Gleisi Homann começou sua carreira no PT com o verniz de gestora. Mulher do ex-deputado e ex-ministro Paulo Bernardo, ela foi alçada ao cargo de diretora de Itaipu em 2003, quando Lula chegou à presidência. Esse posto, a influência do marido no partido e a forte popularidade do governo Lula ajudaram Gleisi a superar derrotas no passado e chegar à sua primeira vitória na eleição de 2010, como senadora. A sorte seguiu ao lado da petista e, em 2011, Antonio Palocci caiu da Casa Civil de Dilma Roussef e, Gleisi, com a fama de gestora, passou de novata no Senado à poderosa posição de número dois do governo, chefiando o ministério. Sua carreira continuou ascendente mesmo com a Lava Jato e, com o declínio de Lula, ela passou a ser presidente do PT e porta-voz do ex-presidente preso. O que a Polícia Federal descobriu é que, enquanto fazia carreira na política, Gleisi Homann recebeu propina, fez caixa dois com dinheiro da TAM e, suspeita-se, até emplacou um funcionário fantasma em seu gabinete.
As conclusões da PF estão no relatório final do inquérito que investiga um esquema no Ministério do Planejamento, no qual uma empresa contratada para gerenciar o serviço de empréstimo consignado dos servidores passou, em troca, a distribuir propinas a diversos políticos. O ministro do Planejamento era Paulo Bernardo, marido de Gleisi. Essa investigação é um dos desdobramentos da Lava Jato em São Paulo e teve até operação, a Custo Brasil, que chegou a prendê-lo em 2016. Mas Gleisi, por ser senadora, valeu-se do foro e foi investigada à parte, no Supremo Tribunal Federal. O relatório da PF foi finalizado em 8 março deste ano.
O centro do caso é o escritório do advogado Guilherme Gonçalves, que trabalhou nas campanhas de Gleisi ao Senado em 2010 e ao governo do Paraná, em 2014. Ele recebeu dinheiro da empresa Consist, a tal que prestava o serviço ao Ministério do Planejamento, como já era sabido desde a operação de 2016. Mas a investigação traz revelações de como o esquema beneficiou especificamente a senadora, o que permitiu à PF concluir que Gleisi recebeu, entre propinas e caixa dois, 1,3 milhão de reais, entre 2010 a 2015 – justamente aquele período em que Gleisi saltou de novata no Senado a um dos principais nomes do PT.
As investigações da PF partiram de planilhas do escritório que, de um lado, recebia de empresas como a Consist e a TAM, e de outro custeava despesas dela. Tudo devidamente registrado sob a rubrica “Eleitoral – Gleisi”. Foram 300 mil reais pagos em agosto de 2010 pela TAM, quando ela concorreu ao Senado. O advogado Guilherme Gonçalves admitiu à PF que, apesar de ter recebido a bolada, não prestou serviços à companhia aérea. “Em relação à anotação TAM, com data 30, e valor de 300.000,00 no eleitoral, o declarante acredita que tenha sido um pagamento de honorários da campanha da Senadora Gleisi Homann relativo às eleições de 2010 e não sabe se esse valor foi registrado ou não na contabilidade da campanha da Senadora”, diz um trecho do depoimento do advogado à Polícia Federal. Na verdade, não há dúvida quanto à declaração social do dinheiro. O repasse não foi registrado.
Os investigadores tentaram, então, ouvir da TAM qual era a justificativa para dar 300 mil reais ao escritório de advocacia da campanha de Gleisi. Ninguém conseguiu explicar. O então diretor jurídico, Luiz Aguiar, disse que não se lembrava do serviço, mas que a ordem havia partido do então presidente Marco Bologna. O presidente, por sua vez, disse “acreditar” que serviços foram prestados e garantiu que não havia motivos para dar dinheiro à campanha de Gleisi. E sugeriu que a PF pedisse mais detalhes ao… diretor jurídico.
Assim concluiu a PF: “Existem indicativos de que Gleisi Homann, com participação de Marco Antonio Bologna (ex-Presidente da TAM), Luiz Aguiar (ex-Diretor Jurídico da TAM) e Guilherme Gonçalves (advogado da área eleitoral) ao menos omitiu, em documento público ou particular, a saber a prestação de contas relativa à campanha ao Senado Federal de 2010, declaração de que recebeu, em 30/08/2010, R$ 300.000,00 da TAM para fins eleitorais por intermédio de um contrato de consultoria jurídica simulado sem a correspondente prestação do serviço, mas com registro de uso como honorário eleitoral”.
A outra parte do dinheiro que abasteceu o caixa de Gleisi veio do “fundo Consist”. Era uma espécie de código na contabilidade do escritório de Guilherme Gonçalves, de modo a detalhar as despesas de Gleisi pagas pela Consist com dinheiro oriundo do convênio com o Ministério do Planejamento. Um diretor da empresa, aliás, admitiu à PF que o escritório não prestava serviços: era apenas um dos canais de distribuição de valores indicado por lobistas do contrato do Ministério do Planejamento. Com o dinheiro da Consist, o escritório de Guilherme Gonçalves pagava despesas de Gleisi, como multas na Justiça Eleitoral e imóvel de campanha, além de abater dos honorários advocatícios que a senadora deveria pagar pelos serviços prestados por ele nas campanhas.
O tal “fundo Consist” pagou ainda valores a assessores de Gleisi. Um deles chamou a atenção da PF. Trata-se de Gláudio Lima, que recebeu 40 mil reais do escritório em 2015. Segundo Guilherme Gonçalves, ele tinha valores de campanha a receber e o dinheiro foi uma ajuda até ele conseguir emprego. Mas o que surpreendeu a PF foi que Gláudio disse em depoimento de março de 2017 que trabalhava como professor em Londrina e que, em 2016, estava no gabinete de Gleisi. Os investigadores checaram então os dados sociais do Senado. Surpresa: apesar de Gláudio dizer que não trabalhava mais para Gleisi desde dezembro de 2016, ele constava ainda como funcionário ativo, recebendo cerca de 6 mil reais por mês. A consulta da PF foi em novembro de 2017. Na página do Senado, ele ainda aparece como servidor.
Além dos indícios de que Gláudio pode ter sido funcionário fantasma no Senado, há evidências no inquérito da participação de Gleisi nos 40 mil reais dados pelo escritório de advocacia com o dinheiro do “fundo Consist”, em 2015. É uma mensagem no celular de Gláudio: “Gleisi me pediu para ‘cuidar’ de você. Rsrs Já tenho uma ideia é até semana que vem eu vejo isso”. A mensagem que cita Gleisi partiu de Paulo Bernardo, marido dela. Um mês depois, o “cuidado” começava a acontecer: o fundo Consist passou a pagar uma mesada de 8 mil reais a Gláudio.
A investigação da Polícia Federal conclui que Gleisi praticou o crime de corrupção. Com o relatório final, o caso caminha para se tornar mais um fardo para a senadora. Gleisi já é ré em uma ação no Supremo, acusada de receber outro 1 milhão de reais do esquema de propinas da Petrobras durante a campanha de 2010. A investigação de agora, a que Crusoé teve acesso, poderá resultar em nova denúncia – e, portanto, em mais um processo contra ela.
A petista, escolhida como porta-voz de Lula, preso em Curitiba, muito em breve também será chamada a acertar as contas com a Justiça.
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