O Chile ocupa atualmente a primeira posição nos rankings de acesso a água e esgoto na América Latina, com um sistema em que predomina a atuação do setor privado e com indicadores bem superiores aos do Brasil.
O modelo chileno, que passou por uma série de mudanças em quase cinco décadas, está longe do consenso e também enfrenta críticas, apesar dos bons resultados, que são atribuídos também à capacidade do Estado de planejar e fazer a regulação desses serviços naquele país.
Dados da JMP global database, parceria entre Unicef e OMS (Organização Mundial da Saúde), mostram que o Chile tem 79% da população atendida por rede de esgotos. No Brasil, são 49%. No país andino, 99% da população tem acesso a água não contaminada, ante 86% entre os brasileiros.
Os chilenos aparecem na 45ª e 46ª posições nos rankings globais de acesso a água e esgoto, respectivamente, enquanto o Brasil está em 84º e 76º, considerando um grupo de cerca de 130 países. Levanto em conta apenas a América Latina, o Chile está em primeiro lugar nos dois quesitos, segundo dados de 2020.
Empresas privadas de saneamento são responsáveis pelo atendimento de 94% da população urbana do país. Ao final da ditadura de 1973-1990, eram 9%.
Naquela época, o país já havia alcançado índices de 90% no acesso à água e 70% em esgoto, após duas grandes reformas na legislação, com a criação de um órgão nacional responsável pela regulação, melhora na gestão das empresas públicas, revisão de subsídios e surgimento de poucas empresas privadas.
De acordo com um estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria), a situação na prestação dos serviços de saneamento no país pode ser explicada também pelas mudanças ocorridas após a redemocratização, entre elas, o avanço das privatizações a partir do novo marco de 1998.
Essa legislação mudou o papel do Estado de empresário para regulador e transformou as empresas públicas em sociedades anônimas. Também foi aberto o caminho para concessões e para definição de tarifas com base nos custos da prestação dos serviços, com subsídios que, atualmente, alcançam 12% da população atendida e correspondem a 5% do faturamento do setor.
Em um primeiro momento, o governo se manteve como acionista das empresas privatizadas, com poder de veto e utilizando o lucro da sua participação para financiar o serviço para famílias de baixa renda. Após dez anos, essa participação acionária, de 35%, foi reduzida para cerca de 5%.
“Resultante do processo de privatização, observa-se melhora da produtividade laboral, maior nível de investimentos e remuneração, nível de tratamento próximo a 100% e alto padrão de qualidade dos serviços. Não obstante, ainda há desafios para a transferência dos ganhos em eficiência às tarifas, e na melhora da correlação entre o nível tarifário e salários”, diz o trabalho da CNI.
De acordo com a entidade, os resultados também se devem à situação de eficiência alcançada pelas empresas estatais antes da privatização, algo que não era realidade, por exemplo, no Peru, onde o processo de concessão ao setor privado permaneceu travado.
Um estudo publicado pelo BNDES em 2022 analisa a questão do saneamento em quatro países latino-americanos (Chile, Bolívia, México e Peru). Todos eles estão mais bem colocados que o Brasil no ranking de acesso a esgoto, mas apenas o Chile tem indicador superior na questão da água.
Ao analisar esses casos, os pesquisadores concluem que a capacitação institucional do poder público foi muito importante para o sucesso no avanço da cobertura do saneamento nesses países, o que inclui a capacidade de diagnosticar necessidades de investimento, planejar a expansão dos serviços, contrair financiamentos, prestar assistência técnica e fazer a regulação.
“É também de alta relevância a priorização do saneamento na agenda política do país e de seus entes federados”, diz o estudo.
Fonte: Folha Uol
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