Editorial, Estadão
O que faz a União Nacional dos Estudantes (UNE)? Em seu site na internet, a UNE diz ter “um papel histórico em defesa da educação e dos estudantes!” – com exclamação. Os alunos das universidades federais, que enfrentam imensa crise, esperam mesmo que a UNE os defenda. No entanto, essa organização está cada vez menos interessada nos estudantes, pois seu papel, nos últimos anos, tem sido o de servir apenas como correia de transmissão do lulopetismo. Uma entidade que nasceu para contestar o poder se tornou seu fiel vassalo, para usufruir da coisa pública como se privada fosse – e o moderno prédio que a UNE está erguendo em área valorizada do Rio de Janeiro, conforme mostrou recente reportagem do Estado, talvez seja o símbolo definitivo do patrimonialismo que tanto marca a era petista no governo.
O prédio ocupará o lugar da antiga sede da UNE, na Praia do Flamengo, que foi metralhada e incendiada em 1.º de abril de 1964, dia seguinte ao do golpe militar. Em vez de servir como reparação histórica a uma agressão cometida pelo regime ditatorial, conforme diziam os dirigentes da UNE e do governo em 2010 – quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu que a União tinha de indenizar a entidade –, o que se verá naquele terreno é uma obra do mais puro oportunismo daqueles que se assenhorearam do Estado. No final de seu segundo mandato, Lula assinou a autorização para que a UNE recebesse nada menos que R$ 44,6 milhões a título de compensação pelos danos causados pela ditadura. Tal indenização não estava prevista na Lei de Anistia, que só menciona pagamentos a indivíduos, e não a entidades. Mas, como se sabe, a lei nunca foi um constrangimento para o lulopetismo. Em junho de 2010, Lula fez aprovar no Congresso uma norma que tratava especificamente do “reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro pela destruição da sede da União Nacional dos Estudantes”. Estava resolvido o problema.
Com dinheiro em caixa, a UNE lançou a pedra fundamental do empreendimento ainda em 2010, com a presença de Lula – saudado como “guerreiro do povo brasileiro” por uma audiência embevecida com seu mecenas.
Feita a partir de um projeto doado por Oscar Niemeyer, a obra demorou a deslanchar, mas agora está a todo vapor – e a UNE, afinal, não usará recursos próprios na construção. Como mostrou o Estado, a entidade preferiu se associar a diversas empresas privadas para bancar a obra e explorar o aluguel de salas comerciais. É um progresso e tanto para uma organização administrada pelo PC do B desde 1979 e habituada a denunciar a perversidade da exploração capitalista.
Um vídeo por ela divulgado para promover a obra mostra que a UNE disporá de luxuosas instalações, decerto muito melhores do que nos tempos em que corajosamente fazia oposição ao governo. Agora como sócia do Estado, a UNE vai dispor de equipamentos e de estrutura que contrastam com a situação de penúria enfrentada pelos estudantes das universidades bancadas com dinheiro do governo federal. Na Universidade Federal Fluminense, por exemplo, um dos prédios corre o risco de desabar. Na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, algumas turmas são obrigadas a ter aulas em uma escola estadual, por falta de salas. Há relatos de falta sistemática de equipamentos e de segurança.
A ostentação da UNE contrasta também com o momento difícil pelo qual passam estudantes que dependiam do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), crédito que passou a minguar desde que o governo mudou suas regras. Pois não há registro de protestos da UNE nem em relação à situação dos alunos das federais nem contra o corte abrupto do financiamento estudantil. A entidade ocupa seu tempo atualmente fazendo campanha a favor da reforma política defendida pelo PT. Nem se podia esperar outra atitude de uma entidade que abandonou há muito tempo a defesa dos estudantes, preferindo servir como mera – e agora lucrativa – claque do lulopetismo.
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