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A lei de abuso de autoridade não merece vetos

 

Ricardo Barros

O Projeto de Lei 7.596, de 2017, que estabeleceu um novo marco legal para os crimes de abuso de autoridade, foi aprovado na Câmara dos Deputados e enviado à sanção presidencial na última semana. Desde então, representantes do governo e de associações de algumas categorias de servidores públicos têm se pronunciado na imprensa sobre a necessidade de se vetar alguns dispositivos do projeto.

Inicialmente, cumpre ressaltar que as normas recém-aprovadas pelo Legislativo, como todas as demais do ordenamento jurídico, devem ser lidas à luz da Constituição Federal, dos princípios gerais do Direito e das disposições gerais do projeto. Isso implica afirmar, por exemplo, que não caberá interpretação que viole os princípios constitucionais da independência funcional de magistrados e membros do Ministério Público, do juiz natural e da motivação das decisões judiciais. Como veremos em detalhes mais à frente, o projeto também reforça que não serão admitidas lesões à vida, à integridade física, à honra e à dignidade do preso, bem como milita no sentido de preservar os sagrados postulados da presunção de inocência, da justa individualização da pena, da ampla defesa e do devido processo legal.

Além disso, não podemos esquecer das regras gerais contidas no artigo 1.º do projeto. O primeiro filtro pelo qual qualquer possível situação de abuso de autoridade deverá passar é a comprovação de que o agente atuou com dolo específico de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal, como, por exemplo, nos atos praticados por vingança. Vale dizer que o agente só poderá ser condenado por qualquer crime previsto na nova lei se existir prova de que a autoridade praticou o ato imbuída deste propósito específico. Assim, não se pode afirmar que a proposição recém-aprovada inibirá a atuação de auditores, policiais, juízes e promotores, uma vez que apenas quem atua em flagrante desvio de finalidade será passível de punição. O projeto não pretende punir quem trabalha seguindo as balizas legais, mas sim aqueles que extrapolam a lei em detrimento da sociedade como um todo.

Nossa intenção não é e jamais seria frear o combate à corrupção e à criminalidade em geral. O que se pretende é que todos aqueles que exercem parte do poder que a sociedade delega ao Estado o façam com responsabilidade, em prol da própria sociedade. Não temos dúvidas de que agem em contrariedade ao interesse público os juízes que decretam prisões cautelares sem fundamentos que justifiquem a medida extrema; os promotores que dão início à ação penal sem qualquer indício de autoria ou contra quem se sabe inocente; os delegados que prendem para averiguação; ou o agente que vaza trecho de gravação sem relação com a prova que se pretende produzir apenas para denegrir a imagem do investigado.

O projeto, pelo contrário, vai no sentido de preservar os valores mais sagrados da sociedade de situações que exponham intimidade das pessoas ou que violem sua honra e imagem indevidamente. Não podemos tolerar operações policiais espetaculosas, com exposição vexatória da imagem do investigado e de seus familiares, investigações sem fim, prisões temporárias e provisórias por fatos ocorridos anos atrás. Essas e outras ocorrências de conhecimento público em nada colaboram para a almejada paz social.

A segunda premissa interpretativa é a proteção em relação ao chamado “crime de hermenêutica”. O projeto dispõe que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade. Trata-se de medida que vai ao encontro ao que diz nossa Carta Magna no tocante à independência funcional de juízes e membros do MP e à fundamentação de suas decisões. Estas categorias continuarão livres para avaliar os fatos que chegarem ao seu conhecimento, valorar as provas encontradas e interpretar as leis conforme sua experiência. Não haverá qualquer limitação da atividade jurisdicional ou investigativa, mas sim uma exigência de maior zelo na fundamentação das decisões, o que, sem dúvida, contribuirá para um ambiente de maior segurança jurídica.

Outro tema que merece destaque é que não há, nem poderia haver, modificação das competências para a promoção e o julgamento das ações penais previstas na Constituição. Assim, caberá a membros do MP a denúncia de seus pares e de juízes que eventualmente abusem de seus poderes, e a magistrados o julgamento dessas ações. Na prática, os próprios membros dessas categorias serão os responsáveis por investigar, denunciar, avaliar e julgar os fatos imputados aos demais integrantes, considerando sua experiência no exercício da mesma função. O projeto foi elaborado sob a presunção de que as autoridades públicas atuam com imparcialidade e impessoalidade, o que pretende resguardar os membros destas carreiras e todos os demais agentes públicos contra denúncias e condenações injustas.

Causa estranheza que uma pequena parte dos membros das carreiras do Judiciário e do Ministério Público se insurja contra a nova lei. Por qual razão deveriam temer as novas regras, se eles mesmos serão os seus principais intérpretes e aplicadores? Será que juízes e membros do MP não confiam na forma com que seus pares aplicarão a lei? Será que eles receiam ser vítimas do ativismo exagerado observado nos dias de hoje, em que cada um de seus pares aplica (ou até descumpre) as leis de acordo com suas opiniões pessoais?

Dito isto, passamos à análise dos principais dispositivos que, segundo a nota do Ministério da Justiça, poderão ser vetados pelo Presidente da República.

Art. 9.º Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de:
I – relaxar a prisão manifestamente ilegal; II – substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabível; III – deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifestamente cabível.

Segundo noticiado no jornal O Globo, o Ministério da Justiça defendeu que “o artigo em questão elimina a discricionariedade do magistrado na exegese normativa. A limitação ao exercício da função jurisdicional é acentuada em razão de o dispositivo não trazer balizas para o que se poderá considerar desconformidade com as hipóteses legais”.

Como já explicado acima, o objetivo da lei não é limitar a discricionariedade dos magistrados, uma vez que não haverá punição por divergência de entendimentos. Ademais, é relevante repetir que os mandamentos legais sempre devem ser interpretados de acordo com a Constituição e os princípios gerais do Direito.

As balizas legais que autorizam medidas extremas de cerceamento da liberdade de indivíduos estão expressas, principalmente, no Código de Processo Penal, no Código Penal e na Lei de Prisão Temporária (Lei 7.960, de 1989). Por limitar um dos bens jurídicos mais importantes dos indivíduos, a liberdade, tais normas devem ser utilizadas excepcionalmente em situações em que haja risco real e comprovado para a sociedade.

Nesse sentido, o projeto criminaliza a conduta de magistrado que, manifestamente, decreta prisão ou deixa de revogá-la em desconformidade com as hipóteses legais. A intenção da norma é evitar que prisões sejam determinadas de modo irresponsável sob o argumento genérico de garantia da ordem pública ou de risco de fuga do investigado ou de destruição de provas. Ninguém quer que criminosos perigosos ou que cometam crimes habituais permaneçam vivendo em sociedade, mas é necessário que tais situações estejam cabalmente demonstradas, sob pena de violação ilegal do direito de locomoção do indivíduo.

Nota-se, ainda, que a palavra “manifestamente” reforça o sentido da não punição por discordância interpretativa. O juiz que determinar prisão baseada em avaliação transparente de fatos ou provas não deve temer o tipo penal contido no artigo 9.º, ainda que sua decisão seja revertida em sede de recurso. Apenas os magistrados que decretam prisão sem embasamento probatório, com argumentos genéricos, serão passíveis da prática deste crime.

Por estas razões, somos contrários ao veto por entendermos que o dispositivo está em linha com os mandamentos constitucionais que vedam a privação da liberdade ou dos bens de qualquer indivíduo sem o devido processo legal e que exigem que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária, não havendo motivos para que haja receio de limitação da atividade jurisdicional.

Art. 16. Deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso quando de sua captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, como responsável por interrogatório em sede de procedimento investigatório de infração penal, deixa de identificar-se ao preso ou atribui a si mesmo falsa identidade, cargo ou função.

O Ministério da Justiça se posiciona pela rejeição do artigo 16 do projeto, que trata da necessidade de identificação, por parte da autoridade para o preso, no momento da captura ou durante a detenção. O parecer indica que a obrigatoriedade de identificação nominal do policial pode colocar em risco a segurança do agente e da sua família, e assinala que o registro do agente sempre estará disponível para a direção da instituição e então, em caso de ato ilícito, seria viabilizado para responsabilizar o agente.

Ocorre que a Constituição Federal prega justamente o contrário em seu artigo 5.º, LXIV, que garante ao preso o direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial. Esta regra foi inserida no texto constitucional justamente para reduzir os casos de abuso de autoridade vivenciados durante o período do regime militar, em que pessoas simplesmente desapareciam sem que se conseguisse notícia de seu paradeiro ou dos responsáveis pela sua prisão. Qualquer lei ou norma interna dos órgãos policiais em sentido oposto viola frontalmente a Carta Maior.

O que o projeto propõe é a tipificação da conduta de deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso com o dolo específico expresso no §1.º do artigo 1.º, e não a punição de agente que participa, por exemplo, de uma operação policial em área dominada pelo crime organizado sem nome no uniforme ou vestindo touca que cubra seu rosto. Por óbvio, esta conduta, por si só, não se adequa ao tipo penal descrito no artigo 16.

Além disso, já é praxe nas polícias ostensivas a utilização de uniformes com a identificação do agente, como nas polícias militares e na Polícia Rodoviária Federal, razões pelas quais nos opomos às justificativas apresentadas pelo Ministério da Justiça.

Art. 17. Submeter o preso, internado ou apreendido ao uso de algemas ou de qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento dos membros, quando manifestamente não houver resistência à prisão, internação ou apreensão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso, internado ou apreendido, da autoridade ou de terceiro:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aplicada em dobro se:
I – o internado tem menos de 18 (dezoito) anos de idade; II – a presa, internada ou apreendida estiver grávida no momento da prisão, internação ou apreensão, com gravidez demonstrada por evidência ou informação; III – o fato ocorrer em penitenciária.

Para o ministro da Justiça, Sergio Moro, “a necessidade, ou não, do uso de algemas depende da avaliação policial no momento da operação e leva em consideração, entre outros, questões ambientais, força física, existência de reforço policial, probabilidade de ataque. Ao ignorar as nuanças de cada caso, o dispositivo em questão coloca em risco não apenas a capacidade de levar a cabo o aprisionamento, a integridade física do policial e, o mais relevante, a segurança pública”.

Concordamos integralmente com os motivos apresentados pelo ministro, mas entendemos que o dispositivo faz as ressalvas necessárias para evitar que policiais sejam indevidamente punidos pelo uso de algemas. Novamente, exige-se que a não resistência à prisão, a ameaça de fuga ou o risco à integridade física do próprio preso, da autoridade ou de terceiro seja manifesto, ou seja, que não existam dúvidas de que a justificativa do policial para a imobilização com algemas seja falsa.

O tipo penal ora criado não se trata de inovação absoluta no Direito, uma vez que apenas traz para o âmbito legal o disposto na Súmula Vinculante 11 do STF, editada em 22 de agosto de 2008: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

Após a edição da Súmula Vinculante 11, os órgãos policiais editaram normas internas de orientação acerca do uso das algemas, inclusive em relação à justificação escrita, que já estão sendo seguidas há mais de dez anos e que não precisarão de atualização em razão da edição do artigo 17. Como tenho dito em entrevistas sobre o projeto, os bons agentes públicos, que seguem fielmente as leis, não terão problemas com a nova lei de abuso de autoridade.

Vale relembrar, ainda, que deve haver prova do dolo específico do agente, que deve ter praticado o fato para prejudicar o detido ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.

Informamos, por fim, que este é o único ponto em que houve acordo para veto durante a votação do projeto na Câmara dos Deputados.

Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena quem, na forma prevista no caput:
II – executa mandado de busca e apreensão em imóvel alheio ou suas dependências, mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma ostensiva e desproporcional, ou de qualquer modo extrapolando os limites da autorização judicial, para expor o investigado a situação de vexame.

Segundo a Assessoria Especial do Ministério da Justiça, o inciso II do §1.º tem conceitos ‘indeterminados e subjetivos’ e sua manutenção prejudicaria o próprio tipo penal.

Discordamos da opinião do ministério, na medida em que o tipo penal é um avanço na proteção da imagem, da honra e da dignidade do preso e do investigado. Temos de ter em vista que o preso só deve ser cerceado de seu direito de locomoção, sendo-lhe garantidos todos os demais. O que vemos atualmente são operações midiáticas cada vez mais frequentes que se prestam mais para penalizar de modo irreversível a honra dos investigados e promover a imagem dos investigadores do que para reunir elementos probatórios para condená-los. Tais ações, por serem desproporcionais ao fim que se pretende alcançar, poderão ser enquadradas no dispositivo questionado. As operações que forem planejadas e executadas de modo a se atingir o objetivo único de colher provas ou prender um suspeito, observando os direitos constitucionais e os limites legais, claramente não serão objeto de censura. Por estas razões, somo contrários ao veto a este dispositivo.

Art. 26. Induzir ou instigar pessoa a praticar infração penal com o fim de capturá-la em flagrante delito, fora das hipóteses previstas em lei:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (anos) anos, e multa.
§ 1º Se a vítima é capturada em flagrante delito, a pena é de detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º Não configuram crime as situações de flagrante esperado, retardado, prorrogado ou diferido.

De acordo com o Ministério da Justiça, “a criminalização da conduta pode afetar negativamente a atividade investigativa, em razão de a autoridade investigativa atuar, muitas vezes, em uma zona cinzenta na distinção entre flagrante preparado e flagrante esperado”.

Entende-se por flagrante preparado a indução ou instigação para que alguém pratique o crime com o objetivo de efetuar a prisão. Esta modalidade de flagrante não é admitida pela doutrina e pela jurisprudência, uma vez que a própria provocação da situação de flagrante torna o crime impossível de ser cometido. O STF, inclusive, editou a Súmula 145, a qual estabelece que “não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

Bem diferente é o flagrante esperado, hipótese perfeitamente válida de prisão em flagrante. Neste caso, por exemplo, policiais descobrem que um crime será praticado e, com base nessa informação, vão ao local e esperam a prática do crime para dar voz de prisão. Não há qualquer estímulo ou induzimento à conduta do criminoso.

Parece-nos claro que o dispositivo atacado quer punir apenas o agente público que pratica o flagrante preparado, havendo inclusive ressalva expressa em relação ao flagrante esperado. Logo, não vemos justificativa plausível para o veto ao artigo 26.

Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa

Segundo o Ministério da Justiça, esta regra é desnecessária, uma vez que este tipo penal é abarcado, em grande parte, pelo crime de denunciação caluniosa já existente no artigo 339 do Código Penal. A assessoria do ministério argumenta que o sistema processual hoje já tem seus próprios filtros para corrigir distorções desta natureza. Realmente, o artigo 339 do Código Penal pune de modo até mais grave a conduta de dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa contra quem se sabe inocente, já que fixa pena de reclusão de dois a oito anos e multa.

No entanto, a inovação do projeto reside justamente na criminalização da promoção de ação penal sem justa causa, ainda que o membro do MP ou a vítima realmente acreditem que o acusado pode ser o autor do crime, observado o dolo específico previsto no artigo 1.º. A justa causa para a propositura de ação penal consiste, sob o ponto de vista formal, na existência de elementos típicos (tipicidade objetiva e tipicidade subjetiva) e, sob o ponto de vista material, na presença de elementos indiciários (autoria e materialidade), e, por isso, jamais pode ser dispensada na denúncia. Desse modo, o projeto visa evitar as denúncias que não contêm qualquer indício de autoria e materialidade, apresentadas com a finalidade de prejudicar o réu ou por mero capricho ou satisfação pessoal. Por esses motivos, somos contrários ao veto ao artigo 30.

Art. 34. Deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, tendo competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento:
Pena – detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, e multa

O ministério considera exagerado o artigo 34, que estabelece detenção de até seis meses para autoridade judicial que “deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, tendo competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento”. Para o ministro Moro, a “hipótese cria uma responsabilidade extremamente ampla ao agente público que é impossível de ser cumprida na prática. O conceito de erro relevante, extremamente amplo, pode abarcar situações diversas, a depender do referencial”.

Nosso ponto de vista é divergente, uma vez que é dever de todo agente público corrigir imediatamente os erros que chegarem ao seu conhecimento, desde que seja competente para fazê-lo. Entendemos que a expressão “erro relevante” termina por garantir que o direito penal não se aplique a hipóteses em que o risco ou a lesão ao bem jurídico tutelado seja ínfima. Se retirássemos a palavra “relevante”, o tipo penal teria um alcance bem maior do que o esperado.

Como já exposto por diversas vezes, os novos crimes de abuso de autoridade devem ser analisados à luz da Constituição, dos princípios gerais do Direito e das disposições gerais do projeto. Ao fazermos a leitura do tipo penal em conjunto com o artigo 1.º, concluímos que o crime só será configurado quando o agente deixar de corrigir, tendo competência para fazê-lo, erro relevante de que tenha tomado conhecimento em processo ou procedimento, com a finalidade específica de prejudicar a outra parte do processo, beneficiar a si mesmo, ou por mero capricho ou satisfação pessoal. Além disso, não haverá punição se o servidor entender, fundamentadamente, que não há qualquer erro na situação levantada pela parte contrária, uma vez que o §2.º garante que a divergência de interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade. Pelo exposto, também somos contrários ao veto ao artigo 34.

Ricardo Barros é deputado federal (PP-PR) e foi relator do projeto de lei de abuso de autoridade na Câmara dos Deputados.