O prêmio dado a Fernando Henrique Cardoso tem um significado que vai além do objeto específico da homenagem
Editorial, Estadão
O Prêmio Professor Emérito 2018 – Ruy Mesquita, que confere ao homenageado o troféu Guerreiro da Educação, concedido pelo Estado e pelo Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), tem um aspecto que merece ser destacado. O homenageado, Fernando Henrique Cardoso, combina em sua personalidade e sua ação não só a educação em suas várias formas, como é da natureza do prêmio, mas também a militância política, que o levou aos mais altos cargos públicos e lhe permitiu exercer poderosa influência na história recente do Brasil.
Desde 1997, o prêmio é concedido anualmente a quem contribui com a educação brasileira e o País, criando e compartilhando conhecimento. Sociólogo, cientista político, professor universitário – graduou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) onde atuou como professor entre 1950 e 1980, recebendo o título de Docente Emérito –, o ex-presidente da República Fernando Henrique teve também intensa carreira internacional, numa de suas fases levado pelo exílio durante parte do regime militar, em universidades no Chile, na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Além de grande produção intelectual, com mais de 20 livros que exerceram poderosa influência no pensamento de sua especialidade e na política.
Disse, em seu discurso de agradecimento, ter ficado emocionado por ser “esse um prêmio de reconhecimento” a sua atividade como professor, fazendo questão de acentuar seus 70 anos nessa atividade: “Foram as circunstâncias da vida que me levaram a presidente da República, mas me sinto realizado como professor”. Ressaltou o gosto pelo debate de ideias no contato com a juventude: “Eu me sinto gratificado quando estou com gente jovem e consigo trocar experiências. Para ser professor é preciso despertar paixão no aluno pela curiosidade e pelo saber”. Ele fez questão de lembrar que a primeira ganhadora do prêmio foi Ruth Cardoso, em 1997, que se dedicava aos alunos, pelos quais tinha “um cuidado quase natural” e muita paciência.
Esse é um dos vários pontos de sua fala que merecem particular atenção numa fase da vida nacional em que as paixões políticas exacerbadas – e por isso conduzindo a posições extremas e intolerantes – nada têm a ver com a “paixão pela curiosidade e pelo saber”. É aquela a única paixão capaz de produzir conhecimento, que depende de debate livre e respeitoso de ideias e divergências.
A esse respeito, vale observar que Fernando Henrique diz ter ficado “tocado” também pelo fato de o prêmio levar o nome de Ruy Mesquita. “Fui colega de Ruy Mesquita (na Universidade), uma pessoa de muito valor. Tivemos nossas divergências, mas fomos companheiros”, disse.
Em discurso em homenagem a Fernando Henrique, o professor, jurista e ex-ministro do Exterior Celso Lafer, também ganhador do prêmio (em 2015), toca em outro ponto que merece atenção igualmente nos dias atuais. Após elogiar as contribuições de Fernando Henrique e Ruth Cardoso para a educação, assinalou que o homenageado continuou contribuindo para o País mesmo depois de deixar a Presidência da República ao fim de seus dois mandatos, quando voltou às atividades acadêmicas e à produção de análises sociológicas e políticas. “Fernando Henrique Cardoso se reinventou na pós-Presidência como observador engajado na cena nacional e internacional”, disse. Esse é o caminho certo, deve-se acrescentar, para ex-presidentes servirem ao País, desenvolvendo atividades voltadas para o bem comum, longe de negócios.
O prêmio dado a Fernando Henrique tem assim um significado que vai além do objeto específico da homenagem. Sua lembrança do valor da liberdade na discussão de ideias como condição para a produção do conhecimento é de valor inestimável nesse momento de paixões exacerbadas, extremismos e intolerância, em que os adversários são transformados em inimigos.
link editorial
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,as-licoes-de-um-premio,70002555115
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