A íntegra da entrevista de Tarso Genro à Carta Maior:
Tarso Genro, segundo a Gazeta Mercantil, foi “a influência determinante na decisão do presidente Lula de afastar Berzoini do comando da campanha”. Na rádio Gaúcha, ele pediu a expulsão de todos os envolvidos no episódio da compra do dossiê. Carta Maior foi ouvi-lo em Brasília, conferir se é isso mesmo o que ele pensa. O ministro da Articulação Política do governo recebeu-me na sexta-feira, no terceiro andar do Palácio do Planalto, por coincidência, na mesma sala onde várias vezes eu redigi minha Carta Crítica ao presidente. Foi uma entrevista curta e direta, prensada entre encontros importantes da cúpula do governo.
CARTA MAIOR: Ministro, por que tentar comprar informações para mostrar que a chamada “operação sanguessuga” começou na época de Serra, se os dados de que 70% das ambulâncias foram liberadas por ele estavam disponíveis nos balanços oficiais da administração?
Tarso Genro: Isso só pode ser fruto de uma política deformada da parte de um partido que não compreendeu não só o período histórico em que vive como também a natureza de um partido democrático e socialista. Trata-se, na verdade, de uma zona cinzenta da moralidade política que se origina de uma visão distorcida de como se faz o combate democrático com base socialista, numa sociedade democrática. Essa cultura deformada é que leva pessoas a adotarem esses métodos. As pessoas têm que ser punidas exemplarmente, é obvio, mas sobretudo essa cultura política é que tem que ser derrotada dentro de nosso partido.
CM: Como? Como derrotar essa cultura política se ela parece se manter depois de tantos episódios negativos? O ultimo episódio não é pá de cal da tese da refundação do PT? Ou é agora que ela pode começar para valer?
TG: É difícil responder como. Mas eu diria que o acaba de acontecer é mais um elemento demonstrativo de que a refundação é radicalmente necessária. Do que trata essa refundação? Se trata de mudar a cultura política do partido no sentido de que o partido não seja um grupo de tendências que disputam burocraticamente a sua hegemonia; trata- se, no contexto dessa nova cultura política, de reorganizar o programa democrático e socialista no sentido de que ele seja mais contemporâneo, trata-se de compreender de uma maneira mais transparente e mais aberta o significado de uma nova política de alianças, contra a globalização tutelada pelo capital financeiro e na defesa de um projeto nacional, a trata-se, sobretudo, de criar relações de solidariedade e de respeito mútuo interno e de combate ao aparelhismo que perseguiu tanto os partidos bolcheviques como os partidos socais-democráticos ao longo da sua história.
CM: Mas a vitória de Lula , que parece certa, não prejudica essa perspectiva, na medida em que uma vitória sempre alivia as tensões e abre espaço para todo mundo, adia os problemas?
TG: Penso o contrário. Penso que a vitória de Lula e a forma como Lula compuser a coalizão política com que vai governar, o tipo de personalidades que vai colocar no governo e o tipo de relação institucional que vai estabelecer como partido é o que pode dar força a esse movimento de refundação.
CM: Não pode se dar o contrário, de Lula sentir a propensão de criar um novo partido, como já houve sugestões na imprensa?
TG: Penso que seria equivocado se Lula pensasse assim. Não creio que ele pense nisso. A minha opinião sobre esse caminho é negativa.
CM: A solução para o PT está dentro do PT?
TG: Sim, a solução para o PT está dentro do PT, está numa nova relação com a sociedade, uma nova relação do PT com as instituições, uma nova relação do PT com o próprio presidente. O que ocorreu durante o primeiro governo, pelo menos em alguns períodos, foi uma confusão entre relações de indivíduos em cargos de direção partidária com cargos na vida pública, e confusão entre a esfera política do estado e a esfera política do partido. O partido não se comportou nesse processo como ente independente que se relacionasse de maneira institucional com o presidente, produzindo idéias e programas. Ao contrário, houve uma diluição dessa responsabilidade o que prejudicou a vida interna do partido de uma parte, e de outra parte empobreceu o governo. Como conseqüência, os méritos do governo são muito maiores como méritos do presidente Lula do que méritos do aparato partidário que lhe deu sustentação.
CM: Nos últimos dias houve uma radicalização ainda maior na campanha . O voto em Lula cresce entre os pobres, o voto em Alckmin cresce entre as elites. Essas mesmas elites retomaram a proposta de impedimento do presidente, mesmo depois da eleição. É um golpe ?
TG: É uma tentativa de golpe político, Irresponsável e oportunista.
CM: E como você distingue este momento de seis meses trás, quando também propunham o impedimento. O que mudou?
TG: O que muda neste momento é que a direita reconheceu sua derrota e está criando as condições para golpear ou a diplomação, pela via judiciária, ou gerar um grau de instabilidade tal no segundo governo que impossibilite a governabilidade. É uma aventura da elite brasileira, que não permite que os sem terra, os sem- Daslu, que os debaixo, os sem-teto, os pobres deste país, tenham algum tipo de proeminência. Como obtiveram parcialmente no governo Lula.
CM: Quais as probabilidades do golpe ter sucesso, e como ele pode ser impedido?
TG: O confronto vai se dar muito mais na esfera da ação política do que no campo da teoria. Os movimentos daqui para a frente serão de jogo de xadrez e, ao mesmo tempo, movimentos de exércitos políticos que se defrontam com distintas concepções. Nós temos do nosso lado a ampla maioria da população trabalhadora do país, os setores médios empobrecidos, os pobres, os trabalhadores de baixa renda e assim por diante. Do ponto de vista de sucesso político, se nós agirmos bem, mobilizarmos a sociedade dentro das instituições, procurarmos reforçar as instituições, impedindo que elas se dissolvam como eles pretendem pela ação política, essa tentativa de golpe não passará de uma aventura. Mas isso ainda é uma disputa.
CM: Como você vê nesse quadro, as declarações do Ministro Marco Aurélio de Mello, presidente do Tribunal Superior Eleitora, de que o caso “é mais grave do que o caso Watergate” , que levou à queda de Nixon, e a do presidente da OAB, Roberto Busato, comparando aspectos do quadro atual com a subida de Hitler do poder e ameaçando retomar a bandeira do impeachment depois das eleições? É uma articulação de golpe? Ou uma exacerbação do discurso político?
TG: Institucionalmente na posição que ocupo, preciso limitar minhas palavras; não posso emitir um juízo completo. Portanto vou fazer uma análise mais teórica da situação. Não é adequado que num processo democrático, o presidente de um poder judiciário que vai ter a responsabilidade de julgar, adiante sua opinião sobre uma provável questão jurídica que ainda está sendo processada politicamente. Isso pode desconstituir a relação de equilíbrio entre os poderes e pode fazer com que uma grande parte da população pense que um desses poderes está se partidarizando, um confronto político muito difícil como este que estamos atravessando. A posição da OAB é bastante clara. As posições do doutor Busato são de oposição extrema ao governo. Apesar de todo o diálogo que nós conduzimos, ele retoma e proposta do impeachment o que é nesse momento o somatório de todas as tentativas de desestabilização do processo eleitoral. É extremamente negativo que isso seja feito neste momento mormente vindo de um presidente Busato que sempre teve preocupação pela lisura do processo democrático..
CM: Sobre um segundo mandato de Lula; o novo mandato de Lula será mais do mesmo? Temos cada mais e mais evidências de que não usamos nosso potencial de crescimento econômico, de que o crescimento econômico ficou muito aquém do que as condições mundiais permitiam e do que seria necessário para absorver os novos contingentes de jovens que procuram trabalho.
TG: Se for mais do mesmo será um governo fracassado.
CM: O que você pensa do primeiro governo Lula?
TG: Penso que o primeiro governo Lula teve um sucesso extraordinário ao criar as bases de um crescimento sustentado e colocou na ação política e na esfera da política, grandes setores desclassificados, empobrecidos, as classes trabalhadores inorgânicas do país, na vida cidadã, inclusive na vida política o que é um elemento de revolução democrática. Mas eu creio que num segundo governo Lula não podemos ter crescimento econômico inferior a 5% ao ano, não pode deixar de aprofundar a idéia de um projeto nacional não pode deixar de acelerar o processo de distribuição de renda, e não pode deixar de estimular o controle social do Estado de fora para a dentro, para que o Estado possa ser efetivamente democratizado.
CM: Com fica nesse quadro uma candidatura a deputado federal pelo PT como a de Palocci diferindo do programa do PT, que propõe explicitamente no seu manifesto a manutenção de um grande superávit primário, a autonomia do banco Central, ou seja mais do mesmo? Uma candidatura desse tipo não a ver com a necessidade de refundação do PT?
TG: Tem a ver com a forma como se define uma candidatura. Palocci se utiliza de todas as variáveis que o partido oferece de posicionamento político sobre as questões econômicas, parte das quais, inclusive, ele implementou como ministro. Mas evidentemente na visão que eu tenho de um segundo governo, a receita que Palocci oferece na sua carta deve ser completamente descartada, ela não pode ser aceita, porque significa uma regressão à estabilidade como valor absoluto e não à sua combinação como o crescimento econômico com distribuição de renda.
CM: Fechando como tema que abriu esta entrevista: como você explica a solidez da imagem do Lula, frente a todos os últimos fatos que afetaram o PT , e até frente a acusações a pessoas do seu círculo de amizades?
TG: Por uma razão revolucionária. que é a seguinte; essa ampla massa dos sem nada, que não votava no Lula porque se considerava igual ao Lula, e pensava ‘se o Lula é igual a mim ele não tem condições de governar o país’, agora pensa de uma forma diferente: ‘o Lula é igual a mim e está governando bem o país, eu voto nele, voto num igual a mim’. Essa é a razão política que desestabiliza o raciocínio tucano, que ofende o PFL, que desconstrói o discurso democrático da OAB e que leva a uma desorientação completa da direita brasileira. Porque esse era o povo manipulado pela direita brasileira, que agora perde seu gado. Esse gado se torna povo e esse povo se torna cidadão.
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