Bolsonaro não abandonou o discurso de campanha nem na posse nem depois dela
João Domingos
Com menos de uma semana do governo declaradamente de direita de Jair Bolsonaro, é possível identificar na direção da máquina do Estado alguns nichos já muito bem definidos. Uns trabalham em silêncio, ou já adiantam medidas que pretendem tomar, como os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro; outros mostram ponderação, como os ministros das áreas de infraestrutura; e há os que fazem um barulho danado com suas posições polêmicas, seja por declarações, seja por manifestações nas redes sociais. Entre estes últimos estão os ministros da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O presidente da República é outro que está no meio dos barulhentos.
Bolsonaro não abandonou o discurso de campanha nem na posse nem depois dela. É provável que vá mantê-lo por um bom tempo, enquanto sentir necessidade de falar as coisas que seu eleitor gosta de ouvir: liberação da posse e flexibilização do porte de armas, fim do auxílio-reclusão, adeus ao indulto de fim de ano para presos, manutenção da prisão para condenados em segunda instância, salvo-conduto para policiais no enfrentamento com bandidos, ataque à corrupção, combate ao PT para que a bandeira nacional nunca seja vermelha e enxotamento do socialismo do País (dois exageros), para citar alguns dos temas que garantiram popularidade ao presidente.
Jair Bolsonaro sabe que, ao abordar esses assuntos nos discursos, nas entrevistas ou pelas redes sociais, ele consegue falar diretamente com o eleitor que votou nele. Então, mãos à obra. Ao mesmo tempo, seus técnicos, no caso Guedes, Moro e os ministros da infraestrutura, vão preparando as reformas que serão enviadas ao Congresso, o plano de privatização e de investimentos.
Enquanto as medidas na área econômica não vêm, e elas precisam vir para dar à sociedade a sensação de que as coisas vão mesmo mudar, e com profundidade, o presidente fica no palanque, funcionando como aquele que distrai a plateia para que outros possam preparar as atrações principais. É um estilo curioso de governar.
Nesse papel, Bolsonaro se incumbe também de ser o presidente bonzinho para com a população. Quer que ela pague menos imposto, diz que a alíquota de 27,5% do Imposto de Renda da Pessoa Física já está de bom tamanho e que o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) deve ser o menor possível. E também que a idade mínima para a aposentadoria deve ser de 62 anos para os homens e 57 para as mulheres, menor do que a atual para os servidores públicos, de 65 e 60 anos, respectivamente.
Só não dá mesmo é para tolerar o PT e seus agregados, que teriam implantado o socialismo no País, arruinado sua economia e corrompido geral. Quando confrontado com a realidade, que jamais esse país foi socialista, Bolsonaro não se importa. Responde que o socialismo só não chegou por aqui porque os militares não deixaram. Uma forma simplista de ver as coisas, mas que fala ao eleitor. Se fala ao eleitor, por que não tirar também as cadeiras vermelhas do Palácio da Alvorada, onde ele passou a morar com a família, e substituí-las pelas azuis? Foi isso o que o presidente fez.
Quem sabe entre os servidores comissionados há uma legião de petistas? Então, que sejam todos demitidos, como fez o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ao exonerar 320 sob seu comando, com recomendação para que os outros ministros façam o mesmo.
O capitão Jair Bolsonaro, que serviu na arma da Artilharia quando estudou na Academia Militar das Agulhas Negras, aprendeu que o sucesso dele como aluno dependia, entre outras coisas, do cálculo de tiro e do acerto na mira. Agora no comando, a mira é o PT. Socialista ou social-democrata. Não importa.
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https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,a-mira-e-o-pt,70002667773
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