Edson Lau
Nas últimas décadas a tecnologia mudou radicalmente a forma como nos comunicamos, relacionamos e consumimos. No início do século XXI, os smartphones, telefones móveis que já tinham funcionalidades secundárias acopladas, foram alvos de uma revolução: o acesso à internet. Responder e-mails, receber mensagens e estar atualizado com notícias tornou-se mais rápido, comum e democrático.
Em menos de vinte anos, pudemos assistir como novas plataformas de interação foram se desenvolvendo com a intenção de facilitar a comunicação, nossas relações e consumo. Facebook, Tinder e iFood, entre outros, são revolucionários em seus conceitos, é possível ter tudo, trabalhar, manter contato com amigos, flertar e pedir quaisquer tipos de comida, com apenas com o toque de um dedo.
Já pensou que o Facebook, maior plataforma de reprodução de conteúdo do mundo não produz conteúdo? Ou que o iFood, provavelmente dos maiores vendedores de comida do Brasil, não possui um restaurante?
Na mesma esteira há o Uber, das maiores empresas de logística do mundo, que não possui carros ou bicicletas. Uma plataforma colaborativa, conectada à internet, geralmente utilizando um smartphone, na qual quem precisa se deslocar para algum lugar chama alguém que tem um carro para se locomover.
Em tese, todos os lados ganham: a pessoa que chamou o carro, pois anda pela cidade com um carro gastando menos; o motorista, que ganha dinheiro pela “carona” e a empresa Uber, que ao disponibilizar a plataforma fica com um percentual da viagem.
Esse novo tipo de interação é chamado de “economia colaborativa”, um cenário de compartilhamento de bens e serviços, através de plataformas online. Esse processo foi batizado por muitos autores de “uberização”. Notadamente esta transformação, tem várias vantagens: Promove a concorrência, é menos burocrática burocracia e mais flexível.
Entretanto, nessa relação existem reflexos que, por conta da pandemia causada pelo novo Coronavírus, foram superlativados nos últimos meses. Esse novo modelo de trabalho, remunera por produção, sem controle de horas trabalhadas ou qualidade de vida aos que dele sobrevivem.
Já na política, lembro-me de uma palestra do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, que explicou como as novas formas de comunicação afetaram a política e a democracia ao longo dos anos. Vale citar dois exemplos:
A eleição presidencial dos Estados Unidos em 1960 foi o palco dos primeiros debates televisionados. A forma como John Kennedy se portou, maquiado e bem arrumado, contrastou com a barba malfeita e a palidez de Richard Nixon. Kennedy venceu a eleição.
O outro exemplo é de 2008, os smartphones já eram realidade, a comunicação tradicional mais uma vez lançou mão das lições aprendidas a partir de 1960, entretanto a juventude estava conectada em rede e esse poder, antes negligenciado, fez a diferença. Novas expressões, como hashtags e trending topics entraram na campanha de Barack Obama, até então um desconhecido Senador de Illinois.
Pela primeira vez as mídias sociais foram seriamente utilizadas numa eleição e tornaram-se, a partir de então, fundamentais para quaisquer disputas eleitorais. Com o passar dos anos, a utilização das mídias sociais virou algo muito além de um espaço de divulgação oficial, ou de troca de estocadas entre candidatos e políticos.
A política antes discutida em corredores palacianos, nas sedes partidárias, encontros sindicais, de associações ou quaisquer outros encontros sociais, pôde através das diferentes plataformas das mídias sociais, ser discutida, compartilhada, comentada e feita, por um número infinitamente maior de pessoas.
Essa nova e volumosa hiperconectividade colaborativa na pregação e na ação política deu a todos, sem exceção, um megafone virtual para propagar suas ideias. As plataformas digitais, especialmente as mais populares como Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp, alavancaram assim a uberização da política.
Da mesma forma que acontece com a economia, a uberização da política traz bons e imediatos efeitos: aumenta e populariza o engajamento político, faz com que políticos tenham que ser mais ágeis na resolução de problemas e podem estimular a transparência de instituições e agentes políticos.
Entretanto, deve-se também atentar aos problemas que este fenômeno pode trazer: A programação algorítmica das plataformas faz com que os iguais se encontrem e amplifiquem seu discurso, ao mesmo tempo bolhas são criadas, dando a falsa impressão de maioria aos “embolhados”.
Na eleição norte-americana em 2016 observou-se também que a segmentação das mensagens às bolhas, acompanhadas da pulverização de notícias falsas, as tão faladas Fake News, comprovadamente distorceram o comportamento do eleitorado e, consequentemente, o resultado eleitoral.
O Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Dias Toffoli, relaciona a “uberização da política” à urgência com que a população exige respostas e quer fazer política diretamente. Certamente é uma advertência às instituições e, principalmente aos políticos.
FHC em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras (ABL), ainda em 2013 e antes de quaisquer autores falarem em “uberizações”, também exortou sobre as mudanças que as novas e conectadas formas de comunicação, relacionamento e consumo, já desencadeavam: “Não se trata só de “ensinar”, mas de “aprender” Não estamos diante de uma elite que sabe e de um povo que desconhece. O momento é de respeito à pluralidade das identidades culturais e de reconstrução das instituições para que elas captem e representem o sentimento e os novos interesses da população. Só assim poderemos manter acesa a chama da liberdade, do respeito à representação e da autoridade legítima e evitar que formas abertas ou disfarçadas de autoritarismo e violência ocupem a cena.”
Em suma, a arena política no Brasil está em ebulição, o sentimento de insatisfação parece ser generalizado. Para alguns, por conta da demora, ou até mesmo, a falta de respostas das instituições. Para outros, a cena parece ser dominada por quem grita mais alto.
O fato é que o cenário exige dos verdadeiros democratas atenção redobrada, para que as transformações tecnológicas deste nosso tempo, ao invés de alimentar radicais bolhas alienantes, sirvam para construir pontes de convergência, radicalizando assim a democracia, a liberdade e a transparência.
Edson Lau é diretor de Marketing Político e Eleitoral do Instituto Teotônio Vilela-Paraná e Presidente do PSDB de Curitiba.
Deixe um comentário