Editorial, Estadão
Cada vez mais desprovido de apoio eleitoral, e ciente de que a opinião pública em geral lhe é crescentemente hostil, o PT tem investido o que resta de suas energias na transformação de todos os aspectos da vida nacional em luta política. Segundo essa estratégia de inspiração autoritária – que, malgrado sua evidente afronta à razão e à liberdade, conta com animado apoio de artistas e intelectuais –, tudo deve ser visto pela óptica da polarização.
Simples opiniões sobre temas cotidianos são desde logo enquadradas nas categorias que os petistas criaram para definir todos e cada um dos brasileiros desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff: ou o sujeito é um “progressista”, preocupado com a preservação dos “ganhos sociais” proporcionados pela gestão do PT, ou é “golpista”, que só pensa em prejudicar os pobres e acabar com a democracia.
Tudo hoje parece subordinado a essa lógica binária. Prevalece o ódio, com o qual só lucram aqueles que não conseguem mais angariar votos. Ou seja, se não é possível ganhar o debate político pela via democrática, que seja no grito.
Engajados nessa luta do “bem” contra o “mal”, muitos artistas e intelectuais têm usado sua visibilidade para denunciar o tal “golpe”, comparando o atual momento à ditadura militar. No exemplo mais recente desse embuste, o escritor Raduan Nassar explorou a ocasião da entrega de um prêmio por sua obra para atacar o governo de Michel Temer, que estava lhe entregando a láurea.
“Vivemos tempos sombrios, muito sombrios”, disse Raduan, elencando episódios que, em sua opinião, configuram “todo um governo repressor”. Todos os casos citados pelo escritor – a ação para desocupar escolas invadidas, a prisão do notório baderneiro Guilherme Boulos, a reação da polícia a manifestantes violentos – retratam apenas o cumprimento da lei. Para Raduan Nassar e seus colegas, no entanto, cumprir a lei é sinônimo de “ditadura”, pois se trata de enquadrar os militantes que, em sua opinião, estão do lado do “bem”. Não é à toa que o escritor disse que o atual governo é “de exceção”.
Como reação, Raduan Nassar, de 81 anos, teve de ouvir do ministro da Cultura, Roberto Freire, que “pessoas de nossa geração” sabem muito bem o que é um “golpe verdadeiro”. Em meio à hostilidade de uma plateia cheia de militantes petistas, Freire ainda lembrou que o escritor estava recebendo um prêmio – em dinheiro, inclusive – das mãos de um governo “que ele considera ilegítimo” e poderia perfeitamente recusá-lo, mas não o fez.
Ao deliberadamente fazerem da entrega de um prêmio literário ocasião para uma truculenta manifestação contra o governo, totalmente fora de lugar e hora, os petistas sem voto mais uma vez deixam claro que mesmo a mais singela das circunstâncias será politicamente explorada. Deixam claro, os personagens deste triste episódio, que seu código moral lhes permite aceitar a hospitalidade alheia para difamar o anfitrião, além de aceitar o dinheiro que dizem vir de fonte “ilegítima”.
Onde estavam esses artistas quando se tomou conhecimento da imensa máquina de corrupção montada pelos petistas? Que faziam esses ilustrados quando Lula da Silva escancarou as portas e os cofres do governo ao mais desbragado fisiologismo? A que cegueira estavam submetidas essas sumidades quando o mesmo Lula que festejam como pai dos pobres escolheu ser mãe dos ricos, tornando-se amigo do peito de empreiteiros? Por que esses pensadores não se manifestaram quando Dilma Rousseff fez milhões de brasileiros retornarem à condição de pobres?
A resposta é, na verdade, muito simples: estavam a usufruir da proximidade do poder e do dinheiro público que vertia da generosa máquina estatal petista. A arte que diziam fazer estatizou-se.
Agora, esses artistas e intelectuais, cuja capacidade de raciocinar foi turvada por décadas de submissão à doutrina do PT, agem como a vanguarda da mistificação segundo a qual quem não denuncia o “golpe” – seja em casa, no bar com os amigos, nas redes sociais, no teatro ou em cerimônias de qualquer natureza – golpista é.
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