não sabe absolutamente nada. Isso sim é uma vergonha. A hipocrisia também é vergonhosa, triste, patética. É como o caso do policial que frequenta todo domingo a igreja do bairro e na segunda sai dando tiro em bandido desarmado, em ladrãozinho de galinha, que numa dessas rouba pelo desespero de ver a sua cria com a barriga vazia. É óbvio que não me solidarizo com o crime, e nem tenho nada contra a fé de ir à igreja todo domingo, mas antes de mandar bala precisamos analisar o nível de perigo que esse sujeito apresenta, não acha?
Eu, por exemplo, não sei nada de grego. Nadica de nada. Sou burro, surdo e cego em questões de grego. Mas eu sou curioso, investigo, vou atrás. A palavra “Escatologia” tem vários significados, mas o que me interessou mais é um dos significados que diz que é a parte da fisiologia que se encarrega do estudo dos excrementos. E a palavra provém, justamente, do grego “skatós”, acompanhada do sufixo “logia”. O Dicionário Aurélio define escatologia como “tratado dos excrementos”.
É, eu sei o que você está pensando. Caca, quanto mais mexe, mais fede.
E este assunto da Operação Condor promete ser escatológico, por assim dizer. Vez passada o Daniel Lúcio Souza comentou uma das minhas matérias usando o termo “Baby Boomer”. Tudo começa por aí. Por saber de onde sai esse termo, e quais são as atitudes desta geração perante a sua própria realidade. Complexo? Não se preocupe, que vai piorar.
Eline Kullock é presidente (ou presidenta?) do Grupo Foco, uma consultoria em RH bem conhecida aqui no Brasil. Segundo ela, o conceito de “geração” abrange o conjunto de indivíduos nascidos em uma mesma época, que são influenciados por um contexto histórico, determinando comportamentos e ocasionando impacto direto na evolução da sociedade.
O interesse no estudo sobre o assunto surgiu da necessidade percebida pelos administradores ou gestores em amenizar o conflito de gerações presente nas empresas, já que há profissionais de diferentes faixas etárias convivendo juntos no mesmo ambiente de trabalho.
Mas há mais informação a respeito. Não somente os gestores empresariais se preocupam com o assunto: este tipo de análise é feito também por especialistas de Marketing e Vendas. De uma certa forma, eles conseguem prever o comportamento dos consumidores de acordo a sua faixa etária. Em 1992, William Strauss e Neil Howe lançaram um livro cujo nome é “Generations: The History of America’s Future. 1584 a 2069”.
De acordo com estes dois senhores, a Geração Baby Boomer abrange pessoas nascidas entre 1943 e 1964, e divide-se em dois grupos: Primeiros Boomers e Boomers Posteriores, ou Geração Jones. Os Primeiros Boomers são aqueles nascidos entre 1945 e 1954, e os Posteriores entre 1955 e 1964. Uma coisa é comum a todos eles: sua luta contra o poder e a exigência de mudança de sistemas.
No livro, Strauss e Howe explicam que as gerações surgem em quatro ciclos, os quais geralmente duram de 80 a 100 anos. Os ciclos giram, começando com uma geração idealista, passando para uma reativa, seguida de uma geração com consciência cívica e, finalmente, chegando a uma geração de adaptação que, mais uma vez, direciona para uma geração idealista. Juntos, os quatro ciclos compõem um “século”. Os Baby Boomers são o primeiro ciclo, os idealistas do “século milenar”.
Fiquei mais interessado ainda, e acabei pegando da Internet um artigo escrito por estes senhores também, chamado: “The Next 20 Years: How Customer and Workforce Attitude Will Evolve”, publicado na revista “Harvard Business Review” de Julho-Agosto de 2007. E daí? Daí que os Baby Boomers foram ativistas de Direitos Humanos, criadores do Rock ’n’ Roll, líderes do movimento de liberação feminista, enfim, os criadores do entorno social tal qual o vemos hoje. Guerreiros, contestadores, éticos, de pensamento rígido, quem sabe pelas dificuldades pelas quais atravessaram.
Por ser cria direta daqueles que participaram na Segunda Guerra Mundial, os Baby Boomers jamais teriam tendência a seguir doutrinas como a do Hitler, Stalin, ou alguém que fizesse imposições. As Ditaduras Militares em América Latina coincidem perfeitamente com esta geração Baby Boomer. Coincidem, eu disse?
Obviamente, o confronto foi inevitável. E aqui temos outra surpresa: as ditaduras no Cone Sul começaram no Paraguai (1954-1989), e seguiram pelo Brasil (1964-1985), Uruguai (1973-1985), Chile (1973-1990) e Argentina (1966-1973 e logo após a morte de Perón e queda da sua mulher Isabel Perón, 1976-1983). Em todos os países, exceto no Brasil, houve ou há processos em andamento contra os repressores.
O Estado Brasileiro reconhece oficialmente 400 mortos e desaparecidos durante a ditadura. Argentina já tem mais um pouco: 32.000 pessoas mortas ou desaparecidas. E Paraguai? Ainda estão contabilizando ossadas, descobrindo casos, histórias, denúncias. O governo de Stroessner pode sentir-se orgulhoso de uma coisa: ter sido responsável pelo preso político mais antigo de América Latina, o capitão Napoleón Ortigoza. Esteve 25 anos preso num calabouço de 1,20 x 2,20. Quer saber mais? Leia “El Caso Ortigoza”, RP Ediciones, Assunção, Paraguai, 1990. Ou o ABC Color, tradicional jornal da capital paraguaia, cujo endereço é [ www.abc.com.py ]
A Operação Condor foi um plano secreto e conjunto de repressão e extermínio de opositores das ditaduras militares instaladas nos seis países do Cone Sul: Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai. A sua função principal era neutralizar e reprimir os grupos que faziam oposição aos regimes militares montados na América Latina, como os Tupamaros do Uruguai, os Montoneros da Argentina, o MIR no Chile, e outros.
Esquematizada em meados dos anos 70, a Operação esteve em vigor até o processo de democratização que surgiu na região na década seguinte. Liderada por militares da América Latina, foi batizada de “Condor”, em alusão à gigantesca ave de rapina típica dos Andes, famosa pela sua astúcia na caça às suas presas.
Particular e pessoalmente, acredito que esta Operação Condor tenha sido organizada pelos Estados Unidos para evitar futuros fracassos como o de Vietnã. A ideia em si surgiu na Escola das Américas, dos EUA, e logo foi disseminada nas Escolas Nacionais de Guerra dos países sul-americanos, através da “Doutrina de Segurança Nacional”, com o apoio dos serviços secretos, conhecidos pelo vulgo de CIA.
Houve uma clara divisão na população dos países envolvidos: estavam aqueles que apoiavam tudo aquilo, e os que eram contra a ditadura militar. Quem era contra a ditadura, sem importar ideologia política ou tipo de pensamento social, era taxado de comunista e subversivo, e acusado de tentar conquistar a soberania do país através da guerra revolucionária. Como consequência disso, não se fazia distinção entre aqueles que apenas criticavam a forma de governo, e os que realmente pegavam em armas.
Na Argentina, por exemplo, ter cabelo comprido era sinal de comunismo, era sinal de rebeldia, algo que a milícia não aceitava. Ler Marx então, e ter uma fotocópia da “Teoria da Mais-Valia”, equivalia a tomar uma sova da polícia de horas, e isso acontecia publicamente, dentro da biblioteca, faculdade, escola ou em casa mesmo, onde estivesse. Sempre tinha alguém que dedurava, caso você fosse de ler muito, “raro”, como se dizia naquela época.
Eu mesmo passei por isso, mas já me esqueci. Não doeu quase nada. Isso sim, me rasparam a cabeça uma vez, para me “domesticar”. Por isso tenho longos cabelos hoje em dia: quero ver o cabra macho que vai fazer eu cortar.
Toda uma geração de líderes, intelectuais, pensadores, foi dizimada a ponto de ainda hoje, quase vinte anos após o final destas ditaduras, termos vestígios dessa forma de repressão organizada contra aqueles que colocavam em risco o poder desta gente. Em 1992, após o acerto entre parentes realizado em 1989 no Paraguai, sob a forma de golpe de estado, pelo qual Stroessner e um tal de Andrés Rodriguez fizeram a transferência de comando, abriram-se os arquivos da Polícia Nacional do Paraguai, onde foi encontrada farta documentação comprobatória sobre o acordo costurado por todos os países do Cone Sul, que visava facilitar a cooperação na repressão aos grupos e indivíduos opositores dos regimes militares.
A Operação Condor, que começou como uma troca de informações entre os diversos países e a colaboração entre as suas polícias secretas, passou aos poucos a envolver níveis mais altos de violência e desrespeito aos direitos humanos, com a troca de presos políticos, sequestros e assassinatos. Não tinha como fugir, a não ser trocando de identidade, como fez o José Dirceu, que se escondeu durante anos em Cruzeiro do Oeste, noroeste do Paraná, a 16 Km da cidade de Umuarama. Ele lá era o “Pedro Caroço”. O seu contato com o mundo exterior era o saudoso doutor Ivo Sooma, já falecido, com quem tive a honra, o prazer, e a sorte de conversar durante longas madrugadas e com quem já bebi muita cerveja.
Hoje, a manchete do jornal “Clarín”, da Argentina, veicula a condenação a cadeia perpétua do capitão da Marinha Alfredo Astiz, um dos símbolos do horror da ditadura na Argentina. Mas no caso particular dele, o seu pecado não é apenas da ditadura: foi um dos que se rendeu aos ingleses sem disparar um único tiro. Mas essa é outra história.
Também hoje, no Uruguai, noticia-se que o Parlamento Uruguaio aprovou lei que anula a anistia de crimes da ditadura. Aqui, nas terras tupiniquins, o Senado aprovou por unanimidade a criação da Comissão da Verdade, que vai apurar violações de Direitos Humanos durante a Ditadura. Crimes como tortura, assassinato e desaparecimento de militantes serão investigados durante os dois anos de funcionamento da Comissão, mas não será possível pedir abertura de processos contra torturadores: a lei de anistia não permite.
Enquanto isso, em Guaratuba, conserva-se brilhante na Praia dos Surfistas uma placa em homenagem a Stroessner, a quem jamais chamarei de general. Agora fiquei curioso. Por que será?
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