O ministro das Relações Exteriores, José Serra, não esconde que deseja disputar as eleições presidenciais em 2018, mas considera que este não é o momento para discutir os critérios que o PSDB deve adotar para a escolha de um nome. Para ele, o “grande desafio agora é ajudar o governo Temer na reconstrução nacional”.
Em entrevista à ISTOÉ, Serra diz que o partido deve deixar a discussão para meados de 2018. Senador licenciado, afirma que apoiou a renovação do mandato do senador Aécio Neves (MG) para o comando de seu partido, mas nega que quisesse “enfraquecer outra candidatura”.
Ele não cita o nome do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que se declarou prejudicado pela manutenção de Aécio. Diplomático, destacou que está com Alckmin desde as eleições de 1986. Como ministro, Serra vai na contramão dos que acham que a eleição de Donald Trump à Presidência dos EUA será catastrófica para o mundo e para o Brasil.
O senhor apoiou a prorrogação do mandato do senador Aécio Neves para que ele continuasse no comando do PSDB. O desfecho contrariou o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. O que pesou na sua decisão?
Não só apoiei como propus publicamente a prorrogação. Minha motivação foi manter a unidade do PSDB, evitando a antecipação de possíveis disputas internas que poderiam ocorrer em 2018. Mais ainda, essa unidade é fundamental para darmos força ao governo Temer, que precisa dar certo, pelo bem do Brasil.
Posso garantir que minha intenção não foi, nem é, enfraquecer nenhuma possível candidatura presidencial tucana. Diante das dificuldades econômicas, políticas e até institucionais que o Brasil atravessa, 2018 é longuíssimo prazo. Acredite. Com relação ao Alckmin, lembro que desde a eleição de 1986 até a de 2014 estivemos sempre juntos. Isso vai se repetir em 2018.
Qual será o fator determinante para a escolha do candidato à Presidência em 2018?
O diálogo com o sentimento da população é o principal desafio que temos como partido e como políticos que disputam eleições. O Fernando Henrique tem escrito bem sobre isso. Sem dúvida, quanto maior for a qualidade do nosso trabalho nas prefeituras onde vencemos, e nos governos estaduais que encabeçamos, melhor será esse diálogo. Quanto à escolha de candidato, me parece fora de lugar neste momento discutir critérios. O grande desafio é fazer o país andar. Estamos ainda no começo do começo da reconstrução nacional. Tudo o que precisamos é, em meados de 2018, chegar ao fim do começo. O que importa agora não é o debate sobre critérios de escolha de candidatos, mas sim trabalharmos unidos em função dessa meta. Propus a renovação do mandato de Aécio na presidência do PSDB para manter a unidade do partido
Os empresários e os brasileiros, em geral, têm pressa para que o Brasil comece a se recuperar economicamente. O senhor, que é economista, acha que o ritmo de ações imposto pela equipe econômica está adequado? Colabora, de alguma maneira, com a equipe econômica?
Todos têm pressa, inclusive a equipe econômica do governo. O ritmo de suas ações vai se tornando mais ajustado. Dois exemplos bem recentes: a política de juros e a renegociação da dívida do Rio de Janeiro, que servirá de modelo para os outros. Não costumo dar ideias ou sugestões sobre política econômica, exceto quando se trata de comércio exterior, dentro das atuais atribuições do Itamaraty. Em relação ao presidente Temer, só falo de economia quando ele trata do tema. Atuo, sim, no caso dos projetos de lei que apresentei no Senado, antes de integrar o governo. Por exemplo, o projeto, que virou lei, sobre a abertura do petróleo do pré-sal a investimentos privados.
Quando volta o crescimento econômico?
A economia está parando de piorar, e a tendência é que, entre as pontas (quarto trimestre de 2017 em comparação com o último trimestre de 2016) o PIB cresça cerca de 2%. Há um fator altamente positivo que é a previsão de uma super-safra agrícola. Mesmo na indústria há alguns sinais positivos: a demanda por bens de capital do setor agrícola tem aumentado, e a produção de automóveis se expandido de forma surpreendente. Temos outros fatores favoráveis à retomada, entre eles as melhores expectativas quanto à arrumação fiscal e a possibilidade de redução continuada dos juros, em razão do declínio da inflação esperada. Juros menores beneficiam a atividade produtiva e ajudam a combater o desequilíbrio fiscal. A economia está parando de piorar e a tendência é que o PIB cresça 2%. Há um fator positivo que é a previsão de uma super-safra agrícola
A eleição de Donald Trump como presidente dos EUA gerou uma onda de incerteza e temor no mundo. Como o senhor analisa essa situação do ponto de vista do Brasil?
Na verdade, bem antes da eleição de Trump, o mundo já vivia momentos de crescente apreensão. Apreensão econômica, que nunca nos deixou desde a crise de 2008. Apreensão com o terrorismo que se multiplica, com as tragédias do Iraque, Síria, Afeganistão e o alastramento dos atentados do Estado Islâmico. Sem falar dos dramáticos fluxos migratórios e de refugiados. Um elemento desse caldo de cultura é a tentação dos agentes políticos, de movimentos, partidos e lideranças a transferir para o exterior boa parte das culpas por esses problemas. “Blame shifting”, como se diz em inglês. O Brasil vai na contramão dessa tendência. Estamos voltados para nossos problemas, nossos erros, na busca de soluções dentro de casa. Não estamos culpando ninguém de fora. Ao contrário, vivemos um momento de autodepuração, de reformas, embora haja, também, uma grande dose de autoflagelação.
Mas com Trump nos Estados Unidos, não vai ficar tudo pior, inclusive para o Brasil?
Não estamos no radar polêmico-ideológico deles, incluindo a campanha de Trump. Nem eles no nosso. É óbvio que cada um tem seu interesse, há posições diferentes em muitas coisas. Isso é normal e saudável. Mas leve em conta que o volume de comércio do Brasil com os EUA é muitíssimo menor, em termos relativos, do que o do México ou do Chile, por exemplo. Como proporção do nosso PIB, o comércio Brasil-EUA equivale a menos de 3%; no caso do Chile essa proporção é superior a 8%, do México, mais de 43%. Além disso, não há fronteiras terrestres entre os dois países. E os EUA têm tido superávit e não déficit no comércio com o Brasil. Falando em linguagem não diplomática, não terão interesse econômico de criar ruído conosco, nem vice-versa. A ideia do governo Temer é propor uma agenda de negociações com os EUA em torno a possibilidades que se acumulam há muito tempo. Vamos praticar um ativismo diplomático pragmático. Escolher um grupo de questões entre dezenas que ficaram pendentes e propor negociações que possam avançar, se houver concessões recíprocas.
Quais grupos de questões, por exemplo?
Facilitar vistos, reciprocidade, ampliar a cooperação na indústria da Defesa e retomar a ideia de um programa binacional em relação à base de Alcântara, no Maranhão, que oferece condições privilegiadas para o lançamento de satélites. Nessa base, será possível economizar uns 30% do custo dos lançamentos, que hoje têm um papel comercial crescente no mundo. Há ainda progressos a serem feitos na área de bitributação, de energia, de facilitação e regulação do comércio, aliviando barreiras não tarifárias.
O presidente da Argentina, Mauricio Macri, vem ao Brasil conversar com o presidente Temer e devem falar sobre Mercosul. O senhor é um crítico do bloco. Acha que ele deveria ser extinto ou modificado?
O Mercosul já tem um quarto de século de existência. Foi organizado com a previsão de implantar o livre-comércio entre os países membros e, ao mesmo tempo, uma política comercial comum em relação ao resto do mundo. Ou seja, seria não apenas uma zona de livre comércio, mas também uma união alfandegária. Nas discussões que acompanharam sua criação, durante os governos Collor e Itamar Franco, eu defendi que começasse como zona de livre comércio e que somente depois de que ela fosse consolidada se partiria para a união alfandegária. Eu era deputado e líder do PSDB na Câmara. Mas o caminho foi outro e tornou-se irreversível. De todo modo, o bloco promoveu avanços importantes. O comércio entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai aumentou rapidamente. No decênio anterior ao Mercosul, de 1981 a 1991, as exportações brasileiras para Argentina, Uruguai e Paraguai aumentaram 30%. Nos decênios seguintes, já com o Mercosul, triplicaram (1991 a 2001) e depois quadruplicaram (2001 a 2011), tornando-se 12 vezes maior em apenas duas décadas. Nos últimos anos o comércio intra-Mercosul esmoreceu em razão da desaceleração ou queda do PIB no Brasil e na Argentina. O bloco não deve ser extinto, mas, ao contrário, dinamizado. É preciso eliminar barreiras que ainda limitam o livre comércio entre os quatro países e promover a homogeneização dos critérios sanitários e técnicos aplicados às importações. A visita de Macri será fundamental, pois ele presidirá o Mercosul durante o primeiro semestre deste ano. Em seguida, caberá ao Temer essa função.
O senhor vai defender que México e Chile integrem o Mercosul?
Já temos um acordo de livre comércio entre o Mercosul e o Chile, e estamos ampliando o acordo de preferências comerciais entre o Brasil e o México. Estive no México em julho passado, e uma das prioridades levadas a meus colegas mexicanos foi justamente a necessidade de avançarmos na negociação de liberalização do comércio entre nossos países, que são as duas maiores economias da América Latina.
O Paraguai tem apresentado incentivos fiscais a empresas brasileiras que estão saindo daqui para se instalar no país vizinho. Em três anos, houve a migração de 78 indústrias, com 11 mil empregos. O governo pode fazer algo para frear esta debandada?
Vamos com calma. O Paraguai tem atraído investimentos privados brasileiros graças principalmente aos seus baixos custos trabalhistas e de energia elétrica. O que precisamos fazer é diminuir nossos custos de produção. E não existe essa debandada. Menos de 0,5 por cento dos investimentos brasileiros no exterior estão no Paraguai. Além disso, é bom para o Brasil fazer investimentos fora. Isso pode incentivar nossas exportações, pois as filiais brasileiras tenderão a importar insumos do Brasil.
Deixe um comentário