Um dos pais do Plano Real diz, no entanto, que a solução não se restringe a isso: é preciso aproveitar a oportunidade da Lava Jato para punir o vício e estimular a virtude
Daniel Haidar, Época
O economista André Lara Resende acompanha a Operação Lava Jato com entusiasmo, como uma depuração tardia e necessária dos vícios políticos e empresariais brasileiros. “Se forem todos punidos, nem os mais poderosos escaparem e pudermos virar a página, dar início a uma nova era, onde não haja complacência com a corrupção e a desonestidade, o país sairá fortalecido”, diz. Radicado em Nova York desde agosto como pesquisador na Universidade Columbia, ele afirma que o impeachment da presidente Dilma Rousseff, “desde que aprovado dentro das regras constitucionais”, poderia destravar a paralisia econômica. Autor do livro Devagar e simples – Economia, Estado e vida contemporânea, Lara Resende deu a seguinte entrevista a ÉPOCA.
ÉPOCA – Como o senhor acha que o processo de impeachment vai afetar nossa economia?
André Lara Resende – Dadas a paralisia e a disfuncionalidade a que chegou o governo, desde que aprovado dentro das regras constitucionais, o impeachment poderia destravar a economia e a política, mas seria um equívoco imaginar que os problemas estariam automaticamente resolvidos. A grande dúvida é que até o encerramento da (Operação) Lava Jato, sem saber quem mais será denunciado, a estabilidade política continuará complicada. Por razões estatísticas, dada a queda do PIB até hoje, mesmo que a partir de agora ele pare de cair e fique estabilizado, a queda no ano que vem sobre este ano será de 2% ou 2,5%.
ÉPOCA – O dado mais recente indica uma retração do PIB de 3,6% este ano, e o Brasil deverá enfrentar a mais longa recessão da história. Por que nossa economia se saiu tão mal? De quem é a culpa?
Lara Resende – O dado do PIB só confirma o que é evidente. A economia brasileira, já há alguns anos, vinha tendo um desempenho medíocre e, a partir do segundo semestre do ano passado, entrou em queda vertiginosa. Há, sem dúvida, um elemento externo, sobre o qual não temos controle: a reversão dos preços das commodities que exportamos, em decorrência da desaceleração do crescimento da China. Mas é claro que as causas do desastre em que se transformou a economia brasileira são essencialmente responsabilidade do governo. A política econômica do PT, a tentativa de impor uma “nova matriz industrial”, baseada num capitalismo de compadrio e de investimentos estatais incompetentes, combinada a uma política populista de distribuição de benesses, só seria sustentável enquanto durasse a bonança do crescimento chinês. Mas o desastre recessivo em que estamos hoje imersos, sem perspectivas à vista de ser revertido, tem raízes políticas claras: o projeto antidemocrático do PT de se perpetuar no poder, através da compra de apoio parlamentar, financiado pela corrupção institucional, de Estado, que se degenerou numa corrupção generalizada. Se for para apontar um culpado, só pode ser o PT. Mas a tentação de atribuir culpa é sempre perigosa, pois quem elegeu o PT? Por isso uma propaganda eleitoral criminosamente mentirosa, como a da campanha presidencial do PT no ano passado, é um gravíssimo atentado contra a democracia.
ÉPOCA – Que desafios internacionais o país vai enfrentar?
Lara Resende – Há sinais de que, nos próximos anos, os países mais desenvolvidos crescerão menos. Há várias razões para isso. As duas principais são a redução do crescimento demográfico e a menor necessidade de consumo nas sociedades mais ricas. O problema da crônica insuficiência de demanda das economias capitalistas avançadas parece estar de volta. A desaceleração do crescimento da China é diferente. O crescimento recente da China foi um crescimento forçado, acima de 13% ao ano, com uma taxa de investimento altíssima, mais de 40% da renda. Taxas de investimento e de crescimento dessa ordem não podem ser sustentadas por longo tempo. Durante os últimos anos, o Brasil foi beneficiado pela alta dos preços do produtos primários comprados pela China. Deveria ter aproveitado esse ganho no que os economistas chamam de “relações de troca” e investido em educação, tecnologia e infraestrutura. Não foi o que fizemos: irresponsavelmente, estimulamos o consumo. A partir de 2012, com a desaceleração do crescimento da China, houve uma reversão dos preços das commodities, e a conta da oportunidade perdida chegou.
ÉPOCA – Há quem diga que as intervenções do Banco Central no mercado de câmbio e juros não surtem mais efeito. O BC perdeu força no combate à inflação?
Lara Resende – A eficácia da política de juros do BC brasileiro tem sido surpreendentemente baixa. O Brasil tem os juros mais altos do mundo e, ainda assim, não consegue manter a inflação dentro da meta. A hipótese mais debatida é a do que se convencionou chamar de “dominância fiscal”. A hipótese foi levantada pela primeira vez por Olivier Blanchard, até recentemente o economista-chefe do FMI. Diz-se que, quando há “dominância fiscal”, por várias razões ligadas às expectativas em relação à evolução da dívida pública, a política monetária se torna incapaz de controlar a inflação. A alta dos juros pode até se tornar contraproducente e agravar o problema. Nesse caso, só a redução expressiva do deficit do setor público é eficaz para estabilizar a inflação e a economia.
ÉPOCA – Há esperança de que o ajuste fiscal da presidente Dilma ajude a melhorar a situação?
Lara Resende – Infelizmente, não me parece provável. O esforço do (ministro da Fazenda) Joaquim Levy não tem apoio no PT, nem mesmo no governo, que não parece acreditar de verdade na necessidade do ajuste. Apenas cede taticamente, fala em ajuste, para não ser tragado pela crise de confiança. A crise política e a falta de apoio no Congresso agravam o quadro. O ajuste fiscal precisa de perspectiva, de uma percepção de que será feito. Senão, vai derrotar a si mesmo. A questão é o impasse político.
ÉPOCA – O senhor defendeu recentemente um “perdão” a atos de corrupção para superar a crise no Brasil. Como funcionaria isso na prática?
Lara Resende – Em uma palestra recente eu sustentei que a punição dos culpados de corrupção é fundamental para reduzir a sensação de impunidade, que é profundamente corrosiva do capital social. Em nenhum momento defendi o perdão dos culpados. Disse, isso sim, que não basta punir os culpados, que é preciso mais do que isso. Uma vez punidos os culpados – todos, para não dar a impressão de que os mais poderosos sempre escapam –, seria preciso definir um recomeço. É preciso deixar para trás a tolerância generalizada com todo tipo de desonestidade e corrupção; uma tolerância que não decorre apenas da ineficiência e da morosidade da Justiça, mas também da atitude conformada e desesperançosa da sociedade. Não basta punir e aumentar as penas, é fundamental que haja a impressão de uma mudança de regime. Encerrado o triste espetáculo da corrupção institucionalizada no país, deve-se começar vida nova, com Justiça eficiente e intolerância da sociedade em relação a todo tipo de desonestidade. Tão importante como punir o vício é estimular e acreditar na virtude.
ÉPOCA – O senhor acredita que teremos uma depuração dos padrões de conduta após a Operação Lava Jato?
Lara Resende – Essa me parece ser a questão mais importante do momento. A revelação do vexaminoso estado de putrefação moral a que chegou a vida pública e empresarial brasileira levará a uma revisão ética e institucional, a partir da qual surgirá um país melhor? Ou acentuará um desencanto cínico, uma sensação de que a desonestidade é generalizada e jamais será vencida? A resposta dependerá muito do resultado final da Lava Jato. Se forem todos punidos, nem os mais poderosos escaparem e pudermos dar início a uma era onde não haja complacência com a corrupção, o país sairá fortalecido. Os últimos desdobramentos da Lava Jato, com a prisão, autorizada pelo Supremo, de um senador, é razão para otimismo num quadro tão desolador.
ÉPOCA – Como entender o surgimento de esquemas como o petrolão por nossa experiência econômica?
Lara Resende – Corrupção sempre houve, mas a escala da corrupção no Brasil de hoje é fruto do projeto de poder do PT. É fruto de sua impaciência, cínica e autoritária, em relação às negociações democráticas para a composição de uma base parlamentar em torno de suas propostas. O PT, como ficou claro com o mensalão, achou mais conveniente comprar apoio com os recursos da corrupção. Optou por um presidencialismo de cooptação corrupta. A partir daí, a coisa saiu de controle.
ÉPOCA – O Brasil pode voltar a ser atraente aos investidores estrangeiros?
Lara Resende – O Brasil, com a casa posta em ordem, será sempre um destino atraente para os investidores estrangeiros. É um país grande, ainda relativamente jovem, com enormes oportunidades. Basta que a casa esteja em ordem e que não se maltrate o investimento externo.
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