“A crise política não pode continuar”. A afirmação é do cardeal d. Sérgio da Rocha, arcebispo de Brasília e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Segundo ele, a entidade não se manifesta sobre a situação do presidente Michel Temer seguindo a tradição de não se pronunciar sobre governos e partidos, mas tem acompanhado de perto os desdobramentos da crise e discutido alternativas como a realização de eleições diretas. “A corrupção mata”, disse d. Sérgio Rocha ao repórter Ricardo Galhardo no Estadão.
Qual a posição da CNBB sobre os pedidos de afastamento do presidente Temer?
A CNBB não tem se manifestado a respeito desta questão, de acordo com a sua postura habitual de não se pronunciar sobre governos e partidos. Contudo, é evidente que a crise política, agravada pelas denúncias contra o presidente, não pode continuar. Publicamos uma nota sobre a ética na política, enfatizando a necessidade de apuração rigorosa das denúncias de corrupção, dentro dos ditames da lei. No cenário político, especialmente no Congresso Nacional, a vida não pode continuar, com as negociações políticas, como se nada estivesse acontecendo. A alegação de que “o País não pode parar” não pode servir para justificar a estagnação na corrupção nem a votação apressada de projetos. A corrupção mata. Mata, porque o desvio de recursos implica a negação do direito do povo à saúde, à educação, à segurança, ao emprego, à alimentação.
Qual a posição da CNBB sobre antecipar as eleições diretas?
Temos refletido a respeito, mas não chegamos a tomar uma posição comum. Estamos acompanhando atentamente as discussões sobre o tema. Questionamentos têm sido levantados a respeito das condições jurídicas e políticas para a sua realização neste momento, no caso de saída do presidente. É certo que não há solução para a crise fora da Constituição brasileira. Isso, que parece óbvio, precisa ser afirmado repetidamente, neste momento difícil, de crise e de descrédito dos políticos. A dificuldade em apontar candidatos não é razão suficiente para não ser considerada seriamente a possibilidade de eleições diretas. A opção por eleições diretas se justifica unicamente como instrumento democrático, não deve ser instrumentalizado para atender a interesses particulares. É preciso ter os olhos voltados para a Constituição e o ouvido para as ruas.
Quais os impactos do pontificado do papa Francisco sobre a Igreja Católica brasileira?
O papa Francisco tem contribuído muito para a renovação da vida da Igreja no Brasil e no mundo. Ele tem nos ensinado não apenas por palavras, mas principalmente por gestos concretos, carregados de simbolismo. Dentre outros, têm marcado a vida da Igreja a simplicidade, a misericórdia, a acolhida fraterna, o amor aos pobres, o anuncio do Evangelho e a busca da paz. Tudo isso repercute bastante na vida da Igreja no Brasil, na sua ação pastoral.
A atuação do papa provocou alguma mudança na linha política da Igreja Católica no Brasil?
No âmbito social, o papa Francisco tem retomado as grandes linhas da doutrina social da Igreja, aplicando-as ao mundo de hoje. A sua ênfase em alguns pontos tem sido evidente. Por exemplo, a defesa enfática dos imigrantes e refugiados, a perspectiva ecológica da “casa comum”, a dura crítica da corrupção política, a condenação enérgica das guerras e do armamentismo, a proposta de uma economia a serviço da pessoa com a crítica do neoliberalismo. No âmbito específico da política, o papa tem reafirmado a postura que temos assumido na Igreja do Brasil de não adotar postura política partidária, enquanto Igreja, mas incentivar a participação política do laicato católico.
É possível afirmar que com o papa Francisco a Igreja está mais progressista?
Não me parece conveniente o termo “progressista” pelo seu significado controvertido e limitações. Ele tem nos recordado aspectos essenciais do Evangelho que necessitam maior atenção, como a simplicidade, o serviço e a misericórdia. Eles fazem parte da vida da Igreja desde as suas origens, mas têm sido enfatizados por ele e atualizados. Isso traz consequências práticas para a vida interna da Igreja.
Recentemente, a CNBB emitiu nota criticando a reforma da Previdência e um número expressivo de bispos apoiou a greve geral do dia 28 de abril.
A CNBB tem alertado para as consequências, para o custo social das reformas pretendidas, para os trabalhadores e a população em geral, principalmente para os mais pobres e vulneráveis. Temos insistido na necessidade de diálogo amplo com setores representativos da sociedade. Não bastam negociações políticas nem propaganda política. A população precisa ser informada de modo justo. As reformas deveriam ser debatidas também fora do Congresso Nacional, pois mexem com a vida de todos. Não podem ser decididas rapidamente, pela elite política. Os interesses do mercado ou de grupos não são motivos suficientes para medidas que sacrificam o povo. As saídas para a crise política e econômica exigem escutar as ruas. Os posicionamentos são manifestações pessoais dos bispos.
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