A vice-diretora geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mariângela Batista Galvão Simão, disse nesta quarta-feira, 12, aos deputados da Frente Parlamentar do Coronavírus, que ainda é necessário muitos passos para se chegar a uma vacina eficaz e segura contra a covid-19, e mesmo após a sua comprovação, a produção em massa para imunização geral não será tarefa fácil ou rápida.
“Vacinação de massa ainda é um sonho futuro e teremos que conviver com isso por algum tempo” lamenta a vice-diretora.
“Sobre a previsão de vacinação em massa, uma coisa é certa, vai ser um quantitativo pequeno de vacinas. Até final do ano, esperamos que se tenha até dois milhões de doses” afirmou a médica curitibana responsável na OMS pela área de acesso a medicamentos, vacinas e produtos farmacêuticos.
Mariângela Simão afirma que, neste caso, as populações de maior risco devem ter prioridade na distribuição. “Toda vida tem valor igual, mas temos que ver que aqueles na linha de frente vão ter que ser protegidos primeiro. Além de proteger o sistema de saúde, também vacinar as pessoas que têm maior risco de morrer que são pessoas acima de 65 anos ou pessoas que têm alguma doença crônica”, explica.
O coordenador do colegiado, deputado Michele Caputo (PSDB) disse que o propósito da frente é colocar todos os impactos sanitários e socioeconômicas para debate. “Temos deputados com projetos e o por exemplo, eu acolhi um pedido da enfermagem sobre a questão do repouso nos hospitais parece que vai entrar em pauta semana que vem”, disse.
O que queremos é preservar vidas e superar esta crise o quanto antes”, completa Michele Caputo.
Plataformas – De acordo com a vice-diretora, existem atualmente cerca de 160 estudos da vacina, de diferentes plataformas. “Tem algumas que utilizam plataformas novas, que nunca teve um vacina feita desse jeito, por exemplo as vacinas de RNA mensageiro. E temos também vários desses candidatos que utilizam plataformas mais tradicionais, que é o vírus atenuado ou o vírus inativado/vírus morto” esclarece, afirmando também que as vacinas de plataformas tradicionais são mais fáceis de se aumentar a capacidade de produção.
Desses 160 candidatos, 140 estão na fase pré-clínica, ou seja, estão na fase de pesquisa de laboratório em animais, onde testa-se o produto para averiguar se há uma reação epidemiológica. “Historicamente, só 10% dos candidatos de vacina passam para uma fase clínica. Desses que entram na fase clínica, apenas 17% se comprovam eficazes e seguros. Então dizer que um produto está na fase 3, na fase adiantada, não quer dizer que será eficaz e seguro”.
A fase de ensaios clínicos é dividida em fases 1, 2 e 3. Na primeira se testa em um número pequeno de pessoas, onde são avaliados a segurança e alguns aspectos de reação imunológica, verificando se o vírus vai desencadear anticorpos. Na fase 2, o teste é ampliado para centenas de pessoas, onde se coleta mais informações sobre a segurança e qual a dose necessária para criar uma reação imunológica. “Uma vez que se comprovou nessa fase que funcionou, passa-se para a fase 3 que é a fase mais adiantada. Nesse momento no mundo, temos apenas quatro candidatos de vacinas que estão na fase 3.” informa.
Testes – Mariângela Simão adianta que na fase 3, quando se testa em milhares de pessoas, é que se comprova a segurança e a efetividade de uma vacina. Nesta fase, é realizado um grupo-controle, onde tem pessoas que recebe a vacina e outras que recebem placebo para poder realizar uma comparação.
Ainda existe uma fase 4, que é a fase da farmacovigilância, pois quando um produto ultrapassa 10 mil aplicações, é esperado que apareça os efeitos colaterais, que devem ser devidamente registradas as taxas de ocorrência, presentes na maioria das bulas de medicamentos. “Quando se aplica 100 milhões de vacinas, vão aparecer efeitos colaterais que não apareceram nos primeiros 10 mil.” exemplifica a doutora.
“Todas essas fases são extremamente importantes, após a fase 3, tendo todos os estudos analisados e disponibilizados de forma transparente, você procede para o registro de uma autoridade regulatória. No caso do Brasil é a Anvisa, no sistema internacional, existem umas oito entidades que servem de referência, como o americano, o europeu ou o japonês, para os países que não tem uma órgão regulatório capaz de fazer essa análise. E ainda existe a pré-qualificação que a OMS disponibiliza para esses países.” explica a vice-diretora.
Laboratórios – São 26 candidatos vacinas em fase clínica, apenas quatro na fase 3. Uma está sendo realizada pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Brasil, e que será comercializada pela multinacional AstraZeneca, e que utiliza de uma plataforma tradicional. Outra está sendo desenvolvido pelo laboratório Moderna, sediada nos EUA, que utiliza uma plataforma nova, do RNA mensageiro, o que torna a vacina mais cara e mais difícil de ser produzido por outros países que não possuem essa tecnologia.
Os outros dois candidatos de vacina são chineses, uma produzida pela empresa Cansino em parceria com Instituto de Biotecnologia de de Pequim e outra do Instituto de Tecnologia de Wuhan, as duas utilizam o vírus morto, que se comprovada eficácia, será de fácil replicação por outros países. No Brasil existe uma outra vacina em fase 2, realizada pela biofarmacêutica Sinovac, da China, em parceria com o Instituto Butantã, de São Paulo.
Em relação à vacina produzida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia, segundo a médica, não há informações sobre o estágio real de ensaios clínicos. “A OMS está em contato direto com o governo russo, existe um interesse do governo em pré-qualificar a vacina para poder entrar no mercado internacional.” informa.
“Estamos aguardando maiores informações sobre a eficácia e a segurança por que de acordo com as informações disponíveis, essa vacina ainda não estaria em fase 3.” indaga a vice-diretora que informa que vai caber a Anvisa fazer a análise dos dados que a estatal russa fornecer, para decidir se será autorizada a aplicação em brasileiros. “Essas informações precisam ser repassadas tanto para o registro da fase de ensaios clínicos no Brasil, como para transferir tecnologia para produção local.” complementa.
Eficácia – A vice-diretora ressalta as inúmeras incertezas em relação aos candidatos de vacinas, pois estar na fase avançadas dos ensaios clínicos não garante que ela irá funcionar. “Mesmo depois de encontrarmos uma vacina eficaz e segura na fase 3, teremos outras questões. Nem todas as vacinas servem para todos os grupos, algumas não funcionam bem em pessoas acima de 65 anos por conta da resposta imunológica menor. Elas também não são testadas em mulheres gestantes.” explica a médica.
De acordo com Mariângela Simão, após encontrar uma vacina eficaz e segura começam outros desafios como garantir o acesso equitativo universal entre todos os países. “Isso é um desafio, pois uma grande parte desses candidatos de vacina estão comprometidos por acordos bilaterais. Os EUA, por exemplo, assinou com dez produtores de vacina, comprando adiantado esses candidatos que ainda não foram comprovados, comprometendo metade do mercado. A União Européia fazendo um sistema de compras semelhante. Enquanto isso nós da OMS, junto com Iniciativa Global de Vacinas (GVAP) que tenta dar acesso global aos países que aderirem como o Brasil.” ressalta.
Para a vice-diretora a iniciativa é muito importante para países como o Brasil, que só conseguiu investir em poucos candidatos de vacina, possibilitando o investimento em vários candidatos de vacina ao mesmo tempo, enquanto assegura o acesso para os países pobres que não teriam a capacidade de investir em vacina de outra maneira. “Os Estados Unidos investiu em dez candidatos, a União Européia em seis, a Inglaterra em quatro. A GVAP da OMS, que conta com a participação do Brasil, em quinze”, comemora Mariângela.
Ela concluiu ressaltando a necessidade de estabelecer critérios de vacinação, em relação aos agentes de saúde, idosos e pessoas de doenças crônicas de todos os países de forma equitativa, sem prioridade entre país rico ou pobre. Segundo a doutora, isso será necessário durante o período inicial da produção de uma vacina certificada pelas dificuldades impostas à produção de uma vacina em escala planetária habitada por bilhões de pessoas.
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