Entre 25 a 27 de janeiro de 2013, militantes e ativistas gays de todo o país se reuniram em Curitiba para o encontro anual da ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. A entidade fez 18 anos de fundação e representa mais de 200 organizações sediadas em todos os estados da federação. Durante o encontro, os membros elegeram a nova diretoria, que representará a entidade até 2016. Com chapa única, o novo presidente eleito foi o paraense Carlos Magno (ao centro), do grupo Cellos, de Belo Horizonte.
Como tradição, foram eleitas a primeira e segunda vice presidente entre lideranças dos grupos transexual e lésbico: Keila Simpson da ATRAS, da Bahia, e Guilhermina Cunha, da ONG ADEH, de Santa Catarina. Os demais cargos foram distribuídos de forma que não centralizassem a diretoria em nenhum estado ou região. Foram eleitas ainda as secretarias regionais e conselhos, somando mais de 40 cargos na entidade.
Um documento foi emitido durante o encontro. A Carta de Curitiba lembra os 18 anos da entidade, a conjuntura atual e destaques recentes, e reafirma o compromisso da entidade na luta diária contra a homofobia e seu caráter de movimento social organizado.
Leia abaixo, na íntegra, a Carta de Curitiba:
Carta de Curitiba – Assembleia Estatuinte e Eleitoral da ABGLT 25 a 27 de janeiro de 2013
De 25 a 27 de janeiro de 2013 realizamos na cidade de Curitiba a Assembleia Estatuinte e Eleitoral da ABGLT. Esta assembleia se realiza em um importante e paradoxal período na história da luta pela livre orientação sexual e identidade de gênero no Brasil.
Nossa Associação completa 18 anos de existência, coroando o esforço de milhares de militantes LGBT que desde a Assembléia de 1995 vêm se dedicando ao fortalecimento de uma entidade que congregue a maioria das organizações que lutam pelos direitos e pela cidadania LGBT no Brasil.
Sabemos da importância que as iniciativas dos primeiros grupos homossexuais constituídos no final dos anos 70 e começo dos 80 do século passado tiveram para que chegássemos a este momento, pois foram o exemplo de que somente a luta coletiva e organizada pode ter êxito contra a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.
Nestes 18 anos, nossa mobilização fez com que o Estado brasileiro passasse por importantes transformações do ponto de vista da institucionalização das políticas públicas de promoção dos direitos humanos da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT).
Nossos primeiros avanços ocorreram em diversos municípios e estados onde conquistamos legislações de combate à discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, bem como de reconhecimento de nossas datas comemorativas (29 de Janeiro, 17 de Maio, 28 de Junho, 29 de Agosto) e de ações afirmativas na educação e na saúde. Por outro lado, a partir de 2004 o Governo Federal começou a assumir alguns compromissos com nossas reivindicações, através do Programa Brasil Sem Homofobia, o Programa Nacional de Direitos Humanos III, a realização das duas Conferências Nacionais LGBT, a criação do Conselho Nacional e da Coordenação-Geral LGBT e o reconhecimento pelo STF da união estável.
Estes avanços provocaram em contrapartida um crescimento da organização dos setores conservadores e um recrudescimento das ações dos fundamentalistas religiosos, que têm conseguido uma maior capilaridade política e capacidade de pressão sobre os diferentes governos.
A campanha presidencial de 2010 foi um momento de profundo tensionamento do campo conservador sobre as candidaturas de maior expressão de votos, as quais recuaram e assumiram publicamente o descompromisso com propostas como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a legalização do aborto, e provocando ainda um congelamento de outras agendas fundamentais dos direitos humanos.
A violência motivada pela intolerância à diversidade sexual, à livre orientação sexual e identidade de gênero, que já atingia em grande número a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, mais recentemente tem vitimado inclusive pessoas heterossexuais, o que evidencia a situação alarmante a que chegamos. E também militantes do movimento LGBT passaram a ser alvos desta violência.
Para combater estes setores é fundamental repensar os instrumentos de controle e participação social. Neste sentido é necessária uma nova compreensão da centralidade, que têm espaços tais como as conferências, que precisam assumir o caráter de resgate da soberania popular, para que de fato seja respeitado o exercício da cidadania através da decisão do povo sobre sua agenda política e social.
Este avanço do fundamentalismo e retrocesso dos princípios e valores democráticos se evidencia quando vemos uma Lei dos Bons Costumes ser sancionada no estado do Rio de Janeiro, bem como na tentativa de aprovação do PDC 234/11 que visa revogar a resolução 001/99 do CFP.
A reação dos conservadores se manifesta também em âmbito internacional. A passeata em Paris contra a proposta de casamento igualitário mostrou o quanto essas ideias fascistas de negação de direitos ainda tem capacidade de interlocução com a sociedade. E personalidades do atraso como o Papa Bento XVI são catalisadores deste pensamento intolerante e excludente.
O destaque da imprensa internacional às declarações do Presidente Obama em sua posse, a favor da igualdade de direitos, mostra que a defesa destas posições em nada implica como risco de isolamento político. E em nossa América Latina podemos afirmar com certeza que o Brasil precisa aprender com nossos irmãos e irmãs da Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia no tocante às leis e políticas de inclusão da população LGBT.
É importante que no próximo período o movimento LGBT aprofunde a discussão e a formulação necessária ao enfrentamento da ameaça deste campo. Da mesma forma, organizar uma estratégia de contraponto, em diálogo com outros setores da sociedade onde o desrespeito a laicidade prejudica a agenda política, torna-se uma tarefa central ao próximo período.
Este debate, passa inclusive pela entrada massiva nas discussões e mobilizações a cerca das Reformas hoje urgentes à democracia brasileira, em especial a reforma política. Vimos nas últimas eleições a dificuldade que temos para eleger candidaturas que não estejam alinhadas com o grande capital e sim com um projeto de transformação das desigualdades sociais, para construção de uma sociedade mais justa, plural e igualitária.
Neste sentido, a defesa de temas como o financiamento público de campanha, o voto em lista – com respeito a diversidade sexual, as questões de gênero, as raça e geração – e a ampliação dos instrumentos de participação popular devem fazer parte de nossa agenda cotidiana.
O Brasil é um dos poucos países capitalistas que não promoveu uma reforma de redistribuição de suas terras. Enquanto a maior parte dos investimentos públicos e privados são direcionados à agroexportação mais de 80% dos alimentos que chegam à mesa do povo brasileiro vem da agricultura familiar. Para construir uma sociedade realmente justa e democrática, a ABGLT precisa somar-se as lutas por um novo modelo agrícola, que produza com respeito as trabalhadoras e trabalhadores do campo e ao meio ambiente, preocupado com as qualidades dos alimentos e com a garantia da soberania alimentar.
O monopólio dos meios de comunicação e a completa ausência de instrumentos de controle social sobre a mídia é outro obstáculo importante à conquista de uma efetiva democracia em nosso País. É fundamental que a ABGLT, em aliança com os movimentos pela democratização das comunicações defenda uma nova política para este setor, através de uma reforma da Mídia que ajude a superar o modelo de sociedade o qual devemos combater: capitalista, heteronormativo, machista e racista.
Considerando o momento conjuntural que vivemos, também se faz necessário que a ABGLT intensifique o caráter de mobilização de lutas, ampliando o dialogo com outros movimentos sociais e populares. Avançamos nesse sentido ao criar em nossa estrutura a Secretaria de Relações com os Movimentos Sociais. Essa articulação é fundamental para o fortalecimento da contra posição ao avanço dos pensamentos e setores conservadores na sociedade.
Para enfrentar estes desafios lançados se faz urgente e central repensarmos o processo de formação das nossas ativistas. Para isto a ABGLT dá um importante passo ao criar na sua estrutura organizativa uma Secretaria de Formação Política e Organização.
É necessário ampliar e qualificar as fileiras do movimento LGBT brasileiro, fortalecendo a sua pluralidade e compreendendo que a nossa diversidade de orientação sexual, de gênero, racial, geracional e de outras dimensões da nossa vida social, é o maior valor que precisa ser construído e promovido na nossa sociedade.
Demonstramos ter uma responsabilidade política proporcional à nossa importância e tamanho ao criar nossas Secretarias Específicas de Juventude, Pessoa Idosa, Mulheres, Travestis e Transexuais, Combate ao Racismo e Pessoas com Deficiência.
Além da formação, outra questão central que deve orientar nosso próximo período, é a ampliação do dialogo com outros movimentos sociais, que também estão prejudicados com o atual congelamento nas políticas de direitos humanos e no desrespeito a laicidade do Estado. Se os setores conservadores se unem contra nós, devemos nos unir para fazer o contraponto, para reverter esse cenário, só assim poderemos retomar o período de avanço que tínhamos antes de 2010.
Por fim, é preciso rediscutir nossa relação com o governo, na posição de movimento social, garantindo a nossa independência e autonomia frente a qualquer Governo. Cobramos, formulamos e fazemos o controle social, dentro do tamanho de nossa responsabilidade como maior Associação do movimento LGBT, respeitando, articulando e construindo junto com as outras entidades. Infelizmente no ultimo período, com a desarticulações dos GTs temáticos com o governo federal e como atual desrespeito que o conselho sofre, o governo tem se distanciado do movimento LGBT. É preciso pensar em uma agenda de maior incidência política, para assim ganhar força institucional.
A instalação do Conselho Nacional LGBT, concretizando o tripé da cidadania LGBT no âmbito federal, é uma conquista importante. Todavia, apesar de sua criação como um instrumento de garantia da participação na formulação e controle social das políticas públicas LGBT tem sido sistemático o desrespeito a este espaço como vimos nos casos de criação dos Comitês de Combate a Homofobia e no esvaziamento da campanha do selo “Faça o Brasil território livre da homofobia”.
A ABGLT reafirma sua convicção de que a democracia participativa e o controle social são essenciais à construção de uma verdadeira democracia em nosso país, mas iniciativas como a instalação destes Comitês pela falta de diálogo com os movimentos sociais, e com o próprio Conselho Nacional LGBT, bem como com as instâncias governamentais que coordenam a política LGBT nos estados e municípios, vão na contramão do que vem sendo proposto, pelo governo e movimento social.
Além de contrariar as deliberações das conferencias para a criação de políticas de estado de combate a homofobia e promoção da cidadania LGBT, os Comitês não passam de espaços organizados pelo governo para discussão da sociedade civil, com a própria sociedade civil. Carecem de envergadura política, estrutura, representação, podendo até contribuir para um processo de esvaziamento dos conselhos, espaços que reivindicamos há anos, que agora começam a ser implementados nos estados e municípios.
Os desafios são grandes, porém nossa força, capacidade e base política também. O próximo período será de luta, mas sem duvida os avanços virão a curto, médio e longo prazo.
Avante ABGLT, para seguir em frente!
Confira a nova diretoria da entidade:
UMA ABGLT DEMOCRÁTICA E DE LUTAS, POR UM BRASIL SEM HOMOFOBIA
Diretoria Executiva Nacional (11 titulares +3 suplentes)
• Presidente/a: Carlos Magno – Cellos (MG)
• 1ª Vice-Presidência: Keila Simpson – ATRAS (BA)
• 2ª Vice-Presidência: Guilhermina Cunha – ADEH (SC)
• Secretaria Geral: Victor De Wolf – GDN (RJ)
• Secretaria de Finanças: Alessandro Melchior – APV (SP)
• Secretaria de Comunicação: Terry Dourado – ACDH (GO)
• Secretaria de Relações Internacionais: Beto de Jesus – IEN (SP)
• Secretaria de Relações Institucionais: Fernanda Benvenutty – ASTRAPA (PB)
• Secretaria de Relações com os Movimentos Sociais: Vinicius Alves – Beco das Cores (BA)
• Secretaria de Formação Política e Organização: Christovam de Mendonça– GOLD (ES)
• Secretaria de Direitos Humanos: Heliana Hemeterio – Dignidade (PR)
• 1º Suplente: Phamela Godoy – Visibilidade (SP)
• 2º Suplente: Rafaelly Wiest – Dignidade (PR)
• 3º Suplente: Cristiano Ramos – UPV (PR)
Secretarias Nacionais (18 titulares + 18 suplentes):
(i) Secretarias Regionais: (05 titulares e 05 adjuntos)
• Regional Centro-Oeste: Evaldo Amorim – ELOS (DF) + Cícero A. da Silva – AGTLA (GO)
• Regional Nordeste: Wesley – Beco das Cores (BA) + Dediane – GRAB (CE)
• Regional Norte: Beto Paes – ALGBTUC (PA) + Gleyson – GHP (PA)
• Regional Sudeste: Julio Moreira – Grupo Arco Iris (RJ) + Debora Sabara – Gold (ES)
• Regional Sul: Juliana Souza – Dignidade (PR)+Alexandre Bogas – ADEH (SC)
(ii) Secretarias Específicas: (06 titulares e 06 adjuntos)
• Secretaria de Mulheres: Yone Lindgren – Movimento D’ellas (RJ) + Paula Ramos – Estruturação (DF)
• Secretaria de Juventude: Vinicius Coelho – Cellos (MG) + Esther Silveira – Arraial Free (RJ)
• Secretaria de Travestis e Transexuais: Andreia Canteli – Trans Grupo Marcela Prado (PR) + Vanili Borghi – Gold (ES)
• Secretaria de Combate ao Racismo: Marcelle Esteves – Instituto Arco-Iris (RJ) + Felipe Carvalho – Cidadania Gay (RJ)
• Secretaria de Pessoa com Deficiência: Anahi Gueades – ADEH (SC)+ Glau Ferreira – Mov. Gay de Ipatinga (MG)
• Secretaria de Idosos: Marcely Malta – Igualdade (RS) + Osmar – Libertos (MG)
(iii) Secretarias Temáticas: (07 titulares e 07 adjuntos)
• Secretaria de Cultura: Marcelo Gil – ABCD (SP) + Frank Rossatte – Mescla (MS)
• Secretaria de Educação: Toni Reis – Dignidade (PR) + Lula Ramires – Corsa (SP)
• Secretaria de Saúde: Sebastião Diniz Diverrsidade (RR)+ Alexandre Chulvis – Vanguarda da Esperança (SP)
• Secretaria de Esporte e Lazer: Clovis Arantes – Livremente (MT) + Fernando Rodrigues – Grupo Homossexual do Cabo (PE)
• Secretaria de Trabalho, Emprego e Assistência Social: Tatiane Araujo – ASTRA (SE)+ Aniki Lima – Cellos (MG)
• Secretaria de Justiça e Segurança Pública: Marcio Marins – Dom da Terra (PR) + Barbara Pastana – GHP (PA)
• Secretaria de Meio Ambiente – Marinesia Freita – OLGA (SP) + Pablo Brandão – Cores da Vida (RJ)
Conselho Consultivo – 05
1. Marcelo Nascimento
2. Claudio Nascimento
3. Luiz Mott
4. Julian Rodrigues
5. Soraya Menezes
Deixe um comentário