Drauzio Varella afirma que “a informação é crucial” no enfrentamento de epidemias como o coronavírus. Segundo ele, o Brasil – e o SUS, em particular – “está preparado” para atender à demanda atual. E o uso de máscaras? “Só para quem está com sintomas gripais ou gripado mesmo”, explica o médico, nesta entrevista a Sonia Racy e Cecília Ramos. Ele assegura, ainda, que “a repercussão do caso está em dissintonia com a realidade dos dados até agora divulgados” .
Segundo Varella, se uma pessoa estiver tossindo ou febril, não precisa correr para um hospital. “Este tipo de atitude só sobrecarrega o sistema”, diz, lembrando, com um toque de ironia, “que pronto-socorro é o melhor lugar pra pegar …coronavírus”. Este vírus, na sua opinião, se destaca por dois fatores: é de rápida disseminação e de baixa mortalidade.
Com a tranquilidade de quem conquistou posto de “figura unânime”, o oncologista fala com clareza sobre muitos temas, demonstrando sua habilidade também de comunicação. “Os amigos dizem que levo jeito. Mas é treino!”, afirma.
Com mais de 2 milhões de inscritos no seu canal no YouTube, ele prepara, no momento, séries sobre ansiedade e homossexualidade. Também deve gravar este ano no Sudão. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Acha que o Brasil está mesmo preparado para combater o coronavírus?
Está. Acho que o mundo, de um modo geral, está mais preparado. E o SUS tem condições de atender. Só vai depender da quantidade de casos. Agora, a repercussão do coronavírus está em dissintonia com a realidade dos dados. Não há essa calamidade. Todo mundo que espirra vai para o pronto-socorro. Aliás, se você estiver tossindo e correr para o pronto socorro, lá é o melhor lugar pra pegar coronavírus.
O que se sabe de mais novo para enfrentar isso?
Estão tentando desenvolver antivirais que possam reduzir a patogenicidade do vírus. A taxa de mortalidade não é alta. Dados da China mostram que não há mortes de crianças de 10 anos pra baixo. Acima dos 80, o índice de morte é 4,8%. É parecido com índice de infecções respiratórias. E 90% das pessoas que venham a pegar esse vírus, transformarão isso num resfriado comum.
De que forma deveremos nos prevenir?
Olha, se você convencesse a população a usar máscara na rua já melhorava bem. Para essas coisas é preciso educar a população. Você vê esse nível de civilização no Japão.
Em que situações no Brasil deveríamos usar máscara?
Quando você enfrenta aglomerações. No metrô, por exemplo. Mas por enquanto, no Brasil, acho que não há indicação pra usar máscara – é só para quem está com sintomas gripais ou gripado mesmo. Não é o caso de recomendar máscara pra todo mundo. O Ministério da Saúde tem feito um bom trabalho, informando e tomando as providências necessárias.
O sr. costuma dizer que nos últimos 10 anos tivemos 13 ministros da Saúde que ficam, em média, 10 meses no cargo. O atual, Luiz Henrique Mandetta, completou um ano. Qual sua avaliação?
O que é um recorde, né? Acho que, nesse primeiro ano, foi bem. Estive uma vez com ele. Não vejo uma área lá que tenha sido destruída ou desorganizada. Ele teve o bom senso de manter pessoas competentes nos postos chaves. Na Saúde não houve erros graves como na Educação.
Ainda hoje se abre muita faculdade de Medicina. Que diz disso?
Seguimos repetindo os erros do passado. Todo mundo quer abrir faculdade de Medicina. Por quê? Numa faculdade dessas, você paga uma média de R$ 8 mil a R$ 10 mil. Portanto, é para a classe alta. Como selecionar? Advogado tem a OAB e o mercado seleciona. Não está certo fazer exame no fim do curso de Medicina. Devia ter exame no 2º, 4º e no 6º anos. Seria uma forma de se medir a qualidade dessas faculdades.
Como defensor do SUS, que avaliação faz desse sistema?
O SUS tem tudo de que precisa. Podia avançar mais depressa e podia se organizar melhor, mas ele é uma iniciativa gigantesca que ninguém tem, à qual os brasileiros não dão valor. Mas o dinheiro é insuficiente. O SUS está fazendo 32 anos. Tem o maior programa de vacinação do mundo, gratuito. E aqui o transplante também é de graça. Não vale nada isso?
O programa Bolsa-Família é mais reconhecido.
Bem mais. Mas comparado ao SUS é uma pequena ajuda, quase uma esmola. O SUS é o maior programa de distribuição de renda. Responde por 90% das pessoas operadas no País.
E a imagem que guardam dele é de fila nos hospitais…
Pegue um pronto-socorro lotado. Ponha um médico na porta e pode apostar que 90% das pessoas voltarão para casa. Porque são pessoas com problemas simples que podem ser resolvidos na atenção primária. Na Inglaterra, nem na medicina privada você consulta um especialista sem passar por clínico geral.
Por que não se faz isso aqui?
Nós temos a estratégia de saúde da família. É um dos melhores programas de saúde pública do mundo. O José Serra, que foi o nosso melhor ministro da Saúde, aumentou o número de equipes. Deu certo e é barato. Por isso eu digo: com essa atenção primária, dá pra resolver aqueles 90% dos casos da chamada “fila do SUS”. Mas no Brasil não temos uma política de saúde pública.
E escolhem o ministro, muitas vezes, por indicação política.
Pois é… O Ministério da Saúde é cota de partido político no Brasil. Isso não dá certo. Nesse cargo é preciso ter experiência em administração pública.
Que diz dos planos de saúde privados, cada vez mais onerosos?
Eles embarcaram num caminho muito errado. Qual era a propaganda que aparecia na TV? Ressonância magnética, transporte de helicóptero. Venderam essa imagem tecnológica. O paciente diz: “Tô com dor de cabeça”… e o médico pede ressonância, e o paciente faz. Na cadeia, as mulheres que atendo também me contam isso. Dar um cheque em branco na mão do segurado não é viável.
É uma questão cultural, então?
Sim. Criamos no Brasil essa cultura de pedir exames de laboratório. Observe os hospitais: pega um Sírio, Einstein, Osvaldo Cruz. Todos! E você vai ver a quantidade de exames desnecessários. Agora pegue um laboratório desses grandes, o Dasa, Fleury, e peça que publiquem quanto por cento dos exames que eles fazem dão “normais”.
O sr. sempre teve talento para se comunicar?
Desde menino sou professor. Entrei na faculdade aos 18 anos e comecei a dar aulas em cursinho. Aos 22, fundamos o Objetivo, que chegou a ter 25 turmas de 400 alunos. Eu dava 25 vezes a mesma aula. Amigos dizem que levo jeito… Mas não é isso. É treino! Eu estudo também. Se vou falar num vídeo sobre como dormir melhor, eu não tenho ideia. O que faço? Vou estudar antes de falar.
Que diz do cigarro eletrônico?
Aí você está lidando com uma indústria criminosa. Quer coisa mais terrível do que colocar sabores nesses cigarros? Menta, maçã, até chocolate! Pra viciar as crianças! E a Anvisa não consegue proibir porque a pressão dessa indústria de cigarros é brutal. Temos que ter programas públicos para fumantes! Fui fumante por 27 anos, sei que é difícil parar.
De todas as suas funções, qual lhe dá mais prazer?
Difícil dizer. Mas de fazer medicina com a mão eu gosto muito. E de ensinar e escrever.
O sr. já foi alvo de fake news?
Demais. O que mais me atinge são essas propagandas falsas de remédios que põem minha fotografia, como se eu estivesse indicando remédios para dores articulares, cura de diabetes, Alzheimer.
Já enfrentou alguma situação mais séria?
Sim. O Procon de Alfenas disse ter recebido reclamação de uma pessoa que comprou esses remédios e nunca os recebeu. Fake news é uma coisa da qual não se tem defesa. Agora o Facebook, Instagram, Twitter, os diabos, deveriam ter alguma responsabilidade. Estão entregando as ferramentas para alguém dar golpe na praça e não têm nenhuma responsabilidade nisso?
Como é sua relação com as redes sociais?
Comecei o site em 2002. Cresceu demais, aí vieram o Twitter, Facebook e Instagram. Mas não tenho esses aplicativos no celular. Não fotografo meu café da manhã. É tudo sobre o site. Os amigos mandam coisas, a equipe seleciona… Meu trabalho é educativo.
O que está preparando para o canal no YouTube?
Temos planos para gravar uma série sobre homossexualidade. Também recebemos convite do Médicos Sem Fronteira para fazer uma série no Sudão. E teremos outra sobre estresse e ansiedade. No ano passado, produzimos uma sobre depressão. Muita gente me parava na rua pra falar que teve depressão. Nunca vi uma coisa dessas!
Por que eles não revelam?
Têm medo de que os outros considerem uma fraqueza, especialmente quando envolve questões profissionais. Se você pega as pessoas do mercado financeiro, depressão é a grande causa de absenteísmo. Este ano também estou tentando viabilizar um projeto sobre o Saúde da Família. Mostrar como isso funciona. Como é que um projeto desse não é ativado? O Saúde da Família representa 16% do investimento do orçamento do ministério. A ideia é elevar pra 22% até 2022. Estão no caminho certo. O único problema é que a gente não sabe se muda o ministro em 2022.
Como é sua vida pessoal?
É essa aqui (o trabalho). Fora disso eu corro, escrevo. São as atividades lúdicas que tenho. Isso me deixa num bom ponto de equilíbrio.
Quanto está correndo?
Entre 10 e 20 km. Chegando perto das maratonas eu corro mais. A próxima é no mês que vem, em Londres. Já corri as outras cinco grandes mundiais – Chicago, Boston, Nova York, Tóquio, Berlim. Eu espero conseguir Londres. Não é fácil.
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