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Antes não era golpe

Antes não era golpe

PT apoiou 50 pedidos de impeachment contra FHC, Itamar e Collor, mas só hoje quando está no poder encara o processo como um atentado à democracia

Marcelo Rocha, IstoÉ

Na terça-feira 29 de setembro de 1992, o então deputado Aloizio Mercadante (PT-SP) discursou no plenário da Câmara para defender o processo de impeachment contra o ex-presidente Fernando Collor – a aprovação do pedido ocorreria no dia seguinte. “Foram dezenas de passeatas e atos públicos que deixaram clara a determinação de lutar por um Brasil mais justo e mais ético. Voltar às costas para essa realidade é o mesmo que deixar que a história escape por entre os dedos”, afirmou Mercadante, atual ministro da Educação e um dos homens de confiança de Dilma Rousseff. Qualquer semelhança com os dias de hoje não é mera coincidência. O que mudou foram as conveniências e convicções do autor do discurso. Hoje, proclama-se o alarme de que está em curso no Congresso Nacional um golpe travestido de processo de impeachment. A estratégia da presidente, petistas e aliados é, para dizer o mínimo, incoerente.

O PT apoiou pelo menos 50 pedidos de abertura de processos de impeachment contra os ex-presidentes Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Em nenhum dos casos ousou pronunciar a palavra “golpe”, mesmo que muitas vezes a justificativa fosse esdrúxula, mas na lógica petista era válida pois um eventual afastamento presidencial beneficiaria a legenda. O então deputado Jaques Wagner, hoje chefe de gabinete especial de Dilma, protocolou, em junho de 1994, um pedido de impeachment contra Itamar.

Motivou a denúncia de uma negociação do presidente com Fernando Henrique Cardoso, na época candidato à Presidência e ex-ministro de Itamar, sobre um pacote de medidas a serem anunciadas. Wagner considerou uma falta de decoro “um presidente expor uma medida provisória à equipe de um dos candidatos a sua sucessão”. “É caso de impeachment”, bradou Wagner. Hoje, o petista ignora denúncias muito mais graves que pesam contra a presidente para sustentar a tese do “golpe”. Preso na Operação Lava Jato acusado de corrupção, o ex-ministro José Dirceu, então deputado federal, defendeu na tevê, em junho de 1992, o impeachment de Collor. Questionado no programa Roda Viva como alcançá-lo, Dirceu não pareceu se preocupar nem com bases jurídicas e, por incrível que parece, muito menos com os 2/3 de apoio no Congresso. “O impeachment não se faz na Câmara e Senado. Ele acontece na sociedade”. Ou seja, na lógica petista, quando se está na oposição bastam as ruas clamarem pela saída do chefe do Executivo que o impeachment está legitimado. Quando se está no governo, não bastam os crimes cometidos pela mandatária do País. Aí, é “golpe”.

Quando o impeachment interessava ao PT, a mídia também não era vista como “golpista”. Em 1992, apesar das divergências políticas, Lula teve uma reunião com o então presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho, para pedir o apoio da emissora na campanha do impeachment de Collor. No encontro registrado em foto, o sindicalista estava acompanhado de Mercadante, que publicou um artigo defendendo a importância do engajamento dos meios de comunicação de massa no afastamento de Collor.

Contra FHC, foram apresentados 14 pedidos de afastamento, dos quais 13 no seu segundo mandato. A maioria deles foi assinada por deputados federais, entre eles Dirceu e José Genoíno, condenados no processo do mensalão. O ex-chefe da Casa Civil nos primeiros anos do governo Lula pedia o impeachment de Fernando Henrique sob a acusação de impedir investigações do Ministério Público Federal sobre o antigo Proer, um programa de socorro a bancos. Não havia provas contra o ex-presidente tucano. Já Dilma é acusada de incorrer nas pedaladas fiscais, as manobras na contabilidade oficial que desrespeitam a Lei de Responsabilidade Fiscal e que caracterizam o crime de responsabilidade. Além disso, ela é acusada de cometer mais seis crimes, entre eles a obstrução de Justiça. Presidente da Câmara no impeachment de Collor, o deputado estadual Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) afirmou que há dois parâmetros para aferir se o que está em curso é uma tentativa de golpe. De acordo com ele, há um sentimento pleno de que o governo Dilma se esgotou. E o remédio que se usa para isso, o processo de impeachment, é na avaliação do ex-presidente da Câmara um instrumento constitucional, legal e com antecedente histórico no Brasil. “Classificar de golpe o que está em curso contra a presidente Dilma seria admitir que foi um golpe contra ex-presidente Collor. E não há quem possa achar isso”, disse.

Foto: IstoÉ