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Ano termina com impunidade de torturadores sul-americanos

Ano termina com impunidade de torturadores sul-americanos     

sábado, 20 de dezembro de 2008 

Advogado Martín Almada propõe a “globalização da prestação de contas das ditaduras”.

ANA MARIA MEJIA ([email protected])

BRASÍLIA – O sistema Condor de repressão que vigorou nas ditaduras nos anos 1960, 1970, ultrapassou os anos 1980 e suspeita-se que ainda se mantenha, deve prestar contas ao mundo. A manifestação foi feita pelo advogado paraguaio Martín Almada em Brasília, numa ardorosa defesa da abertura de todos os documentos secretos das ditaduras militares sul-americanas. Segundo Almada, isso facilitaria às vítimas ou a seus parentes comprovar os crimes de tortura, a troca de prisioneiros e a sintonia entre as ditaduras para tirar de circulação quem ousava contestá-las.

“São relatórios que comprovam o envolvimento da própria diplomacia numa rede de suborno, delações e muita violência”, afirmou. A Ordem dos Advogados do Brasil ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma ação para que a Corte decida se a legislação brasileira de anistia beneficia ou não as pessoas – civis e militares – que praticaram crimes de tortura durante a ditadura militar. Só o Supremo irá dizer se crimes praticados há mais de 20 anos prescrevem ou não.

Irônico, o Prêmio Nobel Alternativo da Paz em 2002, defendeu a globalização da prestação de contas das asas do sistema Condor que uniu militares do Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina, Bolívia, Peru e Chile, sob a coordenação do então ditador paraguaio Alfredo Stroessner e com apoio decisivo dos Estados Unidos para perseguir, prender e torturar cidadãos desses países sobre os quais houvesse qualquer desconfiança de serem contrários aos regimes militares.

Estima-se que 100 mil pessoas foram vítimas dessa operação. Ele diz ainda que o ex-ditador boliviano Hugo Banzer era a segunda cabeça e de quem partiu a idéia de introduzir esse modelo na Europa. Não há mais como negar a existência da violenta ação repressiva que se intensificou nos anos 1970, coordenada entre governos, com a participação da iniciativa privada.

Almada se ofereceu para depor num tribunal ou perante um juiz e apresentar documentos para oficializar a existência dessa operação no Brasil. Entre eles, a lista detalhada de religiosos estrangeiros que viviam no Paraguai, com respectivas ordens e tempo de residência, relatos de prisão e deportação de “subversivos” brasileiros, bolivianos, uruguaios e argentinos.

Os papéis mostram rotas dos deslocamentos de líderes, militantes ou simpatizantes de partidos de esquerda, e atas das conferências bilaterais de Inteligência entre os exércitos do Paraguai e do Brasil, em cujo ventre foi concebida e formalizada a operação. Descrevem treinamentos para torturar sem matar, prisões simultâneas, troca de prisioneiros e o envolvimento de autoridades diplomáticas numa rede de suborno, delações e crimes contra pessoas.

O atual clima democrático abre espaço ao diálogo entre sociedade civil e Forças Armadas. Ambos teriam sabedoria para entender que também houve militares vítimas de atrocidades.

Anistia e punição 

Logo após recuperarem a democracia, os países aprovaram diferentes leis que pretendiam principalmente esconder e proteger os envolvidos em desaparecimentos, tortura, seqüestro – inclusive de crianças – e mortes. Ainda hoje não se sabe quantas famílias não puderam chorar seus entes queridos. Mãe de três filhos agora adultos, Elba Elisa Benítez de Goiburú, mulher do médico Agustín Goiburú do Movimiento Popular Colorado (Mopoco), que está desaparecido desde1977, lamenta a impunidade e injustiça.

Goiburú foi preso por não assinar atestado de óbito informando terem “causa natural” mortes provocadas por torturas. A ética lhe valeu o ingresso na lista dos subversivos, a prisão e o conseqüente desaparecimento depois de ter sido capturado na província de Entre Rios, Argentina.

A legislação brasileira – anistia para a paz – beneficiou os  torturadores, os que atuaram nos porões da ditadura e provocaram a dor, a amnésia e a degradação da nação brasileira. Atribui-se aos parlamentares parte da culpa pela atual resistência em se abrir os arquivos. Ao aprovar a Medida Provisória 228/2004, eles entregaram ao Poder Executivo o poder de definir o prazo no qual os arquivos poderiam, ou não ser divulgados.

Crime contra a Humanidade

Em 1991, o tempo estabelecido foi de 30 anos, podendo ser prorrogado por mais 30 anos “…informações que dizem respeito a integridade nacional”. O Comitê de Averiguação ligado ao gabinete civil da Presidência da República poderia estabelecer prazo “sine die” (indefinido) para abrir esses arquivos. Hoje, a saída é o próprio Congresso Nacional apresentar projeto de lei para rever essa mesma Lei.

Segundo o presidente da Câmara Nacional de Apelações no Tribunal Criminal de Buenos Aires, Eduardo Freiler, a Argentina prendeu todos os comandantes vivos que atuaram na sua ditadura (1976-1983). No entanto, isso não teria ocorrido se não houvesse um forte compromisso das organizações de direitos humanos na Argentina, entre as quais as célebres Mães da Praça de Maio.

Ouviu-se no auditório o mea-culpa. Para a procuradora da República em São Paulo, Eugênia Fávero, “a Argentina compreendeu e aceitou o conceito de crime contra a humanidade, o que ainda não ocorreu no Brasil”. Ela disse temer que juízes argentinos julguem criminosos brasileiros ou que o Brasil passe a receber criminosos argentinos. “É que aqui há refúgio para eles”.

Na Venezuela é diferente, explicou a promotora de Justiça do Ministério Público daquele país. Lá, a imprescritibilidade de crimes contra os direitos humanos está prevista na Constituição e as pessoas responsáveis por esses delitos não têm direito a anistia ou indulto. 

Almada descobre papéis guardados na periferia de Asunción 

BRASÍLIA – Sob acusação de terrorista intelectual em 1974, por aplicar o método de educação do brasileiro Paulo Freire, o paraguaio Martín Almada ficou três anos preso. Depois de castigado no "Sepulcro dos Vivos", como era chamado o Comissariado Terceiro, fez greve de fome de 30 dias e foi libertado em setembro de 1977. Exilou-se no Panamá, e nesse período assumiu o cargo de consultor para América Latina pela Unesco (1978/1992).

Em três de fevereiro de 1989 caiu no Paraguai a ditadura militar do general Alfredo Stroessner e a Constituição contemplou a figura jurídica do hábeas data, pela qual "toda pessoa tem direito a ter acesso a informação e aos dados sobre si mesma". Almada queria detalhes sobre a morte da esposa, a educadora Celestina Perez e também quais as acusações contra ele. Recorreu à Justiça pedindo que a Polícia fornecesse seus antecedentes e para sua surpresa, a Polícia então nega a existência deles.

Pediu a abertura do Arquivo da Polícia, fato noticiado pela mídia e pouco depois recebeu um telefonema de uma mulher que lhe informou candidamente: "Professor Almada, seus papéis não estão na Central de Polícia, mas sim nos arredores de Asunción". Desconfiado, o professor a convida para ir a seu escritório na sede da Fundação Celestina Perez. Uma hora depois ela apresenta um plano. Almada levou-o ao juiz José Agustín Fernandez, condutor do recurso de hábeas data que decidiu abrir o Comissariado de Lambaré, a 10 quilômetros do centro da capital paraguaia. Isso foi em 22 de dezembro de 1992. Havia toneladas de documentos.

Ele soubera do sistema Condor logo depois de ter sido seqüestrado pela Polícia Política de Stroessner e levado a um Tribunal Militar integrado pelos adidos militares de Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Uruguai, além de militares e políticos paraguaios.

Trinta dias depois de ter seu crime tipificado como terrorista intelectual foi transferido para o Comissariado Primeiro, sede da Interpol. “Soube então que estava no ventre do Condor, quando um comissário preso por não delatar o filho me recomendou – se eu saísse vivo – que lesse a Revista Policial do Paraguai; nela estava tudo sobre o Condor”. Era o período abril-maio de 1975. A Operação Condor foi criada em fins de novembro/dezembro daquele ano. (A.M.M.)

Da lista de 146 criminosos, 14 são brasileiros

Brasil abriga 14 dos 140 torturadores / GUSTAVO MORENO BRASÍLIA – Voz pausada, suave, o procurador da República Italiana Giancarlo Capaldo defendeu o livre acesso aos documentos que relatam essa história. Inicialmente, ele recebeu a missão de investigar o assassinato e o desaparecimento de 25 cidadãos italianos na ditadura argentina e viu as ações da repressão se estenderem por todo o continente latino-americano, com ramificações na Europa.

“O mundo precisa ter acesso aos documentos que estão sob minha custódia”, afirmou. “São declarações, testemunhos, dramas que envolveram centenas de pessoas, estratégias de torturas para se obter resultados, uma forma clara de se ver o que o homem pode fazer ao próprio homem, como instrumento de maldade”, desabafou.

Ao final da investigação, Capaldo pediu a prisão e julgamento para 146 pessoas acusadas de cometer crimes em todos os países da América Latina, dos quais 14 autoridades brasileiras. Há ordens de prisão e extradição contra 61 argentinos, 32 uruguaios, 22 chilenos, sete bolivianos, sete paraguaios e quatro peruanos.

Capaldo caracterizou o sistema Condor como “complexo, bem concebido, que utilizava todo o aparato militar dos países envolvidos e nos anos 1980 pretendeu estender sua atuação para países europeus”.

Em conjunto com o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, deputado Pompeo de Matos (PDT-RS) e do Comitê de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados da Itália, Fúrio Colombo, Capaldo concordou com os termos de um acordo de cooperação para a troca de informações sobre a Operação Condor, a exemplo da morte do ex-presidente João Goulart, ainda não esclarecida.

Na lista dos acusados estão o ex-presidente da Argentina Jorge Rafael Videla, o ex-almirante argentino Emilio Eduardo Massera e o ex-presidente uruguaio Juan María Bordaberry. O uruguaio Nestor Jorge Fernandez Troccoli, de 60 anos, foi preso na cidade de Salermo, no sul da Itália. Troccoli morava na cidade há anos. (A.M.M.)

SAIBA MAIS

 ● Em 1976 funcionava no Brasil o "Plano de Busca Externa", criado dez anos da Operação Condor e conduzido pelo Centro de Informações Externas do Ministério das Relações Exteriores. Na Itaipu Binacional, em Foz do Iguaçu (PR), funcionava um serviço secreto que vigiava e entregava aos seus países acusados de subversão.

Rodolfo Mongelós Leguizamon, perseguido duplamente pelas ditaduras brasileira e paraguaia, foi preso na década de 1970 em Foz do Iguaçu e levado para a Ilha das Flores (RJ). Perdeu tudo. Ele é um dos estrangeiros na lista dos que pediram indenização à União, no Brasil. Foi vítima da Operação Condor, juntamente com o jornalista Aluízio Palmar, o ex-senador paraguaio Aníbal Abate, o paraguaio César Cabral e Alejandro Stumps. Todos se exilaram no Paraná.

O coordenador da ONG Tortura Nunca Mais, o ex-preso político Narciso Pires, apresentou abaixo-assinado pedindo a punição dos torturadores. O documento foi enviado ao presidente Lula e aos presidentes do Supremo Tribunal Federal e da Câmara dos Deputados.

O procurador José Adércio Leite Sampaio defende a tese da inconstitucionalidade da Lei 11.111/05, que trata do acesso público aos arquivos ditatoriais. Segundo ele, essa lei estabelece obstáculos que, na prática, impedem o acesso aos registros. “Ela representa um cheque em branco passado ao Executivo, uma delegação absurda de atribuições que, pela Constituição vigente, seriam próprias do Congresso Nacional”.

João Vicente Goulart, filho do ex-presidente brasileiro João Belchior Marques Goulart, lembra que a confissão de um ex-agente da antiga ditadura uruguaia, hoje preso no Brasil, mostra que seu pai foi assassinado por meio de uma troca criminosa de medicamentos. Ele cobrou informações ao senador Romeu Tuma (PTB-SP), a quem pediu que “se desprenda do seu passado e explique o que de fato ocorreu naqueles anos”. 

Ao lado dos delegados Sérgio Paranhos Fleury e Alcides Saldanha (ambos falecidos), Tuma comandou Operação Bandeirantes (Oban), no Estado de São Paulo, com ramificações no Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Mato Grosso. Suas ações repressivas resultaram em com seqüestros, torturas e mortes de presos políticos.

ANO TERMINA COM IMPUNIDADE DE TORTURADORES SUL AMERICANOS

A Ana Maria Mejia, que por muitos anos morou em Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná, traz um importante relato do Sistema Condor, operação que consistia na troca de inimigos das ditaduras militares da América do Sul dentro da Itaipu Binacional. O material foi veiculado no final de semana pela Agência Amazônia:

O sistema Condor de repressão que vigorou nas ditaduras nos anos 1960, 1970, ultrapassou os anos 1980 e suspeita-se que ainda se mantenha, deve prestar contas ao mundo. A manifestação foi feita pelo advogado paraguaio Martín Almada em Brasília, numa ardorosa defesa da abertura de todos os documentos secretos das ditaduras militares sul-americanas. Segundo Almada, isso facilitaria às vítimas ou a seus parentes comprovar os crimes de tortura, a troca de prisioneiros e a sintonia entre as ditaduras para tirar de circulação quem ousava contestá-las.

“São relatórios que comprovam o envolvimento da própria diplomacia numa rede de suborno, delações e muita violência”, afirmou. A Ordem dos Advogados do Brasil ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma ação para que a Corte decida se a legislação brasileira de anistia beneficia ou não as pessoas – civis e militares – que praticaram crimes de tortura durante a ditadura militar. Só o Supremo irá dizer se crimes praticados há mais de 20 anos prescrevem ou não.

Irônico, o Prêmio Nobel Alternativo da Paz em 2002, defendeu a globalização da prestação de contas das asas do sistema Condor que uniu militares do Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina, Bolívia, Peru e Chile, sob a coordenação do então ditador paraguaio Alfredo Stroessner e com apoio decisivo dos Estados Unidos para perseguir, prender e torturar cidadãos desses países sobre os quais houvesse qualquer desconfiança de serem contrários aos regimes militares. Confira a íntegra do artigo clicando no

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