Ricardo Galhardo, Estadão
Técnico em administração de empresas nascido numa família pobre em Assaí, norte do Paraná, o deputado licenciado André Vargas (PT-PR) teve uma ascensão política tão meteórica quanto sua queda do cargo de vice-presidente da Câmara, do qual anunciou a renúncia na quarta-feira passada, depois que vieram à tona suas ligações com o doleiro Alberto Youssef, preso na Operação Lava Jato da Polícia Federal.
Até 2010, quando foi reeleito deputado e chegou à executiva nacional do PT, Vargas era considerado apenas mais uma liderança regional do partido. Naquele ano ele impôs uma derrota ao atual presidente nacional do PT, Rui Falcão, ganhou a secretaria de Comunicação do partido e passou de figurante a personagem central.
Na eleição de 2010, embora contasse com um patrimônio pessoal de R$ 572 mil, Vargas distribuiu R$ 893 mil a 32 candidatos de três partidos. Entre eles figurões como os senadores Roberto Requião (PMDB-PR), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e a presidente Dilma Rousseff.
Quem acompanha de perto a carreira de Vargas percebe que sua ascensão coincide com a morte do deputado José Janene (PP), chefe político do norte paranaense e um dos pivôs do mensalão, morto em setembro de 2010.
A relação com Janene começou em 1998, quando Vargas tentava escalar a pirâmide burocrática petista na condição de mero colaborador da campanha a deputado de Paulo Bernardo (hoje ministro das Comunicações).
Naquela campanha Vargas conheceu Youssef, compadre de Janene e envolvido em um escândalo de desvio de recursos municipais conhecido como caso AMA/Comurb, pelo qual Vargas foi condenado a devolver ao município R$ 10 mil usados na campanha de Bernardo. A amizade com o doleiro, no entanto, só se estreitou depois da morte de Janene.
Ao chegar à Câmara, em 2007, o petista seguiu os passos do deputado do PP e conseguiu uma vaga na Comissão de Minas e Energia, onde se discute entre outros temas projetos ligados à Petrobrás. Além da amizade com Youssef e do interesse pela questão energética, Vargas herdou os serviços de Wagner Pinheiro, chefe de gabinete do petista até a última quarta-feira, considerado homem de confiança de Janene para assuntos políticos.
Falastrão – À medida em que se tornava conhecido, Vargas fomentava a reputação de imprudente e falastrão. Fama que lhe rendeu problemas na Justiça. Desde 2010 o petista responde a uma ação por danos morais movida pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), a quem o petista acusou de ter feito um dossiê contra Verônica Serra, filha do ex-governador José Serra.
Aécio cobra indenização de R$ 500 mil. Se Vargas for condenado não será a primeira vez. O Juizado Especial Cível de Maringá impôs ao petista multas que somadas chegam a R$ 200 mil por usar indevidamente 50 pessoas como laranjas em sua prestação de contas eleitorais de 2006.
Nos últimos dois anos Vargas era um dos líderes do grupo de parlamentares petistas insatisfeitos com o governo Dilma, que chamou de inábil.
Ao mesmo tempo em que desafiava a cúpula partidária, ele tentava agradar à base petista com atitudes voluntaristas como o gesto de levantar a mão esquerda imitando os ex-dirigentes presos – José Dirceu e José Genoino – ao lado do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, em fevereiro. “O André é o ‘tiozão do churrasco’. É aquela figura que conta piadas sujas na frente das crianças”, comparou um petista que pediu anonimato.
A ascensão política veio acompanhada do crescimento patrimonial. Além de viajar de jatinho às custas do doleiro, Vargas anda pelas ruas de Londrina em carros de luxo e mora em um dos endereços mais caros da cidade: o condomínio Alphaville Jacarandá, onde as casas custam a partir de R$ 2 milhões, segundo corretores locais.
Em 2006, quando foi eleito deputado pela primeira vez, o petista não possuía nem sequer casa própria, segundo a declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral. Em quatro anos seu patrimônio saltou de R$ 80 mil para R$ 572 mil. No ano passado, Vargas liberou uma emenda de R$ 700 mil para recapeamento das ruas dos bairros Jardim Itália e Jardim Santa Monica, onde possui um imóvel.
Asilo – A trajetória política de André Vargas começou quase acidentalmente. Na adolescência ele foi levado pela mãe, a dona de casa Ana Ilário Vargas, adepta do kardecismo, para trabalhar como voluntário no Albergue Noturno Casa dos Vovôs e das Vovós, um asilo que atende cerca de 70 idosos por dia desde 1953 na região central de Londrina e é mantido pela comunidade espírita local.
De voluntário, André passou a gerente administrativo contratado do asilo, posto cujo salário hoje é de R$ 891. “Ele era um rapaz muito prestativo, tinha muito cuidado com os idosos. Várias vezes vi o André entrar embaixo do chuveiro para dar banho nos velhinhos que chegavam aqui sujos e alcoolizados”, disse Maria Julia Dutra de Barros, vice-presidente do albergue e contemporânea de Vargas. “Ele foi eleito com discurso de defesa das entidades mas depois de um ano em Curitiba parou de atender nossos telefonemas”, completou.
Graças ao asilo, ele conheceu petistas ligados à Igreja Católica que também faziam trabalhos sociais e o levaram para as primeiras reuniões do partido. A filiação veio em 1990 e no ano seguinte Vargas já integrava o diretório municipal.
Em 1993, com a chegada do petista Luiz Eduardo Cheida à prefeitura de Londrina, passou a ser o diretor social da Companhia Municipal de Habitação e se aproximou dos movimentos por moradia. Nas eleições de 1996 foi candidato a vereador pela primeira vez e não se elegeu. Um ano depois passou a trabalhar no gabinete do deputado estadual Nedson Micheleti (PT). Em 1999 assumiu a presidência do PT de Londrina e foi eleito vereador em 2000, mesmo ano em que Micheleti ganhou a prefeitura.
“Ele teve a sorte de ser eleito com um prefeito do mesmo partido e graças a isso fez um mandato com muita visibilidade”, lembrou Osvaldo Lima, fundador do PT em Londrina e defensor de que o deputado seja investigado pelo partido.
Vargas não parou de subir. Abandonou o mandato de vereador no segundo ano, ganhou a presidência do PT do Paraná, foi eleito deputado estadual. Na Assembleia Legislativa presidiu a CPI dos Pedágios, cujo relatório final foi favorável às concessionárias e ganhou o apelido de “Bocão”. Vargas foi autor de um projeto que batiza um trecho da BR-227 como Rodovia Cecílio do Rego Almeida, controlador da concessão de uma rodovia paranaense, morto em 2008.
A trajetória de Vargas foi abruptamente interrompida 66 dias depois de chegar à vice-presidência da Câmara com as revelações de que ele viajou no jatinho pago por Youssef e ajudou o doleiro a fazer contatos no governo. Isolado pelo PT, foi obrigado a deixar a vice-presidência e sofre pressão para renunciar ao mandato. Procurado, ele não quis dar entrevista. “A única coisa que ele fez foi pegar carona num jatinho. Isso não é crime. André é alvo de uma disputa interna pela vice-presidência da Câmara”, defendeu o educador social Adriano Lozado, eleitor de Vargas desde 1996.
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