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Adeus, projeto criminoso de poder

Marco Antônio Villa

As sucessivas mobilizações de rua deram o golpe final em um projeto de poder que parecia invencível

Depois de longos 13 anos e cinco meses, o Brasil, finalmente, vai se livrar do projeto criminoso de poder. E, tudo indica, para sempre. Como os “sovietólogos,” que durante décadas estudaram a antiga União Soviética, aqui também os analistas do PT e da conjuntura nacional não conseguiram identificar o momento da crise final de uma forma de fazer política. Os arquivos são implacáveis: basta acessá-los para constatar que davam ao PT, a Lula e às suas alianças políticas uma longevidade que eliminava a História. Era como se o Brasil estivesse condenado, ad eternum, ao domínio petista e Lula fosse o deus ex machina nativo.

A repetição exaustiva dos supostos êxitos petistas, com o apoio da universidade, que fornecia o verniz científico, dava a aparência de que, mesmo com algumas dificuldades, o petismo no poder seria eterno. Tanto o DIP, do Estado Novo, ou a Agência Especial de Relações Públicas (Aerp), do regime militar, nunca alcançaram a eficiência da máquina de propaganda petista. Desta vez, o apoio dos acadêmicos, dos intelectuais, dos jornalistas, dos artistas não necessitou da violência do aparato repressivo. Não. Bastou, para alguns, o dinheiro; para outros, a sensação de que participavam do poder e, para os mais ingênuos, a reafirmação de antigas teses da juventude. O modo petista de governar foi louvado como uma contribuição brasileira para o mundo e Lula, incensado como a síntese das nossas melhores lideranças.

Os “petistólogos” ficaram tão impressionados com a propaganda, que acabaram dando uma sobrevida a uma forma moribunda de fazer política. Mas a história seguiu outro caminho. De um lado, a grave crise econômica, produto da famigerada nova matriz econômica, solapou a possibilidade de manter a base social do regime; as fontes tradicionais de recursos que drenaram para o grande capital bilhões de reais se esgotaram. E a classe média viu encolher seu poder de compra e os seus sonhos de consumo. Já a base da pirâmide sentiu os efeitos da inflação e do desemprego.

O autoconvencimento petista de que permaneceriam eternamente no poder e que controlavam o Judiciário — portanto, estariam salvaguardados frente aos atos de corrupção — fez com que ampliassem em escala nunca vista o saque do Estado brasileiro. O petrolão é apenas uma das faces do leninismo tropical, modo petista de governar, subornar e destruir os fundamentos do estado democrático de direito. A corrupção tomou o aparelho de Estado. Sem esquecer que socializaram seus beneficiários.

A ação da Justiça foi fundamental para desvelar o projeto criminoso de poder. Não bastou a Ação Penal 470, o processo do mensalão. As suaves condenações do núcleo político estimularam a corrupção. Não custa recordar que recursos do petrolão foram usados para pagar multas de sentenciados no mensalão, como no caso de José Dirceu. Decisivo foi o papel da 13ª Vara Federal do Paraná. A ação coordenada da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do juiz Sérgio Moro apresentou para o país o Brasil petista. As severas condenações determinadas pelo juiz Moro — e referendadas, quase todas elas, na segunda instância, em Porto Alegre — deram o combustível político para o enfraquecimento da legitimidade do bloco que estava no poder desde janeiro de 2003.

Mas não foram suficientes as crises econômica e ética. O governo de então contava com a passividade popular. Com a crítica vazia, estéril, com os rebeldes do sofá. A surpresa veio a 15 de março de 2015, quando as ruas do Brasil foram tomadas por milhões de manifestantes. Era o novo na política. A combinação da forte presença das redes sociais e de uma nova forma de organização de fazer política — longe dos partidos políticos. E as sucessivas mobilizações de rua, rompendo também com o passado — o velho comício, onde o povo não passa de participante passivo —, deram o golpe final em um projeto de poder que parecia invencível.

Apesar de todos estes fatores, analistas insistiam em dar sobrevida ao petismo. Superavaliaram a capacidade de organização do partido e de seus asseclas. Deram aos movimentos sociais, mantidos por verbas públicas, um poder que nunca tiveram. Iriam incendiar o país, inviabilizar as ações oposicionistas e despertar a base social do lulismo, os mais pobres. Nada disso aconteceu. As mobilizações foram pífias. Sem as benesses estatais, nada são. E as centrais sindicais que falaram até em greve geral?

O afastamento definitivo de Dilma Rousseff vai ocorrer em clima de absoluta tranquilidade. O país não aguenta mais o PT, sua forma de governar, de fazer política. Seus líderes viraram motivo de piadas. Lula, hoje, não passa de uma figura caricata. Sua maior preocupação é escapar da prisão. O PT apresenta claros sinais de divisão, que, tudo indica, deve ocorrer após as eleições de outubro. Isto se o partido não tiver cassado seu registro, pois violou inúmeras vezes a Lei 9096/95.

O julgamento de Dilma, de acordo com a Constituição, vai ocorrer sob a presidência do presidente do STF. É de conhecimento público que Ricardo Lewandowski não chegou à Suprema Corte pelos seus dotes jurídicos. Foi escolhido por razões paroquiais, de São Bernardo do Campo, onde começou sua carreira política. Se Rui Barbosa foi chamado de Águia de Haia, Lewandowski pode ser considerado o ministro da rota do frango com polenta — região de restaurantes daquela cidade onde se saboreia tal iguaria. E, suprema ironia da História, será ele que vai presidir o impeachment. Mais ainda, vai presidir o sepultamento político do seu amigo Luiz Inácio Lula da Silva.

Marco Antonio Villa é historiador