Em tempos de Requião
Na contramão do neoliberalismo e da globalização, governador do Paraná segue favorito rumo à reeleição
Por Tão Gomes Pinto
A primeira surpresa, para um mortal habituado ao clima e aos hábitos em vigor no Distrito Federal, é chegar ao Palácio Iguaçu, em Curitiba, Paraná, às 8h30 de uma segunda-feira gelada e encontrar um governador trabalhando. Ele começou às oito em ponto, reunido com o grupo chamado “mãos limpas”. Todos os responsáveis por áreas direta e indiretamente ligadas à segurança e à Justiça participam. Eu já sabia algumas coisas sobre Roberto Requião. Sua mania de andar sempre na contramão da história sem ser multado. Quando todo mundo só falava de neoliberalismo e globalização, ele tornou-se um estatizante obstinado. Hoje, quando até velhos comunas adotam posturas liberais, ele lembra as excelências do marxismo. Quando o Brasil inteiro passou a adorar a soja transgênica como a salvação da lavoura, ele proibiu a saída dos grãos dourados pelo porto de Paranaguá. A soja era, até outro dia, o grande responsável pelo badalado sucesso do chamado “agribusiness” nacional. Mas continua a ser severamente combatida. A Sadia mandou colocar um cartaz enorme na porta do depósito no Paraná: não trabalhamos com transgênicos. Na Europa, os movimentos ambientalistas já ganharam a guerra contra a transgenia. “E, no porto do Rio Grande, os armazéns estão estufados de soja sem comprador no Exterior”, comemora Requião.
Ele lembra que as filas de caminhões com carga de soja sumiram da rodovia que leva ao porto. E revela que eles carregavam não apenas soja. Muitos truques eram usados para dar mais volume às cargas. Requião conta que no primeiro ano de seu governo recebeu mais de três mil reclamações de importadores de Paranaguá. No ano passado, foram só três as reclamações.
O governador resistirá até onde puder à manobra para entregar o porto para a gestão do governo federal. Seria o primeiro passo para “eles” cumprirem um acordo feito com seu antecessor, o arquiteto Jaime Lerner, que governou o Paraná por oito anos, e efetivarem a privatização do porto, que na mídia ganhou o título de jóia da coroa da administração Requião. É jóia mesmo. E autêntica. Nas mãos do Estado do Paraná , sustentando uma batalha sem tréguas contra as pressões das grandes cooperativas, a receita cambial do porto passou de US$ 4,2 bilhões para US$ 9,2 bilhões. Tornou-se um porto múltiplo, que funciona independentemente da safra. E 40% da sua receita veio dessa modificação.
Em época de eleição, Requião vira um “expert” em pesquisa, seja quantitativa, seja qualitativa. Na semana passada, ele constatou, por exemplo, que perdia para Osmar Dias, do PDT, na área central da cidade de Londrina. Quando a pesquisa se espalhava pelos bairros, Requião recuperava a ponta mesmo em um território desfavorável para ele: 42% a 38%. Pouco informado sobre as mumunhas políticas do Paraná, indago se a força do candidato Osmar Dias não estaria localizada na agricultura. Sua atuação no Senado tem sido muito marcada pela defesa desse setor.
Requião me corrige: ele defende os interesses dos grandes, das grandes cooperativas. “Eu tenho o voto dos pequenos e médios agricultores.” Requião faz pesquisa qualitativa todo dia, seja do horário eleitoral – onde tem esquálidos 2 minutos e 55 segundos por culpa do vacilo do PSDB em apoiar abertamente sua candidatura –, seja dos comerciais. E já descobriu, por exemplo, que a campanha sobre o nepotismo no seu governo não alcança o chamado povão. É um filmete baseado na série americana Os Waltons. Mostra o palácio do governo à noite, com algumas luzes acesas. As luzes vão se apagando uma a uma, ao som de frases tipo “boa noite, tia”, “boa noite, sobrinho”, como se ali morasse uma família numerosa e unida. Até a última luz se apagar, com uma voz de homem rosnando: “Dorme, mulher.” As pesquisas qualitativas mostram que o pessoal mais humilde acha que o sujeito que vira governador tem é mais que ajudar os parentes. De qualquer forma, a questão do nepotismo virou outro “cavalo de batalha” da campanha.
Com a mídia, o relacionamento de Requião está longe de ser um casamento perfeito. Muito longe, aliás. Sobre sua mesa de trabalho, ele tem uma ratazana modelada em barro com a cara do ex-deputado Severino Cavalcanti. Ele pega no Severino, ou melhor, na ratazana, com todo o cuidado. Afinal trata-se de um troféu. Regularmente o governador outorga esse troféu ao melhor veículo de comunicação da imprensa que ele considera “marrom” no Paraná. A ratazana Severino Cavalcanti é de posse transitória. O troféu só será entregue em definitivo ao veículo que o conquistar por cinco vezes seguidas.
Afinal, quem esse governador, que já foi chamado de “desconcertante”, “atípico”, “doidão” – e que o seu então colega Orestes Quércia costumava tratar como “Maria Louca” –, apoiará para presidente da República? Seu partido, o PMDB, como se sabe, subiu no muro. Requião diz que no muro ele não fica: “Não sou homem de ficar no muro. Se ainda não desci, não foi por culpa minha. Foi por culpa deles”, diz. Eles, é claro, são Lula e Alckmin. Sobre Lula ele diz o seguinte: “Eu trabalhei com o Lula quatro anos. Sou amigo pessoal do Lula. Mas amizade é uma coisa, o País é outra. Eu sempre tive uma escala de prioridades comportamentais. Em primeiro lugar, a minha consciência; em segundo, o País; em terceiro, o partido e a política.” Com o Alckmin, ele conta que teve um problema há um mês. O governo de São Paulo ia leiloar o sistema de transmissão de energia elétrica que interessava ao Paraná. “A nossa Copel quis comprar o sistema, mas São Paulo fez um edital que proibia a participação de empresas estatais de outro Estado”, conta Requião. E acrescenta: “Venderam para a Colômbia, o país do narcotráfico. E a nossa Copel, que é considerada hoje pelos especialistas do Financial Times a terceira melhor empresa do mundo, ficou de fora. Nós temos caixa. No primeiro semestre demos um lucro de R$ 758 milhões. Tão grande que eu baixei a tarifa. Baixei em 12%. Então esses posicionamentos todos têm de ser discutidos.”
“Eu disse ao Alckmin: quero saber o que você propõe e o que o Lula propõe. Porque até agora é a mesma coisa, os dois estão com a mesma proposta.” Para mim ele explicou sua posição da seguinte forma: “O Lula não avançou em privatizações. Mas a política econômica é a mesma. Isso nós temos que discutir.” E mais uma vez a “jóia da coroa” entra em cena:
“Veja o caso do porto de Paranaguá. O Lerner comprometeu-se com o Fernando Henrique que em seis meses o porto estaria privatizado. Tem um compromisso, uma cláusula que transfere o porto para a esfera federal e depois eles entregariam para algum grupo econômico. O que o Lula devia ter feito? Era sentar comigo e mudar a cláusula. Ele me mandou fazer isso com o Anderson Adauto, que era ministro dos Transportes. Estando as partes de acordo, era só mudar a cláusula. O Lula não privatizou, não fez a intervenção que a quadrilha queria, mas não mudou a cláusula. Nós temos uma pendência com o banco Itaú. Ganhamos na Justiça. Um despacho maravilhoso do Marco Aurélio Mello. Não adiantou. A Secretaria do Tesouro está me multando em R$ 10 milhões por mês. Faço uma reunião lá em Brasília com a Dilma, o Paulo Bernardo, o Tarso Genro e o Mantega. Todo mundo concorda comigo. Mas não adianta. Os ministros não têm mais opinião. Parece que o Lula gosta mais do banco Itaú do que de mim. Ou que o governo coloca o banco Itaú acima da lei e do Estado do Paraná.”
Quanto aos métodos políticos, Requião se mostra absolutamente cético: “Eles não mudaram nada. Só o Serjão (ministro Sergio Motta, falecido), que foi substituído por outros operadores. E quando me falam em moralidade eu não esqueço que o Fernando Henrique comprou uma fazenda em Minas com sobras de campanha e pagou 75 centavos de dólar o alqueire.” Requião, sempre na contramão, vai comparecer aos debates de televisão, dos quais os líderes das pesquisas fogem como o diabo da cruz. Sabe que vão levantar contra ele várias acusações e que vão bater no nepotismo. Vai responder que avisou na campanha que seu secretário de Educação seria seu irmão Maurício, “o melhor secretário de Educação do País, sem a menor sombra de dúvida.” Requião considera o nepotismo uma praga da administração pública brasileira. Mas acrescenta que parentesco não é uma cláusula infamante.
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