O socorro às Santas Casas é mais do que um gesto de caridade, é obrigação do Estado
Editorial Estadão
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) acaba de lançar um programa de crédito voltado a instituições de saúde sem fins lucrativos que prestam atendimento no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). O programa foca no aprimoramento da gestão e estrutura e prevê uma dotação de R$ 1 bilhão. Considerando-se a profundidade do atoleiro no qual estas entidades foram metidas pela irresponsabilidade da União – a dívida dos hospitais filantrópicos ultrapassa hoje R$ 20 bilhões –, o valor do programa é ínfimo. Mas já é um começo.
Em 2018, as entidades filantrópicas disponibilizaram 129 mil leitos aos pacientes da rede pública, cerca de 38% do total de leitos disponíveis no Brasil. Atualmente, 2.147 entidades hospitalares prestam serviços ao SUS, em 1.308 municípios. Em 968 deles a assistência hospitalar é realizada exclusivamente por entidades filantrópicas. O calvário das Santas Casas e instituições similares começou quando assumiram o compromisso de atender o SUS, há 20 anos. Em tese, parecia ser uma coalizão natural, dada a missão institucional desses hospitais de cuidar dos menos favorecidos. Ocorre que, em parte por negligência, mas sobretudo por oportunismo, os governos federais se aproveitaram da disponibilidade das entidades filantrópicas para aliviarem seu próprio fardo, reduzindo gradativa e consistentemente os financiamentos e retardando sistematicamente os repasses.
Como lembrou, durante a cerimônia de lançamento no Planalto, o presidente da Confederação Brasileira das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, Edson Rogatti, o déficit médio entre o custo que os hospitais filantrópicos têm na assistência do SUS e a receita proveniente dele é hoje superior a 65%. “Esta realidade crescente ao longo dos anos já determinou o fechamento nos últimos cinco anos de 218 hospitais, e restrições acentuadas de ofertas de serviços em diversas regiões”, disse Rogatti. “Uma Santa Casa pode fazer assistência integral ao SUS, tendo equilíbrio financeiro, com 2,5 vezes a tabela básica do SUS, enquanto um hospital público custa 8, 10, 15 e até 20 vezes a mesma tabela.”
Rogatti aproveitou para deixar um recado bem claro à Caixa Econômica Federal, “que sempre teve nas Santas Casas e Hospitais Filantrópicos um excelente negócio, tomadores de crédito, sem risco de inadimplência, pois desconta na fonte, com taxas de juros escorchantes, mais caras que a maioria dos bancos privados”. A alusão é ao programa de financiamento da Caixa, que operou por anos a juros de 13%. A taxa de juros do programa do BNDES será de até 9%.
O Programa do BNDES foi elaborado em parceria com o Hospital Sírio-Libanês, que colaborou na elaboração dos manuais e na capacitação dos técnicos do Banco. O Programa terá duas vertentes: uma voltada para a implementação de melhorias de gestão, governança e eficiência operacional e outra para a implementação, ampliação e modernização das instituições. Os desembolsos serão condicionados ao cumprimento de marcos pactuados com base no plano de ação. A ideia é que, além de fornecer crédito, o Programa promova mudanças estruturais nas instituições.
É um começo. Mas como disse Rogatti, dirigindo-se diretamente ao presidente da República, “o que precisamos urgentissimamente são recursos de custeio que reduzam o déficit mensal que temos”. “Nosso pedido é pela reedição de um novo incentivo à contratualização na ordem mínima de 25% sobre os atuais recursos recebidos, sendo que para os hospitais filantrópicos de ensino e incentivo a solicitação é de 35%.”
As Santas Casas realizam cerca de 6,5 milhões de internações por ano para o SUS e mais de 280 milhões de atendimentos ambulatoriais, empregando diretamente 990 mil trabalhadores, com 180 mil médicos autônomos, e impacto direto de dependência econômica do setor para mais de 4,8 milhões de pessoas. Socorrê-las é mais do que um gesto de caridade, é uma obrigação de justiça por parte de um Estado que as sangra dia após dia.
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