Há 25 anos, quando a homossexualidade não era discutida abertamente como hoje, resolvi opinar sobre o assunto logo após um colega de trabalho declarar confidencialmente que era gay. Afirmei que ser gay era uma escolha pessoal. Ele ficou quieto por uns minutos e delicadamente respondeu que não tinha feito nenhuma escolha entre ser homo ou heterossexual. Não lembrava de ter feito escolha nenhuma.
Até, porque, continuou, se pudesse escolher teria optado por uma orientação sexual que fosse mais aceita pelo seu pai e pelas pessoas do lugar onde vivia. E, ainda, que ser homossexual e ter assumido sua orientação tinha lhe causado muito sofrimento. Seria mais fácil viver se tivesse escolha. Escolheria ser hetero e seria aceito pelo pai. Não precisaria mudar para longe da mãe, das irmãs e do irmão. Viveria com seu amor e andaria de mãos dadas com ele na sua cidade.
Esse colega morreu logo depois dessa nossa conversa. Morreu de complicações causadas pelo vírus HIV. Morreu pedindo para que não declarássemos que era portador de HIV. Dizia que tinha lutado muito para ser um profissional respeitado e que não queria ser considerado cidadão de segunda categoria.
Isso aconteceu há muitos anos. Hoje, conseguimos compreender que não se trata de escolha. A orientação e a identidade sexual estão inseridas na configuração da subjetividade, que é um processo complexo, singular e que compreende muitas dimensões. A orientação sexual faz parte da constituição dos sujeitos e a homossexualidade constitui uma das expressões dessa orientação sexual, assim como o são a heterossexualidade e a bissexualidade.
Desde 1990, depois de muita luta e sofrimento, a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial da Saúde – OMS. O Conselho Federal de Medicina retirou em 1985 a homossexualidade da condição de desvio sexual. E o Conselho Federal de Psicologia considerou em 1999 a realização de qualquer intervenção que vise “curar” ou “reverter” a homossexualidade contrária aos fundamentos éticos e científicos que devem guiar a prática dos psicólogos no País.
Os psicólogos compreenderam que o sofrimento psíquico é causado pelo preconceito e não pela orientação sexual que compõe sua identidade. E seria um disparate tratar ou curar identidade como desvio de comportamento. Isso porque é ela que define quem somos. É uma das dimensões da nossa humanidade.
Há um consenso nos órgãos mundiais dedicados à saúde e ao estudo da sexualidade humana de que a homossexualidade não é uma doença e, portanto, não pode ser “curada”. E isso está além de qualquer fundamento ou interesse de caráter religioso, econômico, farmacológico, etc.
Portanto, é surpreendente que em 2013 um segmento social identificado com interesses religiosos venha defender a cura da homossexualidade com argumentos que ferem os direitos humanos.
Mais surpreendente ainda que no dia 18 de junho foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, presidida pelo pastor evangélico e deputado federal Marco Feliciano, o Projeto de Decreto 234/2011, conhecido popularmente como “Cura Gay”. Se aprovado no Congresso esse projeto obrigará os psicólogos a tratar o homossexualismo como se fosse doença, o que contraria a resolução do Conselho Federal de Psicologia e os conhecimentos científicos sobre orientação sexual aceitos hoje em dia no mundo civilizado.
Seria um recuo ao breu da ignorância aceitar qualquer outra concepção que não seja esta do Conselho Federal de Psicologia, que é baseada na ciência e no respeito aos direitos humanos.
Denise de Camargo, psicóloga, doutora em Psicologia Social e professora do Mestrado de Psicologia da UTP. Leia mais na Revista Ideias
Belas palavras Denise, Parabéns pelo trabalho!