Filipe Barros
Qualquer debate sobre educação domiciliar – ou homeschooling – deveria começar com uma lista que envolve em torno de 60 nomes. Faço questão de citar alguns: Estados Unidos, Canadá, Portugal, Áustria, França, Nova Zelândia e Austrália. Todos são países desenvolvidos, com índices de qualidade de vida e educacional que superam em muito os números brasileiros. Todos têm a educação domiciliar como modalidade educacional legitimamente reconhecida ou regulamentada.
É provável, contudo, que os detratores dessa forma de ensino apelem ao argumento de que, justamente por serem países de primeiro mundo e não compartilharem dos problemas que o Brasil enfrenta, não deveriam servir de parâmetro. Essa linha de raciocínio tem fragilidades evidentes, mas nem sequer é preciso expô-las. Basta prosseguir com a lista. Nela estão nossos vizinhos Chile e Colômbia, além de nações caribenhas, como Bahamas, Barbados e Jamaica. A África do Sul regulamentou o homeschooling em 1996. A ilha asiática de Taiwan o fez em 1999, e no ano seguinte foi a vez de Cingapura. Até a Rússia, com todo o seu passado de comunismo e controle estatal, já regulamentou a prática, tornando-a completamente legítima em todo o seu território desde 2012.
Não é difícil supor que grande parte desses países enfrentou questionamentos semelhantes aos levantados no Brasil. O da falta de socialização, por exemplo, é o mais fácil de ser derrubado, pois quem o invoca parece partir do pressuposto de que só na escola é possível socializar. Parecem ignorar que crianças também podem brincar juntas e conviver em condomínios residenciais, parquinhos públicos, igrejas, cursos de idiomas, academias de judô ou balé, em grupos de escoteiros etc.
Outro ruído no debate que precisa ser esclarecido diz respeito à “prioridade” do tema. Com o objetivo de provocar desinformação, opositores à prática têm dito que o governo devia se preocupar com políticas públicas mais relevantes. A armadilha nessa sentença está em tratar o homeschooling como política pública, quando nem o governo, nem nenhum dos autores de projetos de lei sobre o tema o fazem. Legitimar a educação domiciliar é questão de reconhecimento de direitos, de liberdade de escolha por parte das famílias. Não se trata de demonizar a escola, mas sim de poder optar sobre onde educar os filhos: na escola ou em casa.
Hoje, ainda que uma mãe hipotética tenha toda a formação acadêmica voltada para a alfabetização, inclusive com doutorado na área, e queira educar os próprios filhos em casa, ela não pode. É obrigada pelo Estado a confiar na escola pública, cujos problemas não é preciso mencionar, ou a pagar muito para matriculá-los em uma instituição privada, onde também não há garantias de que receberão instrução melhor do que aquela que ela própria poderia oferecer em casa. Esse exemplo mostra como a situação atual não é nem sequer razoável.
Evidentemente, é preciso não descuidar das crianças em situação de vulnerabilidade social, que poderiam ser vítimas de responsáveis relapsos e acabarem em estado de abandono intelectual. No entanto, é justamente para evitar esses casos que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento que discutiu o assunto, em 2018, estipulou as balizas a serem respeitadas pela futura legislação brasileira sobre o tema. No acórdão publicado pela corte é dito que a Constituição Federal não proíbe a educação domiciliar, contanto que ela “respeite o dever de solidariedade entre a família e o Estado”, cumprindo um “núcleo básico de matérias acadêmicas” e prevendo a “supervisão, avaliação e fiscalização pelo poder público”.
O mundo, a história e até mesmo a Justiça brasileira já deram sinal verde para a educação domiciliar. É hora de o Congresso Nacional fazer a sua parte.
Filipe Barros é deputado federal (PSL-PR).
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