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Dilma de novo?

 

Editorial Istoé, Carlos José Marques

Vamos combinar que ambos estão bem parecidos. Esquerda e direita, pouco importa o viés ideológico que cultivam. Um fala tanta bobagem como a outra. Compartilha do mesmo espírito populista e, para não negar a natureza, parte à intervenção na base da canetada ou da imposição de vontades, sempre que possível.

Jair Bolsonaro, desde que iniciou o mandato, se contorcia no figurino liberal que queriam lhe imputar em vão. Não era ele ali. Como exigir de alguém que passou a vida política inteira pregando o controle de empresas estatais, a defesa de privilégios militares e o aumento de subsídios uma conversão abrupta para o liberalismo neokeynesiano de um Chicago boy como Paulo Guedes ? Não ia acontecer e, de fato, está demonstrado agora, não ocorreu.

Guedes, na condição de czar da Economia — com poderes limitados a um teto, dada a índole imperial bolsonarista —, tentou até cunhar a esdrúxula mistura de um governo conservador nos costumes e liberal na economia. Não passou de exercício de retórica. Como água e azeite os dois pressupostos, ao menos no paleontológico perfil da figura do presidente, não combinaram.

Bolsonaro é o que é e deixou evidente na desastrada ação de suspender o aumento de preço do diesel na bomba para atender aos pleitos e desejos dos caminhoneiros. Assustou o mercado, desesperou investidores e impôs uma sonora desvalorização de mais de R$ 32 bilhões no preço dos papéis da já combalida Petrobras, em um único dia. É pouco? As coisas já não andam bem na economia. Queda nas estimativas do PIB dia sim, outro também. Multinacionais cancelando projetos. Desemprego crescendo. E aí o mandatário decide brincar de Deus populista das tarifas, demonstrando cabalmente que seu voluntarismo impulsivo está mais afiado que nunca.

Onde está a mudança de hábitos?
Como Dilma, ele questionou a razão de o preço do Diesel subir mais que a inflação, numa ignorância absoluta de como são regidas as variações dessa commodity. Como Dilma, desconsiderou o princípio de governança corporativa de empresa de capital aberto. Como Dilma, exigiu explicações dos executivos da estatal e convocou a todos para uma reunião em Brasília, dias depois da lambança, numa intromissão tão indevida como desaconselhável para quem prega a transparência administrativa. Bolsonaro alegou não entender nada de economia. No fundo da alma não viu nisso impeditivo para meter o bedelho onde não é devido. Tanto que tomou a iniciativa de pegar o telefone e, direto do Planalto, cobrar satisfações sobre fixação do reajuste de uma mercadoria, assunto inerente ao ambiente empresarial, onde não cabem ingerências de fora. Desprezou as regras que regem o livre mercado. O aumento seguia a política de preços em vigor e, mesmo como acionista majoritário, o governo não tem prerrogativas especiais, diferente da dos demais sócios, para vetar unilateralmente a medida. Percebeu o erro e as consequências. Veio a turma dos panos quentes. Ministros correram a se reunir para estudar uma versão e saída honrosa diante da nova derrapada. Para blindar o presidente, alegaram que ele buscava apenas uma consulta das razões do ajuste. Diminuíram a importância do evento, mas o estrago foi concreto. De nada valeram as embromações.

A leitura do ato para o mundo e os investidores era uma só: não há como assegurar confiança diante da instabilidade de regras que ainda grassa no Brasil. Tal entendimento põe por terra qualquer esforço maior da equipe econômica de mostrar mudanças. Ao intervir de forma desabrida na Petrobras e buscar à sua maneira reintroduzir um modelo de controle de preços, Bolsonaro também desautorizou — ou, no mínimo, desconsiderou — o papel de fiador de credibilidade do seu “Posto Ipiranga”, como costuma se referir ao ministro Paulo Guedes. Embora haja um esforço de se distanciar da antecessora Dilma, ele acaba replicando os mesmos cacoetes. No tipo de gestão, nos conceitos e até no uso de convicções políticas e ideológicas quando toma decisões.

Na tentação populista, tal qual a “Mãe do PAC”, já prometeu conceder perdão de dívida do Funrural, aumento do soldo dos militares e a eliminação das lombadas eletrônicas. Admitiu abertamente que não gostaria de fazer a reforma da Previdência e na greve dos caminhoneiros ano passado se colocou a favor da categoria — e talvez por isso, mais uma vez, agiu em benefício dela. Os sinais trocados, um tanto quanto autoritários, são provas de que Bolsonaro não resiste a um teste simples que desnude a ambivalência de seu comportamento entre aquilo que deve fazer como mandatário e o que realmente planeja levar adiante.

A forma de pensar permanece inalterada e, vez por outra, ele recorre ao repertório de bobagens, deixando cair a máscara com a qual se travestiu para ganhar a eleição. Não se iluda: O capitão reformado, egresso do baixo clero do Congresso, continua no picadeiro e seguirá fazendo estripulias sem a menor cerimônia.

link do editorial
https://istoe.com.br/dilma-de-novo/