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A farsa do golpe

A farsa do golpe

Aloysio Nunes Ferreira

É fato notório que o governo federal omitiu o registro obrigatório, no Banco Central, de vultosos passivos -mais de R$ 60 bilhões. Uma ilegalidade desse tamanho não ocorreria sem o consentimento de uma autoridade superior: Dilma Rousseff, sem sombra de dúvida.

Essas dívidas foram ocultadas dos olhos dos cidadãos e dos órgãos de controle previstos na Constituição para que o governo continuasse gastando além dos limites recomendados pela prudência.

Dilma descumpriu o dever da transparência, o fundamento da confiança que deve reger as relações entre governantes e governados na democracia. Mais ainda: foram assinados por ela os decretos de suplementação orçamentária, editados em desconformidade com a meta de superavit fixada pela lei em vigor à época.

Assim, de caso pensado, Dilma cometeu crimes de responsabilidade, definidos na lei 1.079/50, dos quais decorreram gravíssimas consequências para o povo brasileiro. A presidente afastada preferiu, no entanto, apresentar-se como vítima de um golpe: eis o fundamento político, fragílimo, de sua defesa.

Nossa geração viveu na juventude o golpe de 64, sabemos bem o que é isso. Trabalhamos para reconstruir as instituições democráticas, hoje sólidas e pujantes. Se, nas chamadas pedaladas fiscais, Dilma falseou as contas públicas, falseou também, em sua defesa no Senado, a história da natureza do processo em que figura como acusada.

Esse processo destina-se a assegurar a soberania da lei e da Constituição. A atuação do Supremo Tribunal Federal, em todas as suas etapas, reforçou a obediência às normas legais.

O país vive um clima de paz e normalidade institucional. Ninguém prega a violência como método para resolver a crise política. Todos os que se manifestaram pacificamente nas ruas o fizeram sem embaraço. A imprensa livre, mesmo aquela injustamente acusada de golpista, noticia todos os fatos e repercute todas as opiniões. O presidente Michel Temer, eleito diretamente com Dilma, exerce o papel atribuído a ele pela Constituição.

A agenda do impeachment ficou para trás, os partidos já estão empenhados na eleição municipal e se preparam para o pleito de 2018.

Dilma se defendeu perante seu juiz natural, o Senado. Farsa não houve, pois a presidente afastada exerceu dignamente seu direito de defesa, e nós, senadores, a julgamos segundo nosso entendimento.

Tragédia também não houve, pois o país seguirá em frente, com instituições fortalecidas e a responsabilidade fiscal exaltada como um valor que todos devem defender, independentemente da cor da bandeira política. Os governantes, daqui para a frente, pensarão várias vezes antes de praticarem estripulias com as contas públicas.

Golpe? Sob supervisão do STF? Como poderia ser, se Dilma tentou mobilizar a opinião pública, a partir do Palácio do Alvorada, com apoio de aliados, e, no Congresso, contou com o patrocínio de seu brilhante advogado, José Eduardo Cardozo, cujo trabalho é custeado pelo orçamento público, como manda a lei?

Dilma sabe que ao STF compete, em última instância, a guarda da Constituição. Sabe também que cabe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica. O Judiciário pode ser acionado não só para reparar mas também para prevenir lesão de direito.

Então, pergunto: sabendo de tudo isso, por que, em vez de recorrer à OEA (Organização dos Estados Americanos), Dilma não procurou as instituições nacionais, como O STF e o Ministério Público, para denunciar o suposto golpe em curso?

Aloysio Nunes Ferreira, senador por São Paulo (PSDB), é líder do governo no Senado. Foi deputado estadual, federal e ministro da Justiça (governo FHC)