Após seis anos, assassino do sem terra Sebastião da Maia será julgado no Paraná
Pela primeira vez na história do Paraná um pistoleiro irá a julgamento pelo assassinato de um trabalhador rural
O julgamento do assassinato do trabalhador rural sem terra Sebastião da Maia, acontece na Comarca de Loanda, nesta quinta-feira (21), às 13h. Depois de quase seis anos irá a julgamento o pistoleiro José Luis Carneiro, acusado do assassinato de Sebastião da Maia, morto no dia 21 de Novembro de 2000, no município de Querência do Norte, região noroeste do Paraná.
Esta é a terceira tentativa de realização do júri, que já foi suspenso duas vezes devido à renúncia dos advogados de defesa, e que poderá ser novamente adiado já que os advogados da comarca se recusam a defender o pistoleiro.
No primeiro júri, marcado para 27 de outubro de 2005, o advogado contratado pelo réu renunciou 15 dias antes e no segundo, na data de 10 de agosto de 2006, foi nomeado um defensor dativo que também renunciou na véspera do julgamento.
Já foram nomeados outros dois defensores para o réu, mas nenhum aceitou fazer a defesa, sendo que, segundo as informações da comarca de Loanda, não há mais advogados especializados em tribunal do júri, mas o dono da fazenda onde foi morto o agricultor pagará um advogado ao pistoleiro.
A Terra de Direitos, a CPT e o MST já protocolaram um ofício junto à Ouvidoria Agrária Nacional, solicitando que intercedam aos órgãos responsáveis, para que o júri não seja novamente adiado.
Os advogados de acusação, além de várias entidades e movimentos sociais estarão presentes no Tribunal do Júri, esperando que ocorra o julgamento histórico de um pistoleiro e o início do fim da impunidade dos crimes cometidos contra os trabalhadores rurais.
Um crime anunciado – O crime aconteceu numa emboscada, próxima à Fazenda Água da Prata, que
havia sido despejada pela polícia militar no dia 17.11.2000. Os trabalhadores transitavam por uma estrada rural quando foram atacados por pistoleiros que agiam na região. Durante a emboscada o lavrador Sebastião da Maia foi morto com vários tiros, sendo atingido na cabeça. Outro trabalhador ficou ferido.
No dia 07.05.99, Tiãozinho da Maia, como era conhecido, e sua família foram despejados da Fazenda Rio Novo, também no município de Querência do Norte, ocasião em que sua mulher Adelina Ventura foi torturada pela Polícia Militar, conforme depoimento prestado em audiência com o então Secretário Nacional de Direitos Humanos, José Gregori, em Curitiba.
Adelina relatou: “Nós tava dormindo neste horário, quando eles chegaram gritando muito alto: ‘Polícia, polícia. Sai todo mundo com as mãos para cima!… E cadê teu marido? Cadê teu marido? … Quem é a mulher do Tiãozinho, aqui? … O teu marido é um dos líder do movimento, nois qué ele”, e adiante questiona: “O meu marido não deve nada e tão à procura dele, ele não roubou, ele não matou, então por que, então por que não vão à procura de quem mata, né?”
A entrevista de Adelina, publicada na premiada reportagem da Revista Caros Amigos, nº 27, de junho de 1999, expressou o sentimento de horror vivido nas mãos da Polícia Militar do Paraná, a mando do então governador Jaime Lerner. O depoimento de Adelina chama a atenção para o fato de que seu marido Tiãozinho era um homem marcado pela polícia, que o procurava pelo nome. Dezoito meses depois deste despejo, Tiãozinho da Maia foi brutalmente assassinado.
O líder local do MST foi a 16ª vítima dos conflitos do campo que tomaram conta do Paraná durante o governo de Jaime Lerner e ocorreu logo após uma tentativa frustrada de negociação implementada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e pela Ordem dos Advogados do Brasil com o governo do
Estado, dada a gravidade da situação à época.
A impunidade é a mãe da violência – Os dados catalogados pela CPT demonstram que a certeza da impunidade é uma das razões do crescimento da violência no campo. Neste contexto, o poder judiciário tem se mostrado, quase sempre, um dos grandes aliados do latifúndio e do agronegócio. Ao mesmo tempo em que é lento para julgar os crimes contra os trabalhadores é extremamente ágil para atender as demandas dos proprietários expedindo liminares de reintegração de posse que, na maioria das vezes, acabam se tornando sentença definitiva sem sequer ouvir a parte acusada.
O assassinato de Sebastião da Maia não é um caso isolado. De 1985 a 2005 ocorreram no Brasil 1.063 conflitos com morte. Foram assassinadas 1.425 pessoas, entre trabalhadores, lideranças sindicais ou de movimentos e agentes de pastoral. Destes crimes contra os trabalhadores, somente 78 destes homicídios foram julgados. Foram condenados apenas 67 executores e 15 mandantes.
No mesmo período no Paraná foram assassinados 45 trabalhadores sendo que destes crimes nenhum culpado ou mandante foi punido. Os inquéritos no máximo, chegaram à punição de alguns pistoleiros. Por outro lado, no mesmo período foram presos 754 trabalhadores fato que comprova a parcialidade do judiciário, o qual tem colocado o valor da propriedade acima do valor da vida.
Esperamos que este julgamento seja exemplar no sentindo de punir o executor do crime que tirou a vida de um pai de família e que mesmo que tardiamente sirva de consolo para esposa e filhos. Mas reconhecemos e insistimos que a violência no campo só cessará quando a Justiça punir os mandantes destes crimes, os verdadeiros culpados. E que este julgamento seja apenas o início do fim da impunidade no campo, já que muitos outros trabalhadores continuam insepultos à espera da justiça na memória daqueles que ainda lutam por terra onde viver e trabalhar.
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Terra de Direitos
Deixe um comentário