O presidente Hugo Chávez foi muito importante para a América Latina e deixa um grande legado. A história registrará, com justiça, o papel que ele desempenhou na integração latino-americana e sul-americana, e a importância de seu governo para o povo pobre de seu país. Mas, antes que a história se encarregue disso, é importante que tenhamos clareza da importância de Chávez no cenário político nacional e internacional.
Somente assim poderemos definir as tarefas que se colocarão à nossa frente para que avancemos e consolidemos os avanços obtidos nesta última década, agora sem a ajuda de sua energia inesgotável e de sua convicção profunda no potencial da integração dos países da América Latina e nas transformações sociais necessárias no seu país para debelar a miséria de seu povo. Suas “misiones” sociais, especialmente na área da saúde e da habitação popular, foram bem sucedidas em melhorar as condições de vida de milhões de venezuelanos.
As pessoas não precisam concordar com tudo que Chávez falava.
Trecho de artigo do ex-presidente Lula, veiculado nesta quinta-feira (7), no New York Times. Leia a íntegra clicando no (mais…)
Tenho que admitir que o presidente venezuelano era uma figura polêmica, que não fugia ao debate e para o qual não existiam temas tabus. E preciso admitir que, muitas vezes, eu achava que seria mais prudente que ele não tentasse falar sobre tudo. Mas essa era uma característica pessoal de Chávez que não deve, nem de longe, ofuscar as suas qualidades.
Pode-se também discordar ideologicamente de Chávez: ele não fez opções políticas fáceis e tinha enorme convicção de suas decisões.
Mas ninguém minimamente honesto pode desconhecer o grau de companheirismo, de confiança e mesmo de amor que ele sentia pela causa da integração da América Latina, pela integração da América do Sul e pelos pobres da Venezuela. Poucos dirigentes e líderes políticos, dos muitos que conheci em minha vida, acreditavam tanto na construção da unidade sul-americana e latino-americana como ele.
Junto com Chávez criamos a Unasul (União de Nações Sul-Americanas), que integra 12 países do continente. Em 2010, a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) saiu do papel e ganhou forma jurídica – e isso não teria sido possível sem o empenho de Chávez. O Banco do Sul, um banco de desenvolvimento da Unasul, não seria possível sem a participação do líder venezuelano. Foi junto com ele também que conseguimos formar a Cúpula América do Sul-África (ASA) e a Cúpula América do Sul-Oriente Médio.
Por isso mesmo que a contribuição de Chávez ao seu país e ao projeto de integração da América do Sul e da América Latina não se extinguirá com sua morte. Se um homem público morre sem deixar ideias, quando o seu corpo físico acaba, acaba o homem. Não é o caso de Chávez, que foi uma figura tão forte que suas ideias permanecerão discutidas nas academias, nos sindicatos, nos partidos políticos e em qualquer lugar que exista uma pessoa preocupada com a justiça social e com a igualdade de poder entre os povos no cenário internacional. E talvez venham a inspirar outros jovens no futuro, como a vida do herói da independência Simon Bolívar inspirou o próprio Chávez. Isso no campo das ideias.
No cenário político onde essas ideias são debatidas, disputadas e podem virar realidade, todavia, ficar sem Chávez exigirá empenho e vontade para que os ideais do líder venezuelano não sejam lembrados, no futuro, apenas no papel.
Na Venezuela, os simpatizantes de Chávez, para manter o seu legado, vão ter pela frente um trabalho de construção de institucionalidades. Terão que trabalhar para dar mais organicidade ao sistema político, tornar o poder mais plural, conversar com outras forças e fortalecer sindicatos e partidos. A unidade do país dependerá desse esforço.
É preciso garantir as conquistas obtidas até agora. Essa é, sem dúvida, a aspiração de todos os venezuelanos, sejam eles de oposição ou de situação, militares ou civis, católicos ou evangélicos, ricos ou pobres… Todos precisam compreender que somente a paz e a democracia vão permitir que se realize o potencial de um país tão promissor quanto a Venezuela.
É preciso garantir instituições multilaterais fortes para garantir definitivamente a consagração da unidade da América do Sul. Chávez não estará nas reuniões de cúpula sul-americanas, mas seus ideais e o governo venezuelano lá estarão. A convivência democrática na diversidade dos líderes dos governos da América do Sul e Latina, é a certeza da construção da unidade política, econômica, social e cultural da América do Sul e da América Latina, que tanto precisamos. Um caminho sem retorno. E, quanto mais fortes formos, mais teremos força para negociar a nossa participação da América do Sul nos fóruns internacionais, e sobretudo, para democratizar os órgãos multilaterais, como a ONU, o Banco Mundial e o FMI, que ainda respondem à realidade internacional do fim da Segunda Guerra Mundial e não ao mundo de hoje.
Certamente Chávez fará falta. Ele era uma figura muito forte e ímpar, capaz de fazer amizades e se comunicar como poucos líderes. Precisamos ter a sabedoria de tirar da passagem dele pela Terra e pelo governo da Venezuela as contribuições que podem resultar na consagração da unidade latino-americana. E tenho a certeza de que todos os governantes da região farão um grande esforço para que isso aconteça.
Eu, pessoalmente, guardarei para sempre a relação de amizade e parceria, que durante os oito anos em que trabalhamos juntos como presidentes produziu tantos benefícios para o Brasil e para a Venezuela.
Carismático e idiossincrático, capaz de fazer amigos com facilidade e de se comunicar com as massas como poucos outros líderes, Chávez vai fazer falta. Eu, pessoalmente, guardarei para sempre a relação de amizade e parceria que durante os oito anos em que trabalhamos juntos como presidentes, produziu tantos benefícios para o Brasil e para a Venezuela e para os povos de nossos países.
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