Isolamento político do chefe da República também aumenta diante do aval das cúpulas do Legislativo e do Judiciário ao ministro da Saúde
Os ministros Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia) uniram-se nos bastidores no apoio ao colega Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e na defesa da manutenção das medidas de distanciamento social e isolamento da população no combate à pandemia do coronavírus.
O trio formou uma espécie de bloco antagônico, com o apoio de setores militares, criando um movimento oposto ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro, contrário ao confinamento das pessoas, incluindo o fechamento do comércio.
Com isso, o isolamento político do chefe da República aumenta diante do apoio que Mandetta já tem da cúpula do Legislativo e do Judiciário —nesta segunda-feira (30), o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, destacou a necessidade do isolamento social.
Nos últimos dias, Moro deixou claro a pessoas próximas e a colegas de Esplanada a sua insatisfação com as recentes atitudes do presidente, como um passeio a pontos de comércio de Brasília no domingo (29).
Segundo aliados, Moro se disse “indignado” com a decisão de Bolsonaro de romper o acordo feito, no sábado (28), com ele e com outros membros do primeiro escalão do governo no sentido de buscar um discurso afinado sobre a pandemia.
O ministro ficou incomodado, por exemplo, por não ter sido chamado para participar de um encontro, também no sábado, com o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes e outros ministros do governo para discutir a judicialização das ações federais.
A posição do ex-juiz da Lava Jato sobre a pandemia se tornou pública por meio de suas redes sociais. Ele disse estar em “auto isolamento” no último fim de semana.
A avaliação feita por Moro a aliados é a de que o presidente está descontrolado, deixando aflorar sentimentos de raiva de supostos inimigos.
Moro não reza a cartilha do presidente sobre a pandemia. Ele tem defendido, além do isolamento, saídas técnicas para enfrentá-la. Exatamente o contrário das falas de seu chefe. Em uma reunião, por exemplo, o ministro disse que a Presidência não pode ser tratada como um “patrimônio pessoal”.
Em entrevista recente à Folha, Moro se irritou ao ser questionado sobre o comportamento de Bolsonaro.
A aliados o ministro disse que não colocaria o cargo à disposição do presidente e que não era o momento de abandonar o barco, apesar da pressão que tem sofrido de pessoas próximas para sair.
Além de Moro, Guedes, considerado fiador econômico do governo, manifestou seu apoio às ações de Mandetta em conversas reservadas com políticos no fim de semana.
Publicamente, disse em duas ocasiões que não vê motivos para que o país coloque fim ao isolamento, sempre sinalizando em aceno ao titular da Saúde.
Em conversas com prefeitos e investidores, o chefe da economia disse que, como pessoa, preferiria ficar em casa. A declaração dele enfraquece a tese defendida por Bolsonaro de que é necessário retomar o funcionamento do país para que a crise econômica não se torne mais aguda.
Em outra ponta, militares —parte importante de sustentação do governo— afirmaram que estão de acordo com as medidas adotadas pelo Ministério da Saúde e que estão à disposição para colocar em prática qualquer orientação de nível nacional.
A cúpula das Forças Armadas também concorda com a preocupação de Moro de que, num segundo momento, as questões de segurança poderão se agravar.
Em entrevista à Folha no domingo (29), o vice-presidente, general Hamilton Mourão, um dos interlocutores da ala militar, declarou que o coronavírus é sério e apontou falhas na coordenação de combate à doença.
O apoio desses personagens a Mandetta deixou o Palácio do Planalto em alerta.
Bolsonaro reagiu indo visitar o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e ex-assessor do seu governo. O presidente esteve na residência do militar pela manhã. No encontro, pediu o apoio dele ao discurso contra a quarentena total.
Logo depois, o ex-comandante, ainda a voz mais respeitada das Forças Armadas, postou em sua conta de Twitter uma mensagem condenando “ações extremadas que podem acarretar consequências imprevisíveis” e em apoio ao presidente da República.
Diante desse movimento de sua equipe, Bolsonaro tem se apoiado nos filhos, na ala mais ideológica e no diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres, além do ex-ministro Osmar Terra, que é médico e foi demitido do Ministério da Cidadania em fevereiro deste ano.
Torres, aliás, é considerado o preferido de Bolsonaro em uma eventual queda de Mandetta, que tem tido também o respaldo da cúpula do Congresso e de seu partido, o DEM.
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