Arquivos

Categorias

Arquivo da ditadura revela espionagem em órgãos públicos do Paraná

Por André Gonçalves, da Gazeta do Povo:

Documentos do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) comprovam a existência de oito órgãos de espionagem interna em instituições públicas civis do Paraná durante a ditadura militar (1964-1985). As Assessorias de Segurança e Informações (ASIs) funcionavam como braços avançados do SNI. Elas reportaram centenas de casos de “subversão” e ajudaram a alimentar a perseguição política no estado.

Há registros de quatro ASIs em instituições do governo do estado: nas universidades de Londrina (UEL) e Maringá (UEM), na Copel e na Telepar. No âmbito federal, havia estruturas na Superintendência da Rede Ferroviária Federal S/A em Curitiba, na Delegacia Regional do Ministério da Educação, na hidrelétrica de Itaipu e na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

“Era um serviço institucionalizado e que funcionava com desembaraço dentro das repartições. Era feito normalmente por militares pagos pelo SNI, que davam expediente e usufruíam da estrutura do órgão civil”, descreve a supervisora do Núcleo de Acervos do Regime Militar do Arquivo Nacional de Brasília, Vivien Ishaq. O papéis integram um conjunto de documentos do SNI entregues ao Arquivo Na­­cional em 2005.

Vivien coordenou a organização do material, que revelou a existência de 249 órgãos setoriais como as ASIs em todo país. Eles formavam uma complexa teia de espionagem, o Sistema Nacional de Informações e Contrainformações (Sisni). Com base nesse trabalho a Casa Civil (na época, dirigida pela hoje presidente Dilma Rousseff) expediu em 2007 um aviso circular para todos os órgãos detectados solicitando o envio de documentos para o Arquivo Nacional.

Sem resposta

Entre as instituições paranaenses, a UFPR informou que não tem mais qualquer material referente à sua ASI. As demais não deram uma resposta definitiva – duas delas nem existem mais, como a Telepar e a Rede Ferroviária.

Os documentos que comprovam as ASIs instaladas no Paraná constam do banco de dados do Sisni. O acesso do público em geral às informações do sistema foi regulamentado no último dia 5 de abril pelo Ministério da Justiça. Desde o dia 13, também estão disponíveis 50 mil documentos repassados pela Aeronáutica.

Na última quinta-feira, a Gazeta do Povo conseguiu cópias de 14 documentos que ilustram a atuação das ASIs paranaenses. Os nomes dos envolvidos nas investigações, contudo, foram ocultados pelas autoridades– eles só podem ser divulgados a pedido da pessoa citada ou com sua autorização expressa.

“É interessante pesquisar essas informações regionais para perceber que os principais afetados pelo regime foram pessoas comuns. Normalmente se dá muita atenção às grandes personalidades, à situação de políticos como a presidente Dilma Rousseff, e se esquece dessa gente”, diz Vivien.

Repressão

Um dos maiores pesquisadores sobre a ditadura militar no estado, o jornalista Milton Ivan Heller afirma que apesar de o estado ser considerado periférico politicamente na época, recebeu uma repressão especialmente dura. Segundo ele, as ASIs funcionavam como mais um foco de “acusações absurdas”. “Por mais que uma denúncia não fosse adiante porque era notoriamente inconsistente, só o fato de ter o nome em um informe que chegou ao SNI já prejudicava toda a vida do sujeito.”

Já o advogado trabalhista Edésio Passos, que passou dois anos preso pelo regime nos anos 1970, afirma não ter ficado surpreso com a proliferação das ASIs no estado. “Difícil mesmo é achar qual órgão público não era vigiado.”