Em 1992, PC Farias foi convocado a depor na CPI instalada para investigar denúncias de corrupção do governo Fernando Collor. O ex-tesoureiro da campanha ao ser questionado se a origem do dinheiro do chamado “esquema PC” era o caixa 2 da campanha presidencial respondeu com três palavras: “Somos todos hipócritas”.
A imprensa noticiou, o assunto rendeu alguns dias e depois a afirmação de que os políticos eram cúmplices de práticas ilícitas usuais, mas nunca confessadas, caiu no esquecimento. Ninguém apurou ou investigou. Nem a Justiça nem a mídia.
Passados vinte e cinco anos, Emilio Odebrecht afirma em sua delação premiada que o modelo de corrupção brasileira existe há mais de 30 anos; “O que nós temos no Brasil não é um negócio de cinco, dez anos. Estamos falando de 30 anos atrás. Então tudo que está acontecendo era um negócio institucionalizado, era uma coisa normal, em função de todos esses números de partidos”, afirmou.
Mais adiante, o empresário diz: “O que me surpreende e eu quero ter oportunidade de enfatizar, o que me surpreende é quando eu vejo todos esses poderes, a imprensa, tudo, tratando isso como se fosse uma surpresa (…). Porque 30 anos, é difícil as coisas não passarem a ser normais. (…) O que me entristece é a própria imprensa. Por que agora estão fazendo tudo isso? Por que não fizeram isso há 10, 20 anos atrás? Porque tudo isso é feito há 30 anos. (…) E a própria imprensa, vamos colocar a claro, essa imprensa sabia disso tudo e fica agora com essa demagogia. Me perdoe, mas eu realmente acho que todos deveriam fazer uma lavagem de roupa em suas próprias casas para ver o que a gente pode fazer”.
A mesma parcela da imprensa que não deu a menor bola as palavras de PC Farias (morto em 1996 em circunstancias nunca esclarecidas) agora faz um carnaval na divulgação das delações dos executivos da Odebrecht.
Edições espetaculosas, versões claramente parciais, caras e bocas de espanto e indignação, uma santa ira contra a política e os políticos repetidos diariamente a exaustão. Os políticos foram todos jogados na vala comum.
A criminalização da política, a disseminação da falsa premissa de que todos os políticos não prestam, a manipulação da informação, a divulgação parcial dos fatos, nada disso contribui para nos tirar desse mar de lama.
E pior, a espetacularização das delações cria na população a falsa expectativa de que os citados serão rapidamente indiciados, julgados e condenados.
Isso e absolutamente falso. Em entrevista ao UOL, o procurador da República Celso Antônio Três, um dos principais responsáveis pela investigação do caso Banestado, referência para a operação Lava Jato, alerta que a delação da Odebrecht resultará em uma proporção pequena de condenados.
“Não é difícil prever que o percentual de condenados vai ser baixo. Na maioria dos casos, é palavra [do delator] contra palavra [do delatado]. Para condenar, é preciso ter provas e grande parte [dos casos] não tem isso aí [provas]”, diz.
Dois anos depois de divulgada a chamada lista de Janot e da abertura de inquérito contra 50 políticos, em março de 2015, 40% dessas investigações foram arquivadas no todo ou em parte. Ninguém foi condenado.
O procurador Celso Antônio Três também questiona o levantamento do sigilo das investigações, já que pela lei a delação deve ser mantida sob sigilo até a apresentação da denúncia. “Tenho muitas ressalvas a como o país está levando essa investigação [da Lava Jato] adiante”, comenta. “Só há duas certezas nesse tipo de investigação: o delator é criminoso e ele não cumprirá pena [em função do acordo de delação]. A condenação do delatado vai depender de provas”.
A divulgação – ressalta o procurador – provoca dois problemas: um pode favorecer o delatado e o outro o prejudica. “O delatado poder tirar proveito da divulgação porque passa a saber de detalhes do caso, o que lhe daria condições de eliminar provas contra ele. Quanto menos o investigado souber da investigação, melhor. Maior é a chance de obter boas provas”.
A divulgação expõe o delatado publicamente, diz ele. “O princípio da presunção da inocência é desrespeitado. A delação deixa o cidadão indefeso. Isso leva a um descrédito da política e das instituições, o que é muito ruim”, analisa o procurador.
O efeito imediato da divulgação do conteúdo das delações foi o linchamento moral de todos os citados, imediatamente condenados pela opinião pública, que desconhece o rito legal. Citado em delação não é o mesmo que investigado, que não é o mesmo que indiciado e que não é o mesmo que réu.
O bombardeio midiático, porém, não faz essas distinções. O furor da mídia fez de todos os citados culpados e condenados previamente, invertendo o preceito legal de que todos são inocentes até prova em contrário. Os delatores, criminosos confessos, esses estão sendo endeusados, verdadeiros salvadores da nação.
Vamos por os pingos nos iis. Marcelo Odebrecht, ex-presidente e herdeiro do grupo Odebrecht, agora ungido a herói da pátria em função de sua delação premiada, foi condenado pelo juiz Sergio Moro a 19 anos e 4 meses de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e por integrar organização criminosa. Graças à delação, sai da cadeia em dezembro deste ano. Os mais de 70 executivos da empresa também firmaram acordos de delação em troca de redução da pena. Consta que receberão indenizações entre 20 a 50 milhões, cada um, pela delação premiada previamente combinada com seus patrões.
Se o delator está recebendo do patrão para incriminar este ou aquele, realmente há mais coisas entre o céu e a terra do que podemos imaginar em toda nossa inocência.
Luiz Claudio Romanelli, deputado do PSB, é líder do governo na Assembleia Legislativa.
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