Germano Oliveira, Istoé
Lava Jato agoniza e os sinais que apontam para o seu desfecho estão por toda parte. O mais evidente deles veio com a decisão do STF, por 7 a 4, de anular sentenças e exigir que réus delatores se pronunciem nas alegações finais dos processos antes que os réus delatados. O entendimento do Supremo poderá provocar a revisão de inúmeras sentenças, em especial, a que condenou Lula a 12 anos de cadeia no caso do Sítio de Atibaia. Mas a postura dos ministros nesta quarta-feira 2 não foi o único petardo desferido contra a operação. Ela já vinha sendo alvejada e, por consequência, desmoronando de maneira paulatina nos últimos meses. A aprovação no Congresso da Lei de Abuso de Autoridade, apesar de amenizada pelo presidente Jair Bolsonaro com alguns vetos, contribuiu para reprimir ações de magistrados contra a corrupção. O vazamento de conversas roubadas criminosamente de procuradores, por mais que não tenham comprovado irregularidades, também concorreu para enfraquecer a operação. Até a insana ameaça do ex-procurador-geral Rodrigo Janot de matar o ministro Gilmar Mendes e depois se suicidar, pesou no desgaste.
Na verdade, a Lava Jato começava a fraquejar quando o então juiz Sergio Moro resolveu deixar a Justiça Federal para assumir o posto de ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro. Afinal, foi ele quem imprimiu cores e vitalidade à maior operação de combate à corrupção da história recente do País. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ logo depois do anúncio de Bolsonaro em outubro, Moro tentou amenizar o baque. Disse que outros juízes assumiriam seu lugar e que a operação permaneceria altiva e pujante. Ledo engano. Desde que Moro tirou a toga de juiz e virou político, houve uma inversão de papeis. Os agentes da lei, como Moro e o procurador Deltan Dallagnol, passaram a ser suspeitos de terem cometido crimes, a ponto de Lula afirmar que só deixaria a prisão se o ministro ficasse preso no seu lugar. Já os foras da lei, escorados por ações inclusive de habeas corpus concedidos pelo STF, aos poucos buscam a condição de vítimas.
Se ainda não constitui a pá de cal sobre a Lava Jato, a decisão do STF desta semana faz uma correção de rota substancial na operação, que pode aniquilá-la, já que inúmeras sentenças correm o risco de serem anuladas. A primeira sentença de Moro anulada pelo STF foi a do ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, condenado a 11 anos de prisão por corrupção. A 2ª Turma não só anulou a sentença de Moro como também mandou que a ação voltasse à fase de alegações finais na primeira instância. Não significa garantia de que ele será absolvido, mas foi sem dúvida um fator desestabilizante para a Lava Jato, uma vez que desmoralizou uma sentença do ministro da Justiça, até então considerado acima de qualquer questionamento.
O fio do novelo
Como em um novelo de linhas, o caso Bendine puxou o do ex-gerente da Petrobras Marcio de Almeida Ferreira, também condenado por corrupção e lavagem de dinheiro a 10 anos de prisão por Moro. Alegando que ele havia se posicionado no processo no mesmo momento que seus delatores, o ex-gerente também acabou beneficiado pelo STF na quarta-feira 2: sua sentença foi anulada e o caso voltará para a primeira instância. Mais um golpe dolorido na Lava Jato. Os dois episódios serviram de pretexto para o STF admoestar os magistrados responsáveis pela operação, como se fossem à desforra.
O presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli, completou a votação na quarta-feira 2, proferindo um voto pela correção de rumos na Lava Jato. Ficou faltando a modulação de como serão feitas as revisões nos processos. Toffoli quer seguir a proposta do ministro Alexandre de Moraes, segundo a qual só teriam direito à revisão da sentença os réus delatados que pediram para se pronunciar depois dos delatores ainda na primeira instância e que, na ocasião, não haviam sido atendidos pelo juíz. Como a maioria dos ministros não queria uma definição do processo na reunião marcada para a quinta-feira 3, Toffoli foi pressionado a cancelar a sessão. Não há uma nova data para a decisão final. Mas o viés contrário à Lava Jato é evidente.
Dias Toffoli fez questão de frisar em alto e bom som que repudiava “os abusos e excessos” dos procuradores. “Quando se lida com o contraditório e ampla defesa, o réu fala por último. Essa é uma lição que tem 800 anos”, fez coro o ministro Gilmar Mendes. O voto de Alexandre de Moraes, que formou dissidência com o relator Edson Fachin, serviu para orientar o caminho a ser trilhado pelo tribunal, limitando o efeito retroativo da medida caso a caso. Pelo entendimento do magistrado, a ideia é rever sentenças somente dos réus que se sentiram prejudicados por fazerem alegações finais depois dos delatores com posição manifestada na primeira instância. O procurador Deltan Dallagnol considerou a decisão como “um tremendo retrocesso” no combate à corrupção. Mais um golpe na Lava Jato, segundo ele. Já Gilmar, aproveitou a maré favorável para provocar o ex-juiz Sergio Moro. “Não há dúvidas de que Moro era o verdadeiro chefe da força tarefa de Curitiba. E quem acha isso normal não está lendo a Constituição”.
Torpedo de todo lado
A Lava Jato já havia sofrido escoriações graves com a aprovação da Lei de Abuso de Autoridade pelo Congresso. A nova lei embute uma série de artigos capazes de inibir a ação de magistrados no combate à criminalidade. O presidente Bolsonaro, pressionado por Sergio Moro, bem que tentou vetar os pontos dramáticos que atingiam juízes, procuradores e policiais, mas os parlamentares fizeram questão de derrubar vetos importantes. Um deles é potencialmente mortal para a Lava Jato. Por exemplo, juiz que decretar prisão preventiva de bandidos de forma equivocada, poderá ser punido. Moro classificou a manutenção do artigo como “preocupante”, pois juízes já se recusavam a decretar prisões para não correrem o risco de punições. Apesar dos vetos, as digitais de Bolsonaro podem ser facilmente encontradas no processo de enfraquecimento da Lava Jato. Para proteger o filho Flávio, limitou os poderes da Receita, Polícia Federal e Coaf, braços fundamentais da operação. Há quem diga que, aliado a outros atores políticos e por que não jurídicos, o presidente foi cirúrgico.
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