José Viegas
A Organização Não Governamental britânica Oxfam publicou recentemente a nova edição de seu estudo sobre a concentração da riqueza global. O título do estudo é “Uma economia a serviço do 1%”.
Quem viu o relatório do ano passado poderá lembrar-se de que o conjunto da riqueza das 88 pessoas mais abastadas do mundo equivalia então à riqueza distribuída entre os 3,5 bilhões de pessoas que integram os 50% mais pobres de toda a humanidade.
O novo quadro mostra que hoje bastam apenas as 62 pessoas mais ricas do mundo para igualar os 50% mais pobres do mesmo mundo. Isso significa que a riqueza média dos integrantes do grupo de cima (o G-62) é mais de 56 milhões de vezes maior que a renda média dos integrantes dos 50% de baixo.
A riqueza total das 62 pessoas em 2015, segundo levantamento anual publicado pela revista norte-americana Forbes, foi de 1,76 trilhão de dólares, dos quais 900 bilhões, ou seja mais que a metade do total, pertencem aos 20 primeiros da lista.
Fazendo-se um cálculo estatístico para estimar a riqueza dos magnatas de número 63 a 88, que até o ano passado faziam parte dos que somam mais do que os 3,5 bilhões de pessoas mais pobres da humanidade, e atribuindo-lhes uma riqueza média de 13,5 bilhões de dólares per cápita, verifica-se que eles dispõem no total de 350 bilhões de dólares.
Como hoje só são necessárias as 62 pessoas mais ricas do mundo para superar os 50% da base da pirâmide humana, verifica-se que o patrimônio do G-62 aumentou em pelo menos 350 bilhões de dólares, supondo que os mais pobres tenham permanecido no mesmo lugar. Isso significa que cada indivíduo desse grupo aumentou sua riqueza em 5,65 bilhões em um ano.
Alargando o grupo dos mais ricos do mundo, para chegarmos ao 1% mais rico da humanidade, vemos que aí estão 70 milhões de pessoas, quase todas vivendo no hemisfério Norte, cuja riqueza hoje supera a de todo o restante da humanidade. Neste caso, a desproporção da riqueza passa a ser de cem vezes, ou seja, o super-rico que ocupa o trigésimo milionésimo lugar desse grupo tem um patrimônio cem vezes maior que o do ser humano que ocupa o meio da pirâmide de 99% de toda a humanidade, ou seja uma pessoa da classe média de um país como o Brasil.
Esses fatos, essa tendência, são preocupantes pelo menos por três razões de ordem econômica, para não falarmos da incrível injustiça aí contida.
Em primeiro lugar, não é assim que se deve governar o mundo. Esse modelo de distribuição, ou melhor, de concentração de riqueza gera distorções que reduzem brutalmente as possibilidades de uma vida mais produtiva para bilhões de pessoas, inclusive das classes médias de todo o mundo.
Em segundo lugar, o fenômeno é crescente. Se as coisas continuarem a evoluir do mesmo modo, não está longe o dia em que mil pessoa terão riqueza igual à de todos os restantes membros da humanidade. Essa tendência tem implicações sociais e políticas sensíveis pois não se poderá continuar pensando indefinidamente na persistência da solidariedade estratégica que hoje existe entre as classes médias e as elites. E a deterioração da situação vivida pelas classes trabalhadoras requererá da parte delas níveis de tolerância e paciência dificilmente praticáveis, o que pode ocasionar tensões violentas na sociedade.
Em terceiro lugar, a possibilidade de que esse fenômeno perdure é proporcional à solidez política, econômica e social do regime que hoje governa o mundo. A elite financeira rege a orquestra, é dona dos bancos, controla as indústrias, dispõe da mídia, influencia forte e crescentemente os governos e abastece-se com os melhores cérebros produzidos pelas universidades. Quem terá força para mudar essa configuração?
José Viegas, embaixador aposentado e ex-ministro da Defesa
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