Segmentos do aparato estatal seguirão autoritários
Jorge Zaverucha
As transições latino-americanas para a democracia procuraram desmilitarizar a política, tentando levar os militares a se concentrar em suas atividades, como a defesa das fronteiras do Estado. Este processo vem fracassando no Brasil. Os militares federais estão cada vez mais envolvidos em atividades de segurança pública.
A indicação de um general para a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo acordou os paulistas para essa questão. Algo similar só ocorreu quando o coronel do Exército Erasmo Dias esteve à frente dessa pasta durante o regime militar (1974-1978). Em outros estados da Federação, todavia, isso já era uma prática comum. Em Pernambuco, o primeiro titular da recém-criada Secretaria de Defesa Social, em 1999, foi um general de brigada.
Este processo, na verdade, remonta à Constituição de 1988. Esta conservou a falta de uma das principais características do Estado moderno: a clara separação entre a força responsável pela guerra externa (Exército) e a Polícia Militar, encarregada da manutenção da ordem interna.
A PM brasileira, ao contrário de outros países, é força auxiliar do Exército em atividades de segurança pública. E o Exército é, crescentemente, chamado pelo poder civil para executar Operações de Garantia da Lei e da Ordem, que incluem ações de segurança pública, como a ocorrida na intervenção no Rio de Janeiro.
A Constituição de 1988 cometeu, também, o erro de reunir, em um mesmo Título V (Da Defesa do Estado e das Instituições), três capítulos: o Capítulo I (Do Estado de Defesa e do Estado de Sítio), o Capítulo II (Das Forças Armadas) e o Capítulo III (Segurança Pública). As polícias continuaram, mesmo em menor grau, a defender mais o Estado que o cidadão.
Chegou-se a ponto de apagar do texto constitucional a expressão “policial militar”, sendo substituída por “militar estadual”. Algo que nem o regime militar ousou fazer. Hoje os conceitos sobre segurança nacional e segurança pública tornaram-se, praticamente, sinônimos. Mormente, com o crescimento do poder bélico das facções que compõem o crime organizado.
O termo Polícia Militar é um oxímoro. Doutrinariamente, polícia como órgão incumbido de prevenir a ocorrência da infração penal e, se ocorrida, exercendo as atividades de repressão, é uma instituição de caráter civil. Não há necessidade de acrescentar a palavra militar ao substantivo polícia. No mundo democrático, as polícias militares são conhecidas como Carabineros, Carabinieri, Gendarmería, Polícia Montada, Guarda Republicana etc. E na Espanha, particularmente, por Guardia Civil. No sentido de guardar o cidadão.
A militarização é crescente quando os valores das Forças Armadas se aproximam dos valores da sociedade. Decepcionada com o desempenho de seus políticos e de suas polícias estaduais, boa parte da sociedade enaltece os valores castrenses tais como disciplina, ordem, honestidade, organização e patriotismo.
A incapacidade da elite civil de gerir o Brasil de uma forma não cleptocrática e inclusiva faz com que a presença militar na política e na segurança se avolume. As perspectivas são de que, tal como nos anos anteriores, segmentos do aparato estatal continuarão autoritários no futuro governo. Em contraste com o Chile, Uruguai e Argentina, onde o controle civil sobre os militares se afirma dia após dia.
Jorge Zaverucha
Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago e professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco
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https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/12/seguranca-publica-militarizada.shtml
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