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A falácia dos outsiders

(foto: arquivo/google)

Editorial, Estadão

Os resultados das últimas eleições municipais – principalmente os observados em São Paulo e no Rio de Janeiro, as duas maiores cidades do País – têm servido como pretexto para se difundir a ideia de que estão em ascensão os chamados candidatos outsiders, aqueles que se apropriam da aversão difusa de boa parte da população à política dita tradicional para lustrar suas campanhas eleitorais com o verniz da candura dos que estão “contra tudo isso que está aí”. Noves fora a platitude, trata-se, evidentemente, de uma falácia. Se não pelas biografias dos candidatos que se apresentam – revelando um prolífico histórico de participação política, seja ela partidária ou não – ao menos pela afronta à própria noção de política em seu mais elevado significado.

A Constituição de 1988 caracteriza a democracia brasileira como uma democracia representativa do tipo partidário, ou seja, nenhuma candidatura a cargo político, seja para mandato no Poder Executivo, seja no Legislativo, é admitida a não ser por intermédio de partidos políticos legalmente constituídos.

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa admite o anglicismo e define outsider como a “pessoa que não pertence a determinado grupo; estranho, intruso, forasteiro, leigo”. Ora, o fato de filiar-se a um partido político e pavimentar o caminho de sua candidatura pela legenda já inviabiliza no nascedouro a proclamada antipolítica do postulante. Fossem permitidas as candidaturas avulsas no Brasil, estas, sim, dariam azo aos arroubos aventureiros que por definição distinguem um outsider. Mas não. Da forma como rege a Constituição brasileira, a “antipolítica” não passa de uma narrativa – para usar uma palavra da moda – tão política como o mesmo discurso que esses candidatos pretendem desconstruir.

Vejamos o que ocorreu nas duas cidades citadas. Em São Paulo, o candidato eleito para a Prefeitura em primeiro turno, João Doria Júnior, há 13 anos está à frente do Lide – Grupo de Líderes Empresariais –, cuja atuação envolve, entre outras atividades, a promoção da integração entre entidades privadas e o poder público a fim de viabilizar projetos sociais. Quem há de dizer que isso não caracteriza uma atividade eminentemente política, ainda que apartidária? A política também está presente na vida do novo prefeito de São Paulo pela história de seu pai. João Agripino da Costa Doria Neto foi eleito deputado federal pelo Partido Democrata Cristão (PDC) da Bahia nas eleições gerais de 1962. Teve o mandato e os direitos políticos cassados pelo Ato Institucional n.º 1, de abril 1964. Por fim, mas não menos importante, cabe dizer que João Doria Júnior chegou à Prefeitura de São Paulo pelo PSDB, partido que governa o Estado há mais de 20 anos.

No Rio de Janeiro, o caso é ainda mais escalafobético. É preciso uma dose excessiva de ingenuidade para classificar a vitória do prefeito Marcelo Crivella como o triunfo da antipolítica. Eleito senador pela primeira vez em 2002, Crivella foi reeleito em 2010 e logo ocupou a liderança da bancada do Partido Liberal (PL). Em 2005, fundou o Partido Republicano Brasileiro (PRB) com o vice-presidente da República, José Alencar. Foi o líder deste partido na Casa até sua recente eleição para a prefeitura do Rio. No governo da ex-presidente Dilma Rousseff, Crivella foi ainda o ministro da Pesca.

Outras candidaturas autodenominadas “antipolíticas” já começam a se alvoroçar com vistas às eleições gerais de 2018. Devem ser recebidas com a prudência que a boa administração pública requer.

São muitos os efeitos deletérios do mau exercício da atividade política. Os danos tangíveis são percebidos pela sociedade na má gestão do erário, na corrupção e na consequente precariedade da prestação de serviços públicos. O mais grave, no entanto, não pode ser mensurado. Trata-se justamente da descrença na política como o meio civilizado de consecução do bem comum e da garantia da paz social. Não há saída democrática fora da política. Aqueles que se autodenominam antipolíticos estão, na melhor das hipóteses, mal informados. Fazem do próprio despreparo um trunfo para operar em um ambiente que, de pronto, demonstram não conhecer. No pior cenário, travestem-se de um manto ilusório que visa tão somente a servir de subterfúgio para chegar ao poder negando aquilo que, na verdade, almejam desde o princípio.