Requião: Aliança PT-PMDB não pode ser decidida "em jantar"
Por Diego Salmen, no Terra Magazine:
Em entrevista exclusiva a Terra Magazine, o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), fala do lançamento de sua pré-candidatura à presidência da República pelo partido.
Entre seus principais apoiadores na empreitada, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) e peemedebistas contrários ao acordo eleitoral firmado entre a ala da agremiação ligada ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP) e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata governista.
O governador teve sua pré-candidatura lançada neste sábado, 21, em Curitiba, por representantes de 15 diretórios estaduais do partido. Até o início da próxima semana, alguns desses dirigentes irão a Brasília informar a Temer sobre a oficialização do nome de Requião na disputa interna do PMDB, a ser realizada em convenção partidária com data ainda indefinida.
Portador de um "perfil grego", segundo sua esposa, Requião elogia a diplomacia do governo Lula e algumas de suas políticas, como a de aumento do salário mínimo; diz, no entanto, que é preciso superar a aliança com o "grande capital" mantida, segundo ele, pela administração petista.
De opinião diversa da mulher do governador, a imprensa paranaense vive às turras com o governador, que recentemente ganhou os holofotes após atribuir, em comentário jocoso, o câncer de mama masculino à realização de passeatas gays.
"(Minha relação) Não é de confronto com a imprensa, é de confronto com a chantagem. Há um vezo na imprensa local de agredir para depois pedir uma verba e elogiar. E acabei com isso", diz. "Quer dizer: ninguém pode me chantagear porque eu não disponho de recurso para dar a ninguém".
Requião nega que sua candidatura seja uma jogada para favorecer José Serra nas eleições de 2010. E crítica a submissão de setores do PMDB pelo apoio dado à candidatura Dilma.
"Num jantar, quando muito, se pode escolher a sobremesa, porque quem ofereceu o jantar já definiu o cardápio. Eu não nego a legitimidade de se fazer um jantar, só não se pode subordinar o partido a isso", ironiza.
Sobra ainda para os baixos índices de popularidade de Fernando Henrique Cardoso. "É o beijo da morte", diz, referindo-se a um eventual apoio do ex-presidente aos candidatos em 2010.
Confira a entrevista:
Terra Magazine – Como recebeu os apoio dos diretórios?
Roberto Requião – Veja bem: inicialmente nós estávamos brigando para abrir uma discussão interna no partido, de forma que ele resolvesse discutir um programa. No Paraná a avaliação que nós fazemos do governo Lula é boa, mas nós achamos que há um compromisso muito grande com o capital financeiro, que tomou conta do Banco Central.
Por conta dessa questão dos juros altos?
Não só. É a defesa do grande capital. O Márcio Pochamann, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) diz que 20 mil pessoas, entre banqueiros, famílias de banqueiros e rentistas, faturaram entre R$ 160 e 180 bilhões no ano passado. E nós estamos nessa proposta neoliberal de precarização do trabalho, flexibilização das leis trabalhistas e valorização do capital financeiro, ou seja: enfrentar a globalização com um salário miserável e as vendas de grão e minérios, commodities. É um erro. Seria uma China com menos população. E a ideia tola de que o Brasil se desenvolverá com dinheiro dos outros.
Não existe na história do mundo nenhum país que tenha se desenvolvido com dinheiro alheio; não que os investimentos sejam ruins, desde que bem orientados. Nós precisamos aumentar o mercado interno, o salário – o Lula tem feito isso… Nós precisamos conter o dólar numa faixa de flutuação, porque empresário algum consegue programar seus preços para colocar no mercado se ele trabalha com insumos importados e a referência é o dólar. Precisamos nos livrar do dólar, criando uma moeda sul-americana que nos integre a esse bloco de países que hoje, de uma certa forma, já trabalham sua independência dos grandes países.
Essa candidatura do senhor iria além, e não contra, o processo desenvolvido pelo governo Lula?
É uma continuidade sem o compromisso com o capital financeiro. Tem que acabar com essa história de Banco Central independente. O mundo está funcionando de outro jeito; os países desenvolvidos no mundo têm juros zero, com inflação. Nós temos juros altos sem inflação. O Brasil precisa crescer com aumento do mercado interno, o dólar baixo está acabando com os investimentos no país, quebrando as empresas que não podem concorrer. Nós temos que nos livrar do predomínio do capital financeiro.
O senhor está colocando a sua candidatura bem à esquerda no espectro político…
Você acha que o Obama é muito à esquerda? O que eu estou propondo para você é menos do que ele está fazendo nos Estados Unidos. Ele estatizou a General Motors, bancos… Na verdade, se você quer uma referência, tem o Alexander Hamilton. Ele era o secretário da Fazenda de George Washington no início da república norte-americana. Ele peitou o Adam Smith, uma espécie de porta-voz da Companhia das Índias (risos), que anunciava o liberalismo econômico. O Hamilton controlava a economia dos Estados Unidos apostando no crescimento do mercado interno, no aumento dos salários e na soberania. Ou seja, no desenvolvimento endógeno. Nós temos que propor isso. Nós não podemos mais aceitar essa história de ser uma espécie de plantation, onde cinco multinacionais dominam a agricultura com monocultura.
Curiosamente esse é o modelo de desenvolvimento que o PT está reivindicando para si no governo Lula…
Com uma visão um pouco diferenciada. Guerreiro Ramos (NR: sociólogo brasileiro morto em 1982) propunha se criar uma estrutura nova sem romper de forma instantânea com a existente para não se provocar o caos. Você ia fazendo valer a estrutura nova, e ia superando a estrutura antiga. É um Brasil soberano. Eu acho que o Lula tem muito disso. Mas o acordo com o Banco Central, com essa história da independência, Meirelles, Palocci, foi muito ruim. Foi até certo momento, vamos admitir, necessário para a permanência do Lula, um pacto que ele fez com o capital.
Mas o PMDB tem condições de fornecer suporte político para essa proposta? É um partido bastante fragmentado, não?
Por isso mesmo. Eu não podia fugir, uma vez que fui convocado por esses representantes de diretórios, não representantes oficiais, mas vindos de 14 Estados brasileiros, eu não poderia fugir à responsabilidade de tentar oferecer ao PMDB oxigênio para que ele respire, pense programaticamente e que decida se quer a defesa de um programa para o Brasil, ou se esse programa admite uma candidatura própria. Eu me propus a ser esse candidato a partir de um bom governo no Paraná. Não faria no Brasil nada diferente do que eu fiz no Paraná, com sucesso.
Mesmo sabendo que há posições heterogêneas dentro do seu próprio partido em relação ao que o senhor propõe?
Não, a base do partido pensa assim. O que nós temos é um partido com viés parlamentar que fica preso a necessidades de reeleição devido ao modelo político brasileiro, de liberação de emendas, valores. Isso deu origem ao mensalão, a isso tudo. Mas se o partido tiver a oportunidade de pensar, de raciocinar, ele vai numa posição mais séria. Seria muito ruim eu me negar a isso depois de passar uma vida inteira com esse discurso.
Sim…
Agora, se o PMDB vai me aceitar ou não, é coisa a ser… Eu não tenho dinheiro. Eu tenho dificuldade para fazer uma viagem para fazer uma pregação no partido. Vou tentar fazer isso, mas eu não tenho patrocinadores nem nada. E se tivesse patrocinadores muito significativos, talvez não devesse ser candidato. Talvez nem eu votasse em mim mais (risos).
O senhor disse que a sua candidatura não é uma candidatura anti-Lula. Mas em que medida sua candidatura pode atrapalhar a candidatura da Dilma Rousseff, por exemplo?
Vou devolver a pergunta: em que medida a candidatura da Dilma serve para atrapalhar a minha? Por que eu tenho de me subordinar a isso?
Mas a sua candidatura acaba fragmentando uma base dentro do próprio PMDB que estava pactuada com ela.
Não, não. Você está com o raciocínio invertido. Havia uma tendência clara dos diretórios do sul do país em apoiar o Serra, não havia?
Sim.
Então quem deveria reclamar um pouco de mim agora era o Serra, porque eu estou colocando uma opção diferente da do apoio ao PSDB.
Mas não é muita coincidência que um diretório como o de São Paulo, que sempre apoiou Serra, venha agora apoiar a sua candidatura?
Não. Eu acho que o diretório recebeu a possibilidade de uma opção peemedebista e aceitou, teria dificuldade de sair dela.
Na prática sua presença na corrida eleitoral não influi na sucessão, do ponto de vista da candidatura governista?
Tem que influir pelo ponto de vista do País. Eu quero a definição programática. Daí nós vamos ver se eu posso ser candidato, se eu tenho apoio do partido na eleição. Eu não comecei a administrar o Estado e o interesse público agora. Já fui prefeito, sou governador pela terceira vez, fui senador. Tenho alguma experiência nisso. Não sou um neófito. Não sou um noviço, e com resultados bons.
Que o partido analise isso. Agora, deixar o partido sem a possibilidade de uma análise, resolver tudo em um jantar? Num jantar, quando muito, se pode escolher a sobremesa, porque quem ofereceu o jantar já definiu o cardápio. Eu não nego a legitimidade de se fazer um jantar, só não se pode subordinar o partido a isso. Nem o diretório nacional do PMDB esteve presente.
Só para deixar claro que o senhor, ao se referir ao "jantar", fala sobre o acordo selado entre a ala do PMDB ligada a Michel Temer e a ministra Dilma Rousseff para as eleições de 2010.
Isso está claro. Agora veja mais: o presidente do PMDB do Paraná ligou oito vezes para o Temer, o meu amigo Michel Temer. Todas as vezes dizia que estava ocupado, não podia atender, retornava depois. O Temer foi convidado a vir ao Paraná para discutir um programa de partido, dizer porque ele achava que nós não deveríamos ter candidato, o que justificava essa aliança decdidida em um jantar.
E depois ele não quis ouvir?
Ele não atendeu o telefone. Não fui eu quem telefonei – até acho que se eu ligasse ele atenderia. Mas não atendeu o presidente do PMDB do Paraná, que é o Waldir Pugliesi.
Como o senhor viu isso?
Eu acho que há um distanciamento do partido real. O PMDB do Paraná é governo pela terceira vez. O Paraná tem peso eleitoral, tem peso na convenção do partido. Que tipo de raciocínio é esse? Ficaram pedindo para os deputados não ficarem aparecendo para os deputados federais. Com promessa de quê? Sei lá. Provavelmente, muito provavelmente, de liberação de emendas. E vergonhasamente eles não vieram, mas todas as bases estaduais estavam lá. Eu sou amigo do Michel, não tem esse antagonismo. O que eu quero é que o partido discuta um programa e mantenha essa possbilidade de lançar um candidato, e ofereço meu nome.
Isso ainda vai ser decidido em convenção…
Claro, só pode ser decidido em convenção. E na semana que vem, ou no fim dessa semana, os diretórios do Paraná, do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina irão a Brasília comunicar Temer que estão me inscrevendo para disputar a convenção. E na convenção, como preliminar, quero apresentar um programa de governo.
O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um dos fiadores da aliança com Dilma, disse que o lançamento da sua candidatura é "tardio". Como vê isso?
Não conheço o Eduardo Cunha pessoalmente. Eu daria uma resposta na tradição judaica: "É tarde, mas ainda é tempo".
A candidatura do senhor teria como objetivo acumular forças ou concorrer com chances reais de vitória?
Depende da resposta do partido. Tem muitas variáveis aí. Tem pesquisa de opinião, sobe Dilma, cai o Serra… Aliás, ele não caiu. Ele caiu com a participação do Ciro Gomes. Tavlez com a minha participação caísse ainda mais. A Dilma ainda não subiu.
Mas o próprio diretor do Instituto Sensus disse que Serra caiu 15 pontos ao longo de um ano…
Ele não caiu 15 pontos. Não diga isso. Com a entrada do Ciro Gomes ele perde 15 pontos. Há um ano não tinha o Ciro nas pesquisas. Se você colocar o nome de três, quatro, vai começar a dividir. Pesquisa agora não vale nada. O Collor não tinha pontuação alguma e virou presidente da República. O Lula também, quando se elegeu a primeira vez.
Mesmo que a candidatura do senhor não vingue, ela não pode servir como moeda de troca para que o PMDB "cobre mais" pelo apoio à ministra Dilma?
Eu não vendo e não compro. Tenho uma história de vida e um comportamento político. Não troco candidatura por cargo na Petrobras, vice-diretoria nos Correios, não é por aí. É exatamente isso que eu quero evitar. Que a convenção do PMDB se trasforme em um negócio. O PMDB tem que ter um programa, analisar esse programa e se ele for convincente, se houver um candidato – que eu pretendo que seja eu – que o partido possa levar para frente, que o PMDB saia e ganhe a eleição. Agora, o que quer o PT hoje? Vamos com franqueza: o que pretende o meu amigo Lula dessa forma, sem conversar com o partido, conversando com deputados que dependem do orçamento? Quer comprar horário do partido? Porque é evidente que o partido sairá em pedaços se isso vingar, e o próprio apoio (a Dilma) não existirá de forma consistente.
Na verdade o partido já está dividido, não?
Sim, mas ele só se unifica com a discussão programática. Agora, nesse leilão provavelmente se negociaram participação no governo, cargos, ministérios e emprego. Quem não negociou saiu muito aborrecido. Se nós vamos discutir programa, não é o negócio possível. A negociação se dá em cima de uma proposta. É exatamente o contrário. Eu sou governador, apoiei Lula e não indiquei um cargo no governo federal. Não me preocupei com isso. Aliás, se eu tivesse gente muito boa (para indicar) eu traria, como trouxe, para o meu governo, e não para o dele (de Lula).
O senhor tem um histórico de confronto com a imprensa, que retrata o senhor como sendo portador de um perfil agressivo, de enfrentamento…
Não é de confronto com a imprensa, é de confronto com a chantagem. Há um vezo na imprensa local de agredir para depois pedir uma verba e elogiar. Aí eu cortei a verba de comunicação e passei a me comunicar diretamente só pela TV Educativa. E acabei com isso. Quer dizer: ninguém pode me chantagear porque eu não disponho de recurso para dar a ninguém. Diziam que iam acabar comigo, mas parece que não deu certo. Agora o meu perfil minha mulher diz que é grego (risos).
O seu "perfil grego" pode atrapalhar de alguma maneira uma eventual candidatura?
Ah, do ponto de vista da imprensa? A Folha de S. Paulo já disse que o que fizemos em Curitiba foi um convescote. Mas eu não tô nem aí. No Paraná eles não me derrotaram. Na última eleição jogaram desesperadamente contra mim e eu ganhei eleição. O problema é você fazer o que você acha que é certo.
Essa é uma visão um pouco idealista, não?
Tão idealista e tão impossível que eu sou governador pela terceira vez com a mesma oposição, fui senador da República e prefeito da capital do meu Estado. Eu acho que se eu mudasse, eu não saberia como melhorar o meu desempenho eleitoral.
E o senhor nunca contou com o apoio da imprensa em todo esse tempo?
Não, pelo contrário: (contei) com uma agressão violenta da imprensa. Mas não acredito que isso valha para o Brasil inteiro. Quando eu me coloquei contra a Lei de Patentes, eles bateram em mim, quando eu briguei contra o pedágio… Veja, hoje o pedágio no Paraná, privatizado no governo FHC, custa 10 vezes mais que o pedágio mais recente implementado pelo governo Lula. E a imprensa toda ficou contra mim, porque ela respondia a seus financiadores. É natural que seja assim, só não é bom.
Para finalizar, um fato recente do governo Lula: o que o senhor achou da visita do presidente do Irã, Mahmmoud Ahmadinejad, ao Brasil?
Ele deveria receber e passar um pito nele. Negar o holocausto é uma loucura. Agora, veja bem: eu defendo o direito dos palestinos terem pátria, mas isso não me transforma num imbecil de um antissemita. A política externa do Lula é muito boa, mas nós temos de discutir, até para livrar o País dessas pressões, a questão do neoliberalismo, do Consenso de Washington.
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