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Natal e dignidade humana

Direitos humanos ainda precisam ser reconhecidos

Odilo Pedro Scherer

Celebramos a festa do Natal, mesmo quando tantas coisas ainda contrastam com a mensagem do Natal: guerras e violências ainda maltratam o mundo; desigualdades e discriminações de todo tipo, injustiças sociais profundas, sofrimentos e humilhações afligem grande parte da população; e as mesas, mais que fartas das ceias do Natal, não chegam aos famintos do mundo. Os “direitos humanos”, proclamados há 70 anos, ainda precisam ser mais reconhecidos e respeitados. Haveria muito para se refletir sobre isso no contexto do Natal.

No entanto, desejo começar refletindo sobre o significado do Natal para o mundo e a humanidade. O nascimento de Jesus Cristo é comemorado como um acontecimento extraordinário pelos cristãos e por grande parte da humanidade. Os cristãos reconhecem Jesus Cristo como Filho de Deus, vindo ao mundo para assumir nossa humanidade, para se fazer próximo de cada ser humano e lhe comunicar seus dons divinos.

Sinais extraordinários acompanharam o nascimento de Jesus, conforme testemunham os Evangelhos de São Lucas e São Mateus, que trazem uma espécie de crônica sobre alguns eventos ligados ao nascimento de Jesus.

O Evangelho de São João, por sua vez, não centra a atenção nos fatos que cercaram o nascimento de Jesus, mas vai ao seu significado teológico: em Jesus, a palavra eterna de Deus assumiu carne humana e veio morar no meio de nós. Carne e espírito são a condição do homem neste mundo e lembram sua realidade limitada e frágil; mas, ao mesmo tempo, indicam sua capacidade de se abrir ao divino.

No Natal, os cristãos contemplam esse feito surpreendente e sublime: o divino entra no humano, e este é elevado à participação do divino. Deus nada perde, nem fica mais pobre; mas o homem e o mundo são imensamente enriquecidos. No nascimento de Jesus, o céu e a terra trocam seus dons: o céu nos dá o que possui de mais valioso –o próprio Deus. A terra oferece ao céu o que tem de melhor: a nossa pobre humanidade, frágil e inconstante, mas aberta ao diálogo com Deus.

A Liturgia do Natal expressa isso numa prece cheia de admiração e agradecimento: “ó Deus, que admiravelmente criastes o ser humano e, mais admiravelmente, restabelecestes a sua dignidade, dai-nos participar da divindade do vosso Filho, que assumiu a nossa humanidade!”

Nascendo em nossa carne, o Filho de Deus tornou-se próximo de cada ser humano, dando-lhe uma dignidade altíssima, jamais alcançável por suas forças. Impossível ao homem, mas não a Deus, a cujo poder não compete ao homem colocar limites.

Bem por isso a Igreja Católica também comemora no Natal o dia da fraternidade universal entre os homens. O Filho de Deus fez-se irmão de cada pessoa, não importando raça, cultura, nacionalidade, religião, ou qualquer outra diferença natural entre os seres humanos.

Ele reúne em sua pessoa toda a humanidade, tornada uma única grande família de irmãos. São Paulo ensinou que somos “filhos no Filho” e, portanto, membros de uma única família de irmãos.
Posso voltar, agora, ao início desta reflexão: ainda fazem sentido a guerra, a violência, as injustiças e a toda forma de desrespeito à pessoa do próximo? Ao sólido fundamento de nossa comum essência e natureza humana, o Natal nos dá motivos profundos para vivermos fraternalmente, respeitando-nos, ajudando-nos reciprocamente, deixando de lado tudo aquilo que fere a dignidade de qualquer pessoa.

Somos irmãos. Somos todos filhos amados de Deus e, em Jesus Cristo, chamados a participar da mesma vida de Deus. Este é o presente de Natal mais precioso, que oferece motivos insuperáveis para o nosso empenho comum na defesa da dignidade de cada pessoa e para a edificação de um mundo bom para todos. “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra a todos, por ele amados” (Lc 2,14). Feliz e abençoado Natal de Jesus para todos!

Odilo Pedro Scherer
Cardeal, arcebispo de São Paulo e doutor em teologia pela Universidade Gregoriana (Roma)

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https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/12/natal-e-dignidade-humana.shtml