Derrota no Senado por 59 a 21 no penúltimo round do impeachment prenuncia o adeus da presidente afastada. Parte da mudança, inclusive uma de suas bicicletas, já foi levada para Porto Alegre e a petista até planeja um exílio por países latino-americanos depois do afastamento definitivo
Sérgio Pardellas, IstoÉ
Nos cômodos cada vez mais silentes do Palácio da Alvorada, restam poucos objetos pessoais de Dilma Rousseff. Nas últimas semanas, a presidente afastada transportou a maioria de seus pertences para sua residência em Porto Alegre. Até uma das bicicletas com a qual se habituou a fazer exercícios matinais diários já foi despachada para o Sul – provavelmente sem volta. Nada mais emblemático. Embora publicamente se esmere para transparecer valentia, Dilma, no íntimo, não acredita mais numa reviravolta capaz de mantê-la no poder. A interlocutores, admitiu um périplo por oito meses a países da América do Sul, como Chile e Uruguai, na ressaca do impeachment. Na semana passada, o cronograma da saída de Dilma do Planalto andou mais uma casa. Na madrugada de quarta-feira 10 foi dado o penúltimo passo para o seu definitivo afastamento. Num prenúncio da votação derradeira em plenário, por 59 votos a 21, Dilma virou ré por crime de responsabilidade fiscal. Era necessário um mínimo de 54 votos. Em conversa na terça-feira 9 com senadores do PT, Lula também jogou a toalha: “Não há mais tempo para salvação (de Dilma). Agora é trabalhar o pós”, afirmou.
Dilma beira a porta dos fundos da história. A tendência é pela derrota ainda mais fragorosa na sessão final, marcada para começar no próximo dia 25. Não há mais indecisos e o número de senadores favoráveis ao “Fora, Dilma” pode chegar a 62. Num último e idílico esforço não para salvar o mandato, mas para tentar preservar sua já maculada biografia, a presidente afastada pretende sacar da cartola, nesta semana, uma Carta aos Brasileiros. Trata-se de um factóide. O novo documento, mais um a se somar à coleção de manobras diversionistas de Dilma, não seduz nem o PT, a quem coube fulminá-lo no nascedouro sem qualquer cerimônia. A decisão de suprimir o termo “golpe” do texto, tomada aos 45 minutos do segundo tempo, é inodora, insípida e indolor. Falta-lhe sobretudo credibilidade para gesto de tamanha relevância política. Um plebiscito no qual os brasileiros decidiriam por antecipar ou não as eleições presidenciais de 2018 jamais poderia ser convocado por alguém rejeitado pela maioria da população. Por isso mesmo, a ideia não prosperou nem seguirá adiante.
Para tomar emprestado um bordão esportivo em tempos de Olimpíada, Dilma irá para o chuveiro mais cedo, mas quem será asseado é o País. Candidamente, a petista entoa o mantra do “não sei de nada”, “não tenho culpa de nada”, “sou vitima da mídia e das elites” celebrizado por Luiz Inácio Lula da Silva. Mais um discurso destinado a alimentar com as sementes do engodo uma plateia de convertidos – hoje estourando 30% dos brasileiros. Apesar da tentativa de terceirizar a própria culpa e de criar uma narrativa épica, mas fictícia, a petista é um pote até aqui de malfeitos. Além das pedaladas – que não foram meras maquiagens fiscais, como quer fazer crer a tropa de choque petista, mas uma estratégia política para vender ao eleitor um Brasil irreal, com único objetivo de vencer a eleição, – Dilma é acusada de incorrer em outros crimes mais graves.
Se, como disse o procurador da República Ivan Cláudio Marx, o ex-presidente Lula foi o “chefe de organização criminosa” para obstruir a Justiça, Dilma é no mínimo co-partícipe da trama. Em maio, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu que a presidente afastada fosse investigada por tentativa de atrapalhar as investigações da Lava Jato. Segundo delação do ex-senador Delcídio do Amaral, antecipada por ISTOÉ, a presidente Dilma o teria usado como emissário da proposta a um candidato a ministro do STJ para trocar a indicação pela concessão de habeas corpus pedido por empreiteiros presos em Curitiba. Tudo ocorreu como combinado. Os empresários só não foram soltos porque o relatório produzido pelo ministro nomeado Marcelo Navarro foi derrubado pelos seus pares.
A petista ainda corre o risco ser indiciada pela Procuradoria-Geral da República, se não por esta denúncia, mas pela nomeação desastrada de Lula para a Casa Civil, a fim de mantê-lo distante da jurisdição de Moro, concedendo-lhe foro privilegiado. Não bastassem as investidas contra o livre trabalho do Judiciário, que configuram crime de responsabilidade passível de perda de mandato tipificado no inciso 5 do Artigo 6º da Lei 1.079, as recentes propostas de delações premiadas de executivos de empreiteiras implicadas no Petrolão deixam claro que Dilma não só sabia como operou pessoalmente na arrecadação ilegal de sua campanha em 2014. Aos procuradores da Lava Jato, segundo reportagem de ISTOÉ, Marcelo Odebrecht afirmou que a mandatária exigiu R$ 12 milhões para a campanha durante encontro privado. O dinheiro seria fruto de propina desviada da Petrobras. “É para pagar”, teria ordenado ela, de acordo com a proposta de delação do empresário. Parte do recurso seria utilizada para pagar o marqueteiro João Santana. Solto na semana passada, Santana também confirmou em delação a participação direta de Dilma no manejo de recursos irregulares destinados a irrigar os cofres de sua campanha à reeleição.
Para completar o cenário nada edificante para quem jura inocência, a herança de Dilma é de amargar. De chorar lágrimas de esguicho. No “golpe” sem armas e tanques, alardeado pelo PT e congêneres, a vítima foi o povo. Dilma herdou de seu antecessor um País que crescia 7,5%, com baixa taxa de desemprego, inflação controlada e investidores animados. Em meio ao repique da crise e a queda nos preços das commodities, decidiu abandonar a política econômica adotada até então para implantar sua “nova matriz econômica”, baseada em crédito abundante, política fiscal frouxa e juros baixos. No vale-tudo para se reeleger, tomou decisões temerárias como segurar preços administrados e abandonar o equilíbrio fiscal.
“O governo agiu como alguém que sonhou que iria ganhar na mega-sena e saiu por aí gastando o que não tem”, diz Carlos Pereira, cientista político da FGV-Rio. Com a volta da inflação, a comida sumiu do prato de muitos brasileiros. O poder de compra foi corroído. O projeto de inclusão, ancorado no consumo e traduzido pela ascensão social de milhões de pessoas, ruiu como um castelo de cartas. O aumento do desemprego e a queda nos rendimentos fizeram com que quase 4 milhões voltassem às classes D e E, de acordo com recente levantamento realizado com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios e da Pesquisa Mensal de Emprego, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O setor elétrico, tido como especialidade da gerentona, entrou em colapso. O investment grade virou pó e a corrupção, já institucionalizada, se retroalimentou da tragédia político-econômica e administrativa.
Na sessão do Senado que praticamente selou o destino de Dilma, os próprios aliados da presidente afastada baixaram as armas. Enquanto uns estavam mais preocupados em checar no celular os últimos resultados da Olimpíada, integrantes da comissão de frente em defesa da petista, como a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), demonstravam resignação ante a derrota iminente. “Nós que defendemos a presidenta Dilma temos consciência. Achamos até que ela não tem condições mais de governabilidade. E não seríamos nós senadoras e senadores irresponsáveis de apenas defender a volta dela para ampliar uma crise que não é só política, mas econômica também”, disse momentos antes do início da votação.
Não raro alinhado às teses petistas, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, atuou como manda o figurino. Exercendo papel de magistrado, limitou-se a cumprir as regras estabelecidas. Com elegância, chegou a suspender o áudio de Gleisi Hoffmann: “Senhora senadora, eu tenho que ser muito rígido com o tempo. Peço escusas à Vossa Excelência”, disse. Repetiu a dose ante os excessos de Grazziotin e Kátia Abreu (PMDB-TO). Esta última também teve o microfone cortado.
Tranqüilo e sereno, o presidente do Supremo adentrou ao plenário do Senado às 9h05. “O Senado está aqui para exercer uma de suas mais graves atribuições que a Constituição lhe acomete”, sapecou. Logo na abertura dos trabalhos, Lewandowski solicitou aos senadores que só pedissem a palavra para se pronunciar sobre questões processuais. “Tendo em conta a previsão de que esta sessão poderá tornar-se um tanto quanto longa, eu peço vênia, desde logo, para ser muito rigoroso na contagem dos prazos”. Antes do início da sessão, o presidente do STF rejeitou as questões de ordem que pediam a suspensão do processo de impeachment de Dilma. Num dos recursos sem qualquer cabimento, aliados da presidente afastada pediam para que fossem aguardados os resultados de delações premiadas. Houve ainda um pedido de suspeição do relator Antonio Anastasia, pelo fato de ele ser do PSDB, assim como um dos autores da denúncia, o advogado e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior “Indefiro as questões de ordem 1 e 2 por tratarem de fatos estranhos ao presente processo. Não é possível suspender o feito com fundamento nestes argumentos”, afirmou. Ao fim, o placar de 59 a 21, e a comemoração. “Ganhamos todos com esse julgamento. Ganha o País, que tem a chance de ver resgatadas as condições políticas para dar seguimento à estabilidade econômica”, disse a senadora Lúcia Vânia (PSB-GO).
Ao tirar Dilma da frente, o Brasil começa uma nova etapa. A saída definitiva da petista fará com que o presidente em exercício Michel Temer atue com mais desprendimento para colocar em marcha as reformas necessárias ao País. Num primeiro momento, como antecipou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o governo deverá dedicar-se à implementação de medidas destinadas a disciplinar as contas públicas, fundamentais para a retomada dos investimentos e da confiança dos investidores. Há uma pauta de modernização da economia, já iniciada, com a revisão das metas fiscais para este e para o próximo ano e com a proposta de um teto para o aumento do gasto público, que poderá deslanchar a partir do impeachment. É imperativo que o Congresso a aprove. Mesmo as iniciativas mais impopulares, como alterações nas leis trabalhistas e previdenciárias. Só assim, o País poderá sair da ruína econômica legada pela desastrosa gestão petista.
O destino cumpre um roteiro nem de perto imaginado por Dilma quando tomou posse ainda para o seu primeiro mandato em 1° de janeiro de 2011. Resignada, nos dias derradeiros, Dilma acalentou um último desejo: o de não sair do Palácio do Planalto pelos fundos, como Fernando Collor, em 1992, cercado por um pequeno séquito de assessores. A cena pode até não se repetir. Na prática, porém, para a maioria dos brasileiros, o efeito é o mesmo: Dilma não deixará saudades. A partir de setembro, será apenas mais um quadro pendurado na galeria de ex-presidentes.
Foto: reprodução/capa/IstoÉ
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