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Além da lenda

Plano de mídia por audiência média é algo dos anos 80

Mario D’Andrea

Há alguns dias, o presidente Jair Bolsonaro declarou que estava “surpreso e assustado” com as informações recebidas sobre o chamado BV (“bonificação por volume”), que supostamente influenciaria as agências em seus planos de mídia. Se essas informações fossem realidade, eu também ficaria. Mas não são. Por isso, nossa primeira atitude é abrir canal de diálogo com o novo governo.

Os verdadeiros profissionais da área precisam ser ouvidos. Há uma série de lendas em torno desse assunto que precisam ser elucidadas.

Primeiro: falar em share de investimento versus share de audiência média é ignorar o nível de sofisticação que envolve a elaboração de um plano de mídia. O planejamento de mídia por audiência média é coisa dos anos 80.

Hoje, a complexidade de um plano de mídia é comparável a um plano de voo de um Boeing. Não depende apenas do fator humano. Vários simuladores e ferramentas de mídia orientam a decisão, à procura da eficiência em cada real. Essas ferramentas e pesquisas de mídia são, hoje, a segunda maior linha de custos de qualquer agência (a maior é a folha salarial).

Segundo: nenhuma decisão é tomada apenas pelas agências. Explico: o modelo de autorregulação brasileiro estabelece que agências não podem comprar espaços publicitários e depois repassar o que têm para seus clientes. Cada plano de mídia é feito sob medida para cada produto –e nada pode ser comprado sem prévia autorização formal dos clientes. Clientes estes que têm grandes equipes de marketing com profissionais de mídia. Profissionais estes que aprovam ou rejeitam os planos. Acusar as agências de tal prática tendenciosa desrespeita milhares de profissionais de agências e também as equipes de marketing das grandes marcas que anunciam há décadas no país.

Terceiro: o chamado Plano de Incentivo é ferramenta legítima do liberalismo econômico, algo tão defendido hoje em dia em Brasília –diga-se de passagem, para alegria da grande maioria do mercado produtivo nacional.

É bom frisar que todos os grandes veículos de comunicação oferecem Planos de Incentivo. Além deles: vários setores da economia usam esse sistema como ferramenta de relacionamento empresarial. Uma empresa de bebidas dá descontos especiais para se posicionar melhor dentro de uma rede de supermercados –está usando plano de incentivo. Detalhe: o supermercado não é o comprador final –a este chamamos de consumidor (os diretores de uma rede de supermercados não bebem todas as cervejas que compram, certo?)

O sistema já foi alvo de estudos por juristas especializados e até pela Fundação Getulio Vargas –todos unânimes em afirmar que é uma ferramenta empresarial legítima.

Por isso, se tornou parte da lei 12.232, criada para dar mais transparência às licitações públicas. Uma lei que sacramentou práticas comerciais que o setor já tinha como corretas desde os anos 50. Esse modelo garante, inclusive, a saúde financeira dos veículos de comunicação.

Por exemplo: pelo sistema, são as agências que garantem a pontualidade dos pagamentos (muitas vezes antes mesmo de receberem dos seus clientes). No ano passado, o governo de um estado brasileiro teve problemas de pagamento e quem bancou a pontualidade para os veículos foram as agências locais. Várias delas inclusive não receberam até hoje.

As informações que o governo está recebendo sobre o assunto são superficiais e equivocadas. Somos um dos mercados mais invejados em todo mundo pela nossa criatividade, pela nossa resiliência perante as crises e pela quantidade de grandes marcas construídas em nosso país.

Geramos 130 mil empregos diretos e 520 mil indiretos. Produzimos riquezas como poucas atividades conseguem –cada real investido em propaganda gera R$ 10,74 na economia, segundo estudo de 2014. Seguindo esse estudo, apenas em 2014 a publicidade gerou impacto de R$ 358 bilhões no PIB nacional.
Uma atividade como essa é muito maior do que qualquer lenda.

Mario D’Andrea
Publicitário e presidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade)

link artigo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/01/alem-da-lenda.shtml