Brumadinho exige ir até as últimas consequências
Fabio Feldmann e Suely Araújo
Estamos preparados para desastres? Como avaliar, com um mínimo de serenidade, Brumadinho? Em um desastre nas usinas de Angra dos Reis, qual seria a nossa capacidade de resposta?
No caso de Brumadinho, a responsabilidade direta é de uma das maiores empresas de mineração do mundo, a Vale S.A., com participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em sua composição acionária e com o antecedente de envolvimento no rompimento da barragem em Mariana.
Não se trata de uma empresa de “fundo de quintal”, mas de uma importante empresa no mercado de capitais nacional e na Bolsa de Nova York, que em suas campanhas publicitárias sempre afirmou seus compromissos com a sustentabilidade.
É líquido e certo que estamos diante de um crime, com o efeito doloroso da perda de vida de centenas de pessoas. Desta vez, teremos que dar conta do acontecido até as últimas consequências. Ou seja, assegurar a apuração rígida das responsabilidades, englobando a esfera penal e encontrando soluções jurídico-institucionais para evitar procedimentos processuais que se aproveitem da lentidão do Judiciário.
A responsabilização pode atingir dirigentes e técnicos da empresa, prestadores de serviço e também alguns agentes públicos.
Devemos aprender com Mariana e caminhar para acordos judiciais que fixem de forma mais clara, desde logo, o valor indenizatório, disponibilizando os recursos necessários para fazer frente aos prejuízos impostos às vítimas. Se é complicado fazer isso em relação a danos ambientais que levam tempo para serem tecnicamente qualificados, a reparação social necessita de agilidade.
A criação da Fundação Renova é um bom exemplo, mas o modelo carece de aperfeiçoamentos em termos de permitir uma governança que envolva, desde o início, representação de todas as partes interessadas, incluindo os atingidos, e que garanta uma gestão absolutamente independente em relação às empresas mantenedoras.
Nesse quadro, é preciso questionar as propostas que vêm sendo veiculadas de flexibilização do licenciamento ambiental e de redução da participação pública nesse processo, sob o pretexto de celeridade. A análise de risco das barragens necessita ser bastante fortalecida e estar estreitamente vinculada ao licenciamento. Cumpre resolver, também, a coordenação entre o licenciamento e o controle da segurança de barragens a cargo da Agência Nacional de Mineração (ANM).
Brumadinho exige uma postura firme do governo federal e dos governos estaduais na direção de real fortalecimento das organizações governamentais responsáveis pelo licenciamento ambiental. E a fiscalização deve ser, de uma vez por todas, entendida como um requisito essencial e obrigatório à atuação estatal, sem submetê-la a qualquer discricionariedade, notadamente em termos de alocação dos recursos necessários para a sua efetivação.
O setor empresarial, por sua vez, deve incorporar a dimensão ambiental em seu modelo de negócio, entendendo que não se trata, simplesmente, de gerenciamento de externalidades, mas sim de uma visão de médio e longo prazo.
Mariana e Brumadinho representarão um ônus econômico para a Vale centenas de vezes maior do que o que teria sido gasto em alternativas tecnológicas à utilização de barragens de rejeito. Nenhuma campanha publicitária torna qualquer empresa mais sustentável, mas sim ações concretas, amplas e efetivas.
O Brasil não merece esse mar de lama.
Fabio Feldmann
Ex-deputado constituinte, deputado federal por três mandatos (1986-1998) e ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (1995-1998, governo Covas)
Suely Araújo
Ex-presidente do Ibama (2016-2019, governos Temer e Bolsonaro) e doutora em ciência política (UnB)
link artigo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/01/a-reacao-a-desastres-pela-inacao-humana.shtml
Deixe um comentário